Bertrand Ricard*
Somente uma resposta internacional poderá resolver a
crise política que o mundo atravessa atualmente, em especial no Oriente
Médio, o que pressupõe um fortalecimento
da cooperação política num
momento em que
os nacionalismos crescem perigosamente
e freiam o desejo
de colaboração.
O ano de 2015 pode ser chamado de annus horribilis para a França. Do atentado contra o jornal Charlie Hebdo, em 7 de janeiro, ao resultado impressionante da Frente Nacional, partido de extrema-direita de Marine Le Pen, nas eleições regionais de dezembro, passando pelos sangrentos atentados de 13 de novembro, a França experimentou uma repentina aceleração do curso da sua história nacional, contrariando as previsões triunfantes de Francis Fukuyama sobre o “fim da história”. A França se acha numa encruzilhada após 40 anos de inação política, de cegueira diante das mutações mundiais, expressas na globalização, e sobretudo pela negação das fraturas sociais e econômicas internas que minam o cotidiano atual do país.
O despertar é brutal e violento. Poderia ser de outra maneira? Esse despertar corresponde às questões que os franceses se colocam todo tempo — vivendo com uma espada de Dâmocles sobre a cabeça — e para as quais será importante encontrar respostas, mesmo se o sobressalto republicano do segundo turno das eleições regionais, com a união entre direita e esquerda para barrar a Frente Nacional, sem dúvida alguma, já apontou algumas pistas. Os franceses não querem ceder à pressão dos que desejam empurrar o país para uma incontornável guerra civil (objetivo principal do Estado Islâmico, como destacou corretamente o cientista político Gilles Kepel), mesmo se existe a tentação, como se vê no crescimento da votação da extrema-direita, de se deixar levar pela raiva e pelo ressentimento.
A força da França resiste, sobretudo, na sua extraordinária capacidade de tentar analisar em lugar de se deixar arrastar inutilmente pelas paixões que só piorariam as coisas. É nesse ponto, de resto, que se situa a principal vitória do presidente François Hollande: fazer valer o entendimento nacional em vez de estimular a discórdia política. Nesse ponto, ele está em sintonia com a vontade popular.
Não deixa de surpreender a que ponto, depois dos atentados de novembro de 2015, por toda parte, nas ruas, nos bares, nas escolas, na Internet, enfim, as pessoas, jovens ou não, mostraram a necessidade sentida de buscar pistas para compreender e decifrar os acontecimentos que deixaram todos de olhos arregalados. É preciso admitir, em relação a isso, que ninguém se decepcionou e cada um encontrou a explicação que seus ouvidos desejavam ouvir: antropológica e cultural para uns, sociológica e sociologizante para outros, psicológica e psicanalítica para outros ainda. Cada especialista apresentou a sua interpretação. Vimos aparecer na condição de acusados o comunitarismo, o liberalismo, o choque de civilizações, a globalização, os políticos, a falta de vínculo social, a miséria, a exclusão, a ausência de integração, a violência midiática, a Frente Nacional, a imigração, o vazio das sociedades pós-modernas obcecadas pelo desempenho financeiro e econômico, a ausência de sagrado e de religiosidade na França e mais. Tudo e o contrário.
Por mais interessantes e sedutoras que pareçam, tantas explicações tão diferentes chamam atenção. Indicam, antes de tudo, a relatividade dos nossos conhecimentos sobre o extremismo, mas, acima de tudo, a falta de solidez das nossas democracias, colossos de pés de barro que podem tremer a qualquer momento, o que bem sabem os terroristas. Mas, apesar dessas dificuldades e de explicações tão contraditórias que acabam por enfastiar, a França terá de ser capaz, nos próximos tempos, de responder a uma questão inevitável: por que tantos jovens nascidos em solo francês só pensam em se alistar nas fileiras jihadistas para tentar destruir uma sociedade que odeiam, a deles? O resto é secundário. O que se pode fazer contra isso, num contexto de crise econômica e política na Europa e também no mundo?
Primeira hipótese: as soluções não virão somente dos políticos. Os franceses já compreenderam isso. Será necessário encontrar individual e coletivamente respostas no cotidiano para recuperar o vínculo social fragilizado. É o papel principalmente da escola e das políticas educativas. Segundo ponto: nenhum país tem sozinho a solução. Somente uma resposta internacional poderá resolver a crise política que o mundo atravessa atualmente, em especial no Oriente Médio, o que pressupõe um fortalecimento da cooperação política num momento em que os nacionalismos crescem perigosamente e freiam o desejo de colaboração.
Enfim, como entende e deseja Edgar Morin, é necessário ligar os conhecimentos das ciências humanas para evitar a inconsistência das explicações unilaterais. As nossas democracias terão de retomar um projeto coletivo forte e propor um novo ideal aos jovens. Entre as vítimas e os algozes, a maioria tinha menos de 30 anos de idade. Temos de escutar os jovens e confiar neles. Deixamos a eles pouco espaço, especialmente por causa dessa eterna geração de 1968 que se coloca no centro de tudo. Precisamos ouvir os jovens mesmos que eles nos digam coisas desagradáveis. Não podemos fazer da juventude uma nova “classe perigosa”.
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*Doutor em sociologia, da universidade de Reims, na França
Foto: Francois Nascimbeni / AFP / CP
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/ArteAgenda/Variedades/2016/01/576520/Charlie-Hebdo,-um-ano-depois
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