Paulo Vasconcelos Jacobina
“Imaginei
que veria mais um amontoado de agressões e mentiras contra a Igreja,
como aquelas que vi tantas vezes em aulas de religião e de história, ou
mesmo durante meu curso universitário, ou simplesmente nos círculos
estatais que frequento. Tive uma surpresa.”
Sou
um católico reconvertido, redescobri a fé depois de muitos anos de
tergiversações e caminhadas por outras religiões e pela falta delas.
Nasci num lar católico e fui educado numa escola católica, na qual, sob o
influxo de uma empolgação pós-concílio Vaticano II, na qual o que
ouvíamos nas missas e nas aulas de religião é que todas as religiões
levam a Deus e que, no fundo, aqueles de nós que estavam nos templos e
ritos católicos eram talvez menos cristãos do que aqueloutros que,
embora sem religião ou mesmo pertencentes a outras religiões, estavam
engajados em lutas sociais e ajudando a transformar o mundo de algum
modo.
Acreditei nisso e, tendo completado minha graduação em Direito, ingressei no Ministério Público,
no qual passei os últimos vinte e cinco anos empenhado na defesa de
direitos difusos, coletivos, indisponíveis, da ordem democrática e do
Estado de Direito. Comprei brigas e movi processos em defesa do meio
ambiente, dos deficientes, do patrimônio público, dos consumidores,
índios, quilombolas, crianças, adolescentes, idosos, presidiários, além
de ter participado de grandes operações de repressão ao tráfico de
drogas, à sonegação e ao tráfico de pessoas, só para dar alguns
exemplos. Com tudo isso, sentia-me muito pessoalmente justificado nas
poucas missas em que participei, quando ouvia padres e bispos
invectivarem [pronunciarem palavras injuriosas] contra a suposta
“beatice carola” dos que perdiam tempo rezando terços ou “adorando o
santíssimo” em vez de estarem engajados em combates, por exemplo, contra
a redução da maioridade penal ou do financiamento público de campanhas
eleitorais.
De fato, somente na maturidade tive a graça de redescobrir a fé, e de perceber quão vazia é a espiritualidade meio “new age”
de quem põe sua salvação na militância social e política. Não que não
seja importantíssimo testemunhar na prática a própria fé e os princípios
cristãos, mas a verdade é que a salvação não vem pela militância social, mas pela fé em Deus. E em Jesus Cristo, vivo no seu Corpo Místico que é a Igreja. Num dado momento, descobri que o Estado moderno é uma realidade que tem apenas cerca de 300 anos, e que ele não será caminho de salvação para ninguém.
Somente quem não tem fé, e falo aqui da verdadeira fé cristã, pode
defender que, de algum modo, a “luta política” pelo controle do Estado
tem valor salvífico em si mesma. Isto não é verdade.
Nem é isto que a Doutrina Social da Igrejadiz,
como vim também a descobrir recentemente. Se atuar no mundo da cultura,
da política, da família, da economia e da sociedade é a vocação
primeira do leigo, esta vocação está relacionada especificamente à busca
da santidade laical, que por seu turno decorre da graça de Deus, da
qual os sacerdotes são os administradores e mestres. E isto tudo, na
maior parte do tempo, não passa por nenhuma militância social explícita
em movimentos partidários e ideologias políticas, mas no caminho firme e reto de quem testemunha a sua própria fé nas realidades seculares.
O Estado é um espaço importantíssimo de convívio e debate social, mas
não é em si mesmo veículo de redenção, individual e coletiva. A Igreja
é. Neste sentido, nós leigos esperamos da nossa hierarquia eclesial que
seja realmente dispensadora da graça e mestra de santidade, e não uma
espécie de vanguarda de causas políticas a serem estatalmente
implementadas por via legislativa e judiciária, sob um discurso irenista
[pacificador, conciliador] de tolerância religiosa (que é necessária, essencial mesmo, mas tampouco tem valor salvífico em si mesma).
Foi com este espírito que fui, com meu filho adolescente, assistir ao filme “Spotlight – Segredos Revelados”,
esta semana. Com o espírito de um filho recém-retornado à casa, que se
sente no dever de saber quais calúnias se levantam contra sua mãe
redescoberta. Imaginei que veria mais um amontoado de agressões e
mentiras contra a Igreja, como aquelas que vi tantas vezes em aulas de
religião e de história, ou mesmo durante meu curso universitário, ou
simplesmente nos círculos estatais que frequento. Tive uma surpresa.
O filme tem um roteiro muito bem escrito, e é muito bem interpretado e dirigido. E, além de tudo, é verossímil. Não é um libelo antieclesial, mas um profundo questionamento aos filhos da Igreja. O que aconteceu com a Igreja naquele momento, ou melhor, como algo assim pode acontecer sob os olhos de todos, num ambiente eclesial de primeiro mundo, sob uma arquidiocese antiga[Boston, nos Estados Unidos], consolidada e rica, dirigida por um Cardeal de renome, em pleno final do século XX?
Não quero, como diz o meu filho, dar “spoiler”
sobre o filme, ou seja, revelar cenas e passagens, surpresas para quem
não assistiu ainda. Mas, em determinada altura, um personagem que é um ex-padre, e que conversa ao telefone com um repórter, afirma que “a raiz de todos os problemas sexuais do clero está no celibato”. E diz mais, que seis por cento do clero é pedófilo e cinquenta por cento não vive efetivamente o celibato.
Isto chamou muito a atenção do meu jovem filho, que me questionou a
respeito, ao final da sessão. Eu tive oportunidade de dizer a ele que,
de tantas qualidades e questionamentos que o filme traz, este é um dos poucos trechos em que uma ideologia antieclesial e antissacerdotal fica explícita:
o problema fulcral, disse eu, não está no celibato, mas na sua violação
pelos maus sacerdotes. Dizer o contrário é deturpar os fatos para
defender uma tese anticelibato. Eu disse ainda a ele que certamente
cem por cento do clero não seria capaz de viver o celibato sem ajuda da
graça divina, e os que não o fazem certamente não sofreram de falta de
graça, mas de excesso de humanidade.
Há um outro desvio ideológico, no filme, que quero comentar: o esforço que os personagens fazem para desvincular a questão da pedofilia desses sacerdotes da sua conotação homossexual. O próprio filme, no entanto, mostra a esmagadora maioria de casos de homossexualidade,
embora, é claro, a pedofilia heterossexual não seja nem um pouco menos
grave. Mas não representa um cenário estatisticamente relevante nos
casos que o próprio filme retrata.
Outra cena bastante desagradável é quando o Cardeal Law entrega um exemplar do Catecismo da Igreja Católica ao diretor do jornal Boston Globe,
que é judeu, e que não é de Boston e está recém-empossado no cargo – o
gesto é retratado como um proselitismo cooptador de um prelado
arrogante. Aquele que, segundo o filme deixa entender, comprovadamente
não viveria em conformidade com o que diz acreditar. É muito triste ver o
Catecismo retratado assim.
Assisti ao filme com uma enorme sensação de vergonha.
Ouvi comentários maliciosos e confirmatórios pela plateia, do tipo;
“está vendo o que é a Igreja?” ou “esses padres precisam casar”.
Pessoalmente, acho que o filme deveria ser assistido em todos os meios clericais, por todos os padres e bispos, quiçá até mesmo na CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]. E debatido. Seriamente. É muito triste quando a verdade nos é embaraçosa. Mas é a verdade que veio à tona, e é à verdade que os cristãos seguem.
Em mim, deixou o profundo desejo de ser mais santo, de ser mais Igreja,
de testemunhar a fé e a graça que a Igreja me dá todos os dias. Pelos
inúmeros padres santos, diáconos santos, bispos santos, que tantas vezes
me ensinaram a verdade, me trouxeram a Eucaristia e o perdão
sacramental na confissão, em vez de promover um “ativismo” social
político-partidário e o relativismo religioso.
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Fonte: ZENIT.ORG – Segunda-feira, 18 de janeiro de 2016 – Internet: clique aqui.
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