segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Leia um excerto de ‘O Processo Violeta’, o novo romance de Inês Pedrosa

Lisboa, 17/03/2016 - A escritora Inês Pedrosa fotografada esta tarde em Lisboa. Inês Pedrosa 
(Gerardo Santos / Global Imagens)
‘O Processo Violeta’ é o novo romance de Inês Pedrosa e o primeiro que a escritora edita pela Porto Editora.

Neste livro, a autora inspira-se na história real de uma professora americana que, nos anos 90, se apaixonou por um aluno adolescente, 22 anos mais novo, de quem engravidou. Acabou por ser condenada a sete anos de prisão. Quando foi libertada casou-se com o aluno e hoje são pais de duas raparigas.

No livro de Inês Pedrosa a história passa-se no Portugal do final da década de 1980, entre Violeta, uma professora de 32 anos, e o seu aluno Ildo, de 14 anos, filho de uma mãe solteira cabo-verdiana, e do qual engravida. O Insubmisso, novo jornal de uma elite em ascensão, perseguirá a história e descobrirá que o pai de Ildo é um cavaleiro tauromáquico aristocrata. Ao mesmo tempo que o escândalo produz o que se designará de “processo Violeta”, Ana Lúcia, amiga de Violeta, oculta, num silêncio absoluto, a sua violação por um outro aluno de 14 anos da mesma escola.

‘O Processo Violeta’ é lançado no próximo dia 24 de janeiro e, até lá, o Delas.pt desvenda-lhe um pouco mais sobre este romance, através da pré-publicação, em parceria com a Porto Editora, de um excerto de um dos seus capítulo.

Leia, em baixo, um pequeno trecho do novo livro de Inês Pedrosa.



Capítulo 13

“Também a Lua parecia grávida – uma grávida feliz, luminosa, inatingível, espalhando tranquilidade sobre um planeta carregado de vidas pequenas e rápidas. Deitada no colo de Ildo, no banco traseiro da sua carrinha familiar, Violeta concentrava-se em parar o tempo.
– Não era bom, ficarmos assim para sempre?

Ildo acariciava os cabelos da amada, maravilhado com o fulgor vermelho que o luar acentuava neles, mas não sabia que responder, porque tinha o princípio de nunca mentir a Violeta. E a verdade é que a expressão «para sempre» o amedrontava. Vivera ainda tão pouco. Queria experimentar voar de asa-delta, conduzir uma mota a alta velocidade, subir à Torre Eiffel onde Violeta já estivera com o marido, tornar-se o melhor toureiro do universo. Sentia um amor incondicional por Violeta, mas não sabia se queria que esse amor durasse para sempre. Para sempre era demasiado tempo. A ideia angustiava-o. Lembrava-lhe a morte. Pensou: «Para sempre são os mortos no cemitério», mas não o disse. E pensar em frases que não dizia a Violeta incomodava-o; era como se a traísse. Mas não o traíra ela, antes de o conhecer? Ela dormira com vários homens e deitava-se todas as noites com o marido. Ela já vivera o suficiente para enfrentar o para sempre – ele não vivera nada.

– Hoje estás muito calado, querido.

Então o rapaz disse:

– Amo-te. Já o dissera tantas vezes que se tornara uma afirmação branca, como a Lua. E de todas as vezes lhe parecia imóvel e inconsequente, como a Lua. Uma acção verbal que desaparecia com o próprio acto de fala. Como uma corrida, que só existe enquanto alguém está a correr. O abstracto amor, como a abstracta amizade, existia sem ser visto nem ouvido, circulava, invisível, entre as pessoas e para lá das pessoas. A expressão «amo-te» sumia-se assim que se pronunciava; era como que um antídoto à presença silenciosa do amor. Parecia que as palavras bonitas se gastavam mais depressa do que as outras.

– Porque é que os homens nunca mais foram à Lua? – perguntou.

– Porque era muito caro, e não havia lá nada para fazer. Nem um centro comercial, nem um cinema, nem um jardim. Nada.

– Acariciando os dedos de Ildo, cachinou como uma menina pequena. Nos braços de Ildo, Violeta transfigurava-se numa criança. Queria ser uma adolescente, mas já não sabia como. Aquela infância postiça pesava no colo do rapaz.

– Gostava que fosses da minha idade – deixou ele escapar. Violeta sobressaltou-se e sentou-se, olhando-o nos olhos, de muito perto, para apagar a revoada de jovens e solícitas cavaleiras que se interpunham entre o seu rosto e o do amado.

– Achas-me velha, é isso?

– Não, Vi, não estás a perceber; acho-te demasiado nova, às vezes.

Violeta tornou a soltar uma gargalhada artificial e disse que não fazia mal, desde que Ildo tomasse conta dela. As cavaleiras gargalharam em uníssono, circulando em redor do automóvel com os seus corpos afrontosamente formosos de deusas tenras, experientes em impiedade.

– Gostava de passear contigo. De ir mais vezes contigo ao cinema. De estar em casa contigo. Gostava que pudesses voltar a estudar comigo – respondeu o rapaz.

Ficavam com tão pouco, depois dos beijos e do sexo. Tão pouco para recordar. O sexo era muito bom, mas esquecia-se depressa quando não havia mais nada. Violeta percebeu-lhe o lado de fora da tristeza e, procurando arredar a matilha de amazonas, declarou:

– Que se lixe. Vamos passear.”
---------
Fonte:  https://www.delas.pt/o-processo-violeta-ines-pedrosa-escritora-novo-romance/ 20/01/2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário