Isabel Cristina Gonçalves*
Será que perdemos a capacidade de raciocinar, de entender o contexto e complexidade de tudo o que nos cerca? Estaríamos formando uma geração de egoístas, egocêntricos, alienados e inconsequentes?
Acabaram as festas, janeiro começou e em breve o ano letivo ganhará
vida. Novos calouros ávidos por uma “nova” vida de descobertas
desembarcarão em Adamantina. Nem faz um ano uma garota, em sua primeira
semana de aula na faculdade, teve suas pernas queimadas em um dia de
acolhimento de calouros.
Jovem, em seus 17 anos e feliz por realizar o sonho de ingressar em
uma faculdade. Mas em um dia que deveria ser de festa foi interceptada
por “colegas” veteranos. Foi pintada com tintas e esmalte até que sentiu
que jogaram um líquido em suas pernas. Nada notou até que a água da
chuva, por ironia, em lugar de lavar e limpá-la provocou uma reação
química que resultou em queimaduras de terceiro grau em suas duas
pernas. O mesmo aconteceu com uma colega de turma que teve as pernas
queimadas e outro rapaz que correu o risco de perder a visão. O líquido?
Uma provável mistura de creolina e ácido!
Casos amplamente noticiados pela imprensa local, regional e nacional.
Mas relatos contam mais sobre este dia trágico, como inúmeros casos
registrados de coma alcoólico, além de meninas que tiveram suas roubas
rasgadas e sofreram toda uma série de constrangimentos.
Fatos como estes contribuem para nos trazer de volta a realidade e,
guardadas as devidas proporções, ilustra que vivemos sim em um país onde
a “barbárie” ganha força e impera em diversos núcleos de nossa
sociedade e se alastra com uma rapidez de rastilho de pólvora. Casos se
repetem em diversos estados e cidades, o caso dos calouros da FAI
de Adamantina não é e nem será o último, quantas tristes histórias já
foram relatadas, como a do o jovem morto atirado em uma piscina da USP,
amanhã mais um gay ou um negro, ou mais uma mulher que não se “deu o
valor” e andou por aí exibindo seu corpo.
Vivemos em uma sociedade de sujeitos que não conseguem sequer
interpretar um texto; nossas crianças são “condicionados nas escolas”,
jamais educados. Infelizmente não há cultura neste país da desigualdade.
Parece que perdemos a capacidade de raciocinar, de entender o contexto e
complexidade de tudo os que nos cerca. Ninguém discute com seriedade o
que está levando a nossa sociedade a viver na idade das trevas.
O apresentador Chico Pinheiro, do Bom dia Brasil, revoltado
com os trotes violentos, afirmou que estes alunos deveriam voltar para o
ensino fundamental. Discordo radicalmente dele. Estes alunos deveriam
voltar para o seio de suas famílias e lá, sim, receber educação básica,
educação para a vida.
Os pais estão terceirizando a educação de seus filhos e, em um mundo
sem tempo e repleto de culpa delegam a educação de seus filhos a
professores que não podem ser responsabilizados e muito menos tem
competência e formação para isso. Professores são facilitadores da
inteligência coletiva, pais são os educadores na/da/para a vida!
Nos dias de hoje o tempo passa rápido demais. Muito rápido, tão
rápido que nem dá tempo de tentar entender e processar o que foi vivido
nas poucas horas atrás.
A molecada acorda cedo, vai pra escola. Chega em
casa, almoça ao mesmo tempo que assiste TV, atualiza a conversa no
WhatsApp, checa sua ‘TimeLine’ no Facebook, curte páginas dos amigos,
coloca em dia as curtidas do Instagram e comenta de forma superficial –
pois não compreende o contexto e complexidade – as reportagens da TV. Se
perguntar quem dividiu a mesa com eles (os pais também estão brincando
com o celular) é possível que nem tenham se dado conta, pois estão mais
próximos dos amigos “virtuais” do que daqueles que compartilham o mesmo
espaço, a mesma mesa e a mesma comida com eles. Mas o mais trágico nisso
tudo é que os pais, também, estão sentados à mesa assistindo TV,
atualizando a conversa no WhatsApp, checando sua ‘TimeLine’ no Facebook,
colocando em dia as curtidas do Instagram e comentando de forma
superficial as reportagens da TV.
Depois do almoço os pais irão para o trabalho e os filhos para a aula de computação, inglês, academia…
À noite ficarão no quarto em frente ao note navegando por sites que jamais se lembrarão, conversando pelo skype, jogando online, até a hora de dormir.
No final de semana estes jovens dormirão a maior parte do tempo para
se preparar para a noite, para a balada, onde pegarão todos e todas e
beberão até cair.
Estes jovens entram muito cedo em sua vida pretensamente “adulta”. Já
“brincam” de papai e mamãe antes mesmo de brincar de casinha. Estes
jovens são lançados da infância, cada vez mais curta, direto para a vida
“adulta”, passando sem piscar pela adolescência.
Qual estrutura e base estes jovens terão para superar conflitos
pessoais? Comportam-se como adultos aos 13, 14, 15 anos e, em muitos
casos são tratados como adultos, mão não são adultos, são crianças e
adolescentes que não sabem absolutamente nada da vida, mas são cobrados
como se soubessem de tudo e pior, acreditam que sabem sobre tudo. Eles
querem ser aceitos, infelizmente querem ser aceitos em um mundo irreal
de aparências!
Nesse “nosso” mundo do “parecer”, do “fake”, do consumo do corpo
perfeito, da mentira perfeita, do dinheiro a qualquer custo, do consumir
e exibir, da exposição sem limites, da falsa propaganda que vende vidas
“perfeitas” somos “forçados” a fazer parte dessa sociedade de
“mentirinha”.
Na sociedade do consumo do corpo perfeito, da vida perfeita, do ser
perfeito, não existe espaço pra “ser humano”, não existe lugar “para
sermos quem somos”, aqueles que exibem suas imperfeições, pois o
imperfeito não cabe na aparência perfeita do mundo da mentira.
Todos nós queremos fazer parte de algo, ser parte de algo.
Principalmente quando somos jovens. Nossa turma é nossa razão de ser e
estar no mundo. Comportamo-nos como tribos, somos territorialistas e,
fazer parte deste “algo” nos confere identidade. E aí para fazer parte
desse mundo, o jovem segue a turma, mesmo em muitos casos, sem saber por
que está fazendo isso, mesmo sabendo que muitas coisas que fazem são
erradas, vale a pena correr o risco para “ser” parte da turma!
E neste mundo, empoeirado, intenta-se forçar o sujeito a aderir sem
contestação ao padrão de ser e estar neste “mundo”, reduzindo sublimes e
maravilhosas peculiaridades e particularidades, ou seja, nossas
magníficas diferenças, em uma uniformidade que se encaixa na perfeita
adequação a uma sociedade tamponada, uniforme, opaca, moralista,
hipócrita. É a construção de um mundo baseado em mentiras e sem
alicerce.
As inquietudes de nossa alma deveriam ser tratadas em nossas relações
cotidianas, primeiro no seio carinhoso da família, depois nas escolas,
nos relacionando com os professores e com os colegas de aula, com os
amigos e também com os inimigos, com os namorados, patrões… Vivendo
nossas experiências boas e más, aprendendo a entendê-las.
Passamos por frustrações a aprendemos a superá-las. Este é o ciclo
natural das coisas, é preciso viver para compreender a vida, viver todas
as emoções, boas e más, sorrir, chorar, vencer, perder, amar, rejeitar,
ser rejeitado, ter amigos, inimigos, construir alianças, quebrá-las…
Cabe a família dar o suporte, fornecer o alicerce para que este ser,
mesmo em épocas de tempestade, não desmorone. E na convivência
cotidiana, construirá seu edifício interno, com janelas, portas,
divisórias, que poderá balançar em muitos casos, mas jamais desabar se
bem estruturado.
Mas como educar se os pais não têm “tempo” para ajudar estes jovens a construir sua estrutura?
Os filhos não têm “tempo” para escutar o que os pais têm pra dizer,
talvez uma conferência familiar pelo Whats ou Skype, quem sabe…
Os amigos não têm todas as respostas
E talvez o mais triste para esta geração
O Google não tem todas as respostas.
Nossos jovens produzem evento para postar, ser curtido e comentado.
Situações são criadas para movimentar e dar liquidez ao “mercado” da
popularidade, as “ações pessoais na bolsa virtual” crescem conforme o
número de “posts, comments e likes”.
Uma sociedade baseada no consumismo, que valora cada ser humano por seus bens de consumo e potencial de exibição do produto,
passou a consumir avidamente “vidas”. Vidas são colocadas em exposição,
para o deleite do consumidor e regozijo daquele que se expõe, pois
quanto mais visto, mais é consumido, assim, ganha popularidade,
consequentemente “poder”. Uma sociedade sem amor, sem paz e sem alma.
A alma não está sendo vendida para o diabo, mas sim, depositada em
sites de relacionamento e eventos que precisam ser constantemente
alimentados para nutrir o mercado. Se não existe um evento, tudo bem,
faz-se imagem de si mesmo, pois a imagem é tudo neste mundo baseado no
TER, SER não importa, o que vale é PARECER e, para parecer e aparecer é
preciso exibir.
É imperativo que estes jovens compreendam que eles NÃO têm o valor do
que é “consumido” ou do que consomem em imagens, exposição, “likes”,
compartilhamentos e “comments”. O seu valor não é “subjetivo e líquido”,
pois este “valor” está na forma como ele se constitui enquanto ser
humano real. SER REAL não é nada fácil no mundo “líquido”, mas
precisamos tentar, não apenas com os jovens, mas também em relação a
nossas vidas, pois creio que se hoje estas moças e moços vivem dessa
forma, não são nada diferente de quem os criou, pois nossa sociedade
vive de ter e exibir, nossa juventude nada mais é do que reflexo de uma
sociedade “adoentada”.
Pois nossas crianças já nascem sem tempo, extremamente competitivas,
presas em escolas integrais que garantirão seu “futuro”. E dessa forma
continuarão a lubrificar as engrenagens de nossa sociedade doente e
“medicada” que confunde saúde com remédios, consumo com qualidade de
vida, amor com bens de consumo. Estamos formando uma geração de
egoístas, alienados e inconsequentes, que se preocupam mais com sua
imagem do que em “ser” humano.
Quando somos jovens, acreditamos que sabemos tudo, que estamos
prontos para a vida, mas viver nos ensina que a gente não sabe NADA
sobre a vida. Compreender e aceitar que não somos e nunca seremos
perfeitos, que simplesmente não sabemos de quase nada e nem temos
certeza de tudo, nos torna mais abertos, mais humanos, mais doces, mais
amorosos e tolerantes, com nós mesmos e com os outros. Mas para que
nossos jovens possam compreender tudo isso, precisamos criá-los para que
sejam mais humanos, colaborativos, criativos, transgressores, mas para
isso, precisarão ser ensinados que serão alguém, não pela quantidade de
bens que possuírem e exibirem, mas sim, por “ser” humano, “ser” como
verbo de ação!
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*Isabel Cristina Gonçalves é
Adamantinense, Oceanógrafa, Mestre em Educação e Doutora em Educação
Ambiental. Atualmente trabalha como pesquisadora, Pós-Doutoranda, pelo
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no projeto: “Mudanças
climáticas globais e impactos na zona costeira: modelos, indicadores,
obras civis e fatores de mitigação/adaptação
Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/01/qual-e-o-futuro-da-geracao-que-estamos-formando.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+PragmatismoPolitico+%28Pragmatismo+Pol%C3%ADtico%29
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