O sociólogo americano Eric Klinenberg, 46, investigava os efeitos de uma
onda de calor que afetou Chicago em 1995 quando viu que mais de 700
vítimas fatais viviam sozinhas. A tragédia acendeu nele a curiosidade
para estudar uma mudança fundamental que vem ocorrendo nas grandes
cidades, não apenas dos EUA, mas do mundo.
A investigação resultou em 2012 no livro "Going Solo - The Extraordinary
Rise and Surprising Appeal of Living Alone" (seguir sozinho - a
extraordinária ascensão e o interesse surpreendente de viver só), e os
números então saltaram aos olhos.
Se, em 1950, 4 milhões de americanos viviam sós, hoje já são mais de 30
milhões. Nas grandes cidades, a tendência é muito mais acentuada –mais
da metade da ilha de Manhattan, descobriu Klinenberg, tem moradias com
apenas um habitante.
O instituto Euromonitor identificou, entre 1996 e 2006, um aumento de
33% das pessoas que vivem sós e projetou, para 2020, um crescimento do
índice em adicionais 20%.
"É um momento único na história da humanidade em que enormes quantidades
de pessoas, se têm condições para isso, optam por viverem sozinhas",
explica Klinenberg.
Depois de "Going Solo", o mercado editorial foi invadido por publicações
que tratam de refletir sobre os aspectos da tendência: pessoas que
preferem nunca ter um parceiro fixo (o que não significa não ter sexo);
as que querem namorar ou casar, mas não aceitam viver sob um mesmo teto;
as que enviúvam e percebem que envelhecem melhor sem se mudar para a
casa de parentes; as que vivem sós para ter uma vida social mais
agitada; e as que querem desconectar-se de tudo e redescobrir o silêncio
e a natureza.
'SOLTEIRONA'
Em "Spinster" –na lista dos melhores livros de 2015 do "New York Times",
e que a Intrínseca lança no Brasil em abril–, a americana Kate Bolick,
40, pede uma redefinição da palavra "spinster".
Termo celebrizado na Idade Média para designar mulheres que, por terem
posses, não precisavam buscar o casamento por sustento, o conceito era
considerado algo positivo. Mas, ao longo dos séculos 18 e 19, ganhou
conotação pejorativa, ao designar a "solteirona com mais de 40".
"É hora de redefinir o conceito de 'spinster', pois já não corresponde a
mulheres amedrontadas e estigmatizadas, mas que se libertaram das
perguntas impostas desde a infância ('quando você vai se casar?') e
reencontraram um lugar na sociedade", diz Bolick.
Para a autora, a "libertação das 'spinsters'" está relacionada à
revolução LGBT e ao desenvolvimento dos aplicativos para encontrar
parceiros sexuais. "Antes a mulher precisava de um marido para ter sexo.
Hoje, talvez seja tudo de que ela não precisa."
Já Klinenberg, que é professor de sociologia da Universidade de Nova
York, acredita que o "apogeu da vida solitária" começou a despontar nos
anos 1950, mas ganhou força nos últimos dez anos, devido a quatro
fatores: mudança de status da mulher, revolução das comunicações,
revolução urbana e aumento da longevidade.
Segundo ele, tornaram sedutoras as benesses da vida solitária: "A
privacidade, o anonimato, a autonomia e, paradoxalmente, a chance de se
conectar mais com outros sem compromisso". E completa: "Casamos mais
tarde, permanecemos solteiros por anos ou décadas, fazemos o possível
para evitar mudar para a casa de nossos pais, e eles também resistem em
mudar para a nossa quando perdem o companheiro", resume.
ESTIGMA
Ainda assim, especialistas concordam que o estigma persiste. "Leia a
descrição de psicopatas nos jornais. Fatalmente os que o conheciam
elencarão que ele era 'sozinho'", diz a britânica Sara Maitland, 65,
autora de dois livros sobre o tema: "A Book of Silence" (um livro de
silêncio) e "How to Be Alone" (como viver só).
Tendo sido casada e vivido em Londres muitos anos, há tempos se mudou
para uma casa no interior da Escócia, sozinha, não tem celular e evita a
companhia de outros, que substitui por longas caminhadas em silêncio.
"Estar sem um parceiro é o único comportamento com o qual as pessoas não
têm receio de serem profundamente rudes", explica. "Quantas vezes não
me perguntaram: 'E você, já arrumou alguém?'. Se eu respondesse: 'Não,
mas e você, continua amarrada a esse sujeito aí?' seria extremamente
grosseiro, não?"
Por isso, explica Maitland, preferiu mudar-se para o campo e refletir
por que a sociedade ainda associa a opção de viver só à tríade "sad, mad
or bad" (triste, louco ou mau). Existe, para ela, uma sensação cultural
de que isso possa estar "errado".
O que os dois livros que Maitland já lançou, e o terceiro no qual agora
trabalha, tentam responder é que esses estigmas estão caindo e que há um
movimento "contracultural", relacionado à revolução das comunicações,
que facilitará viver sozinho e levará essa transformação adiante.
Em seus livros, desfilam os fenômenos da moda das aventuras em "solidão
extrema", ou seja, viagens de exploração de lugares longínquos ou perfis
de famosos solitários, como Greta Garbo (1905-90).
Para Maitland, o processo é lento. "O estigma tem várias razões, como o
medo das pessoas de uma vida sem companhia, mas um outro é a inveja, que
causa vontade de experimentar [risos]. E isso ajuda o estigma a se
diluir."
No recém-lançado "Selfish, Shallow, and Self-Absorbed" (egoísta,
superficial e autocentrada), a americana Meghan Daum, 46, reúne famosos
escritores (como Geoff Dyer, Anna Holmes e Sigrid Nunez) que discorrem
sobre a escolha de não ter filhos.
O foco é a avaliação moral que a sociedade fez da opção, que soa
"egoísta" ou "escapista". Como diz um dos autores: "As pessoas creem que
quem não tem filhos deixa de dar um sentido à existência, como se algum
sentido houvesse".
Os autores concordam, porém, que a vida solitária apenas traz benefícios
aos que optam de maneira voluntária por ela. "Sentir-se triste por
estar só é um outro problema, e ele precisa ser enfrentado como tal",
resume Maitland.
ANTES SÓ
Lançamentos refletem a tendência de pessoas viverem sozinhas. Entenda as diferenças, segundo os autores:
"GOING SOLO" (seguir sozinho)
Não se casar, não ter filhos, não ter como ideal a ideia tradicional de família.
Não se casar, não ter filhos, não ter como ideal a ideia tradicional de família.
"LIVING ALONE" (viver sozinho)
habitar uma casa ou apartamento sem a companhia de mais ninguém, nem 'roomates' nem namorados ou mesmo maridos ou mulheres (que podem viver em outras casas).
habitar uma casa ou apartamento sem a companhia de mais ninguém, nem 'roomates' nem namorados ou mesmo maridos ou mulheres (que podem viver em outras casas).
"SPINSTER"
Termo cunhado na Idade Média para definir mulheres que não precisavam se casar por ter independência financeira. Transformou-se num termo pejorativo nos séculos 18 e 19 para designar mulheres com mais de 40 que não se casavam. Hoje, volta a ser usado como conceito positivo, de mulheres independentes que decidem não se resignar à vida familiar e à maternidade.
Termo cunhado na Idade Média para definir mulheres que não precisavam se casar por ter independência financeira. Transformou-se num termo pejorativo nos séculos 18 e 19 para designar mulheres com mais de 40 que não se casavam. Hoje, volta a ser usado como conceito positivo, de mulheres independentes que decidem não se resignar à vida familiar e à maternidade.
"LONER" (solitário)
Alguém que prefere a solidão não apenas no lar, mas também no ambiente. Preferem viver perto da natureza, valorizam o silêncio e escolhem não estar conectados todo o tempo, muitos não têm celulares e mantêm pouca conexão com familiares ou amigos que vivem longe. Preferem o campo ou praias isoladas.
Alguém que prefere a solidão não apenas no lar, mas também no ambiente. Preferem viver perto da natureza, valorizam o silêncio e escolhem não estar conectados todo o tempo, muitos não têm celulares e mantêm pouca conexão com familiares ou amigos que vivem longe. Preferem o campo ou praias isoladas.
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Reportagem por SYLVIA COLOMBODE SÃO PAULO
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