sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

TIMOTHY POWER: “BOLSONARO NÃO É UM CALOURO”


Timothy Power, brasilianista americano: "O maior nome da luta contra corrupção do Brasil é Sérgio Moro. Se você 
é um político inteligente e racional, 
você vai convidá-lo" 

Por Camila Rabelo | Para o Valor, de Oxford

O interesse do pesquisador da Universidade de Oxford Timothy Power pela política brasileira é visível logo na entrada de seu escritório na Inglaterra, onde mantém em destaque um quadro com a fotografia do Congresso Nacional de Brasília. Americano, morando no Reino Unido há mais de uma década, ele tem se dedicado a estudar a América Latina, especialmente o Brasil, desde 1990, sendo um dos mais ativos brasilianistas (estrangeiros especializados em assuntos brasileiros).

Power, de 66 anos, está à frente da escola da Universidade de Oxford responsável por pesquisar sobre diferentes regiões do mundo - a School of Global and Area Studies -, em que também é diretor do Programa de Estudos Brasileiros. Além de numerosos artigos e livros publicados sobre a democracia e a corrupção no país, a sua imersão nesse universo é notória ainda pelo português fluente, quase sem sotaque.

Power foi um dos primeiros especialistas, antes mesmo do período eleitoral, a prever o crescimento do então deputado federal Jair Bolsonaro na corrida presidencial. Agora, o pesquisador fala ao Valor sobre as expectativas para este ano. Em sua análise, o presidente deve manter sua popularidade em alta no primeiro ano, pois o novo governo apostou em dois temas que atendem a anseios da população: o combate ao crime e à corrupção.

Power observa que esses dois pilares não demandam legislação e programas específicos para se reverter em popularidade. É uma situação diferente daquela do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, que apostou em reformas de longo prazo na economia. "Bolsonaro não tem um projeto reformista, ele tem um projeto de fazer algumas cirurgias rápidas no combate à corrupção e na segurança pública", diz.

Um dos principais ganhos simbólicos do novo governo é a participação do ex-juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato, de combate à corrupção, e que agora ocupa o cargo de ministro da Justiça e da Segurança. Timothy Power definiu o episódio como um "big win", termo em inglês para uma estratégia acertada.

"O maior nome da luta contra corrupção do Brasil é Sérgio Moro. Se você é um político inteligente e racional, você vai convidá-lo para o governo. O que me surpreendeu foi a rapidez com que Sérgio Moro aceitou o convite", afirma. Mas, sobre as medidas de combate ao crime, a aprovação dos brasileiros dependerá de ações mais públicas e também simbólicas. De acordo com Power, a aparição do Exército tem atraído positivamente a atenção dos cidadãos. "Engajar-se diretamente no combate ao crime é uma estratégia de baixo custo e que pode render popularidade."

Na composição do novo governo, Jair Bolsonaro (PSL) aposta em duas estratégias: manter promessas de campanha, trazendo militares e outros nomes da área de segurança, e sinalizar ao Congresso o diálogo e a coalizão. "Obviamente, ele nunca esteve em condições de cumprir o que ele prometeu na campanha, que era afastar completamente os partidos e o Congresso da composição do governo. Isso foi pura fantasia, o Brasil é um país de presidentes minoritários, de presidente de coalizão, então isso não tinha fundamento."

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor:

Valor: Qual a perspectiva para o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro?

Timothy Power:
Acho que ele foge um pouco de um modelo de um presidente calouro. Não é um homem muito dedicado às políticas públicas e aos detalhes do dia a dia da governança, mas tem alguns princípios básicos e vai depender de outras pessoas para transformá-los em políticas públicas. Agora, os princípios que ele tem são muito compartilhados pela população: segurança, principalmente, e rejeição à corrupção. Ele já teve uma vitória muito grande quando Sérgio Moro [juiz responsável pela Operação Lava-Jato] aceitou o cargo de ministro da Justiça, porque isso confirma o compromisso que ele diz ter com o combate à corrupção. Para mostrar compromisso com o combate ao crime e segurança pública isso depende de ações um pouco mais públicas e simbólicas, e eu acho que elas são de baixo custo.

Valor: Que ações em segurança pública se traduzem em apoio popular?

Power: Todas as vezes que o Exército aparece nas ruas, você vê um aumento da popularidade, as pessoas realmente aprovam esse tipo de intervenção. Constitucionalistas e especialistas em direitos humanos e segurança pública, obviamente, não compartilham dessa opinião, mas sempre tem sido uma ação popular. Engajar-se diretamente no combate ao crime, como fez o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, é uma estratégia de baixo custo e que pode render popularidade. Isso é muito diferente de Fernando Henrique Cardoso, que prometeu reformar a economia e foi julgado pelos resultados econômicos. Ou de Lula, que prometeu acabar com a fome e foi julgado pela inclusão social. Essas coisas requerem políticas, leis, legislação, programas, equipes e análises. FHC demorou cinco ou seis anos para ter resultado, pagou um custo muito grande para aprovar as reformas e teve pouco retorno em popularidade. Ele gastou mal o capital político em termos pessoais em reformas de longo prazo. Acredito que Bolsonaro não pensa dessa maneira, ele não tem um projeto reformista, tem um projeto de fazer algumas cirurgias rápidas no combate à corrupção e na segurança pública.

Valor: Nesse caso, o presidente Jair Bolsonaro não seria julgado pelos resultados em segurança pública?

Power: As pessoas conhecem muito pouco de estatísticas de segurança pública. Quando a taxa de homicídio estava em declínio, as pessoas achavam o contrário. É muito mais percepção que realidade. Se você cria algumas mudanças na percepção, você tem resultados políticos quase imediatos. Nos EUA, as taxas de homicídios vêm caindo desde o início dos anos 90, mas as pessoas simplesmente não acreditam. De forma geral, na área de segurança pública, a popularidade se dá mais no engajamento que nos resultados.

Valor: Mas, na composição do governo, muitos nomes atendem aos partidos políticos e foram criticados por possíveis envolvimento em corrupção...

Power: Obviamente, ele nunca esteve em condições de cumprir o que prometeu na campanha, que era afastar completamente os partidos e o Congresso da composição do governo, isso foi pura fantasia. O Brasil é um país de presidentes minoritários. O Brasil é um país de presidencialismo de coalizão, isso não tinha fundamento. Ao fazer a composição do governo, quer cumprir o mínimo de repartição de cargos entre partidos e quer também inserir nomes simbólicos. Tentou fazer as duas estratégias ao mesmo tempo: preservar as promessas de campanha, de ter pessoas da área de segurança, militares, e ao mesmo tempo sinalizar ao Congresso que ele está aberto ao diálogo e à formação de coalizão.

Valor: No combate à corrupção, a saída de Sérgio Moro da Lava-Jato não pode prejudicar a continuidade das investigações?

Power: Nesse momento pós-eleitoral, Bolsonaro buscou ganhos simbólicos, chamando nomes de prestígio para o governo. O maior nome da luta contra corrupção do Brasil é Sérgio Moro. Se você é um político inteligente e racional, você vai convidar Sérgio Moro para o governo. O que me surpreendeu foi a rapidez com que ele aceitou o convite. Não foi uma boa ideia quebrar a fronteira que existia entre a Lava-Jato e a classe política. Em tese, seria bom ter uma força do governo e colaboração, mas não vejo o Ministério da Justiça como obstáculo. É um alinhamento simbólico e, não tenho dúvidas, é uma pessoa superqualificada para ser ministro. Acho precipitado esse precedente, de migração de uma investigação independente para o Executivo. Mas, do ponto de vista de Jair Bolsonaro, é um "big win" [termo em inglês para uma estratégia acertada].

Valor: As redes sociais tiveram um papel importante na campanha do presidente Bolsonaro. O novo governo vai dar prioridade para o uso desses meios na sua comunicação?

Power: Acho que é uma estratégia inteligente dos populistas que se apresentam como outsiders. Não acredito que Bolsonaro seja um outsider. É uma notícia muito velha na política brasileira, mas se apresenta como outsider. Os outsiders, quando percebem que a imprensa tradicional tem um viés contra eles, sabem que, agora, podem montar uma imprensa alternativa. Um ano atrás, nas pesquisas pré-eleitorais, Bolsonaro já tinha entre 15% a 20% das intenções de voto, atrás de Lula, com 20% a 30%. Lula tem uma história de 30 anos, com dois mandatos de presidente, que explicam esses índices. Mas Bolsonaro era um deputado que nunca ocupou um cargo importante na Câmara. Para ele chegar a 15% de intenções espontâneas, você tem que creditar isso à internet.

Valor: O presidente Bolsonaro é muito comparado ao presidente Donald Trump. O sr. vê uma tendência de o Brasil privilegiar os EUA?

Power: Não sei se há uma tendência de privilegiar os EUA. Há uma tendência de privilegiar Donald Trump, o que é diferente. Esse sentimento de alinhamento automático se dá em torno da postura pessoal de Trump. A estratégia de Trump para se eleger é muito imitada pelo Bolsonaro, um cara que governa por meio de instinto, e não pelo domínio de políticas públicas. Eles têm uma certa afinidade e têm em comum um receio ao crescimento da China, tem um traço protecionista dos dois lados, um pouco confuso dos dois lados também. Ernesto Araújo [ministro das Relações Exteriores] tem um blog que transmite exatamente as ideias de Trump sobre comércio internacional.

Valor: Pensando no universo acadêmico, como ficará a situação das universidades públicas no Brasil? A Escola Sem Partido será abraçado pelo governo?
Power: Bolsonaro e aliados dizem que as universidades brasileiras são fábricas de "esquerdopatas" e que é uma ameaça ao Brasil, mas as análises dos dados da eleição mostram que as pessoas com educação superior votaram maciçamente em Bolsonaro. Acho que seria um desastre para o governo tentar fazer isso [Escola Sem Partido]. Seria comprar uma briga desastrosa com o setor educacional no Brasil. É mais um ataque retórico aos professores, às universidades, especialmente historiadores e cientistas sociais. Bolsonaro tem pouco apoio nas ciências sociais e humanas e receio que essas áreas passem fome orçamentária. Tem coisas que o presidente pode fazer simplesmente por iniciativa do próprio Executivo. O que é lei ele não vai poder mexer, mas o que for programa, portaria e decreto, ele pode reverter com caneta.

Nota Redação: na versão impressa, este texto foi publicado com o título "Bolsonaro não é um calouro"

FONTE: https://www.valor.com.br/cultura/6047855/bolsonaro-nao-e-um-calouro-diz-brasilianista-de-oxford 04/01/2019

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