Mauricio Saraiva*
Mesmo na mais pessimista das previsões, o ano que vem não deverá ter mais pandemia no Brasil. Em muitos lugares do mundo, pelas razões óbvias da sensatez e competência no combate ao coronavírus, essa realidade encantada vai se fazer presente ainda em 2021. Tenho pelas pessoas que vivem nos países que serão vitoriosos no curto ou médio prazos a mais saudável das invejas e o mais melancólico sentimento de que poderíamos viver coisa parecida por aqui. Basta olhar para trás e ver a capacidade extraordinária que os programas anteriores de vacinação sempre tiveram para controlar doenças controláveis no Brasil. Hoje, não é o que vivemos, mas mesmo assim viveremos. Ainda diante de todo o descalabro e insensibilidade no trato com a doença e suas consequências, teremos um 2022 muito melhor e, como disse no início da coluna, sem pandemia.
Nossas mazelas, no entanto, vão avançar ano adentro porque teremos eleições presidenciais. Estaduais também, haverá fissuras nos debates dos candidatos, certo que sim. No entanto, é na eleição majoritária que estarão potencializadas todas as nossas dores e os nossos ressentimentos. Esse coquetel explosivo tende a tornar mais intensa a intolerância que já grassa tristemente entre nós.
Se não surgir um candidato capaz de diálogo com toda a sociedade, a polarização será inevitável entre quem simboliza os governos anteriores e quem tentará se manter capitaneando o atual.
Temo que para ganhar corações divididos ou magoados as partes mandem às favas os escrúpulos. Quero muito estar enganado e, estando, peço antecipadas desculpas. Meu maior temor é o efeito que a disputa que se anuncia vá fazer nas famílias já devastadas pelas perdas do coronavírus. Na eleição anterior, vi à minha volta pais e filhos se digladiando por ideias que nem eram suas. Vi irmãos e irmãs parando de se falar, cortando relações, abdicando dos seus afetos em nome de algo que deveria ser menor do que estes afetos. Como não imaginar que os ódios de lá e de cá estejam mais virulentos? Que país restará da contenda, como o novo presidente seja qual for conciliará brasileiros e brasileiras em estado de perplexidade e beligerância?
Fico pensando no cuidado quintuplicado que nós, jornalistas, precisaremos ter na lida diária com notícias, falsas notícias, frases soltas, palavras mal colocadas ou distorcidas. Nos ataques de que a imprensa será vítima por qualquer dos lados que se sinta supostamente prejudicado. No enorme esforço que teremos todos que fazer para levar às pessoas a mensagem de que o voto deve vir da mente e não do fígado. Não será um trabalho em vão. Na verdade, vai ser desafiador porque precisará de cada um a máxima atenção para que algo seja construído da decisão que eleitores e eleitoras tomarão. O voto, por óbvio, legitima o governante. Ele deverá lealdade a quem o elegeu, sim, mas também deverá respeito a quem votou no outro. Talvez você que me lê esteja pensando: nem vencemos a pandemia e o Maurício vem falar de 2022. A quem me fizesse essa objeção eu responderia que o ano que vem é logo ali. Que ele já começou. Que a nação entorpecida por tanta barbaridade terá na ponta do dedo na urna eletrônica a chance de decidir seu futuro. Se mantém ou troca de comandante, o resultado será soberano e vai requerer de quem viu frustrada sua intenção o máximo respeito à democracia. Com qualquer que seja o novo presidente, temos que construir um país com diferenças, sim, porque elas garantem a pluralidade, mas sem fraturas irreversíveis que nos impossibilitem a convivência com familiares, amigos e anônimos. Tudo o que hoje nos aflige, da falta de vacinas à economia incerta, estará nos debates entre os candidatos e vai sinalizar para que direção cada votante vai levar sua escolha. Escolher caminhos não é sinônimo de demonizar culpados. Mudar ou manter são verbos legítimos. E, se legítimos, merecerão respeito.
Viver é um ato político. Dizer que odeia política não livra o eleitor do fato de que ele é um ser político e faz parte, como participante ou desistente, do que vai se viver adiante. Antes mesmo de conseguirmos transformar o coronavírus em algo sob controle que não nos impeça de viver dias normais, é preciso ter em mente que haverá vida depois destes dias difíceis. E torná-los promissores dependerá do zelo que tivermos com nosso inegociável direito de tomar decisões.
*Jornalista, interino. O colunista David Coimbra está em auxílio-saúde
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