segunda-feira, 17 de maio de 2021

‘Tempo não é dinheiro. É saúde’, diz cardiologista Cláudio Domênico

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Autor do livro ‘Em suas mãos’, médico afirma que a vida é feita de escolhas e renúncias e que há várias estratégias para uma pessoa mudar sua vida

Jan Niklas

17/05/2021

RIO — Em anos de investigações sobre como ter mais saúde, a partir de leituras, escuta de pacientes e sua experiência pessoal, o médico Cláudio Domênico chegou a uma conclusão simples: viver melhor depende de escolhas e renúncias. Com a pandemia da Covid-19 e as restrições da quarentena, o cardiologista teve ainda mais convicção da importância de filtrar comportamentos.

Nasce daí seu terceiro livro, “Em suas mãos” (Intrínseca). Com citações que vão de Gilberto Gil a Pablo Neruda, Domênico fala, a seguir, sobre a importância das escolhas individuais para manter a saúde do espírito e do corpo e das dificuldades da impessoalidade trazida com a pandemia. “A medicina tem um componente high-tech, mas também um componente high-touch: o toque, o calor humano, são fundamentais na relação médico-paciente”.

Em seu livro, você argumenta que ter uma boa saúde depende basicamente de priorizar o que importa. Pode explicar?

A saúde da gente nada mais é do que resultado direto do estilo de vida que se leva. Você é livre para fazer suas escolhas, mas será prisioneiro das suas consequências, como já dizia Pablo Neruda. Ou seja, eu vou comer de sobremesa um crème brûlée, um pudim, ou vou escolher um abacaxi? Um é mais gostoso, outro é mais saudável e assim vai. Uma escolha quase sempre implica em renúncia.

E como a pandemia afetou esse conceito de vida saudável?

A pandemia acentuou essa reflexão porque tivemos de renunciar a muita coisa. Renunciar a abraços, a gestos de afeto, a encontros. Há um ano que não posso ver minha filha que mora em Londres. A pesquisadora Julianne Holt-Lunstad fala sobre desconexão social e faz uma comparação de que o isolamento social da pandemia pode ser tão danoso quanto fumar 15 cigarros por dia.

Vem aí uma visão mais coletiva do que é ter saúde?

Os africanos dizem que se você quer ir rápido, vá sozinho; se quer ir longe, vá em grupo. Eles também têm uma palavra, “Ubuntu”, que é a filosofia do “Nós por nós”. Eu não estou bem se você não está bem. A pandemia mostrou que a doença pode entrar na nossa casa pela porta da frente. Por outro lado, trouxe coisas boas, como a solidariedade. Mostrou a importância de aproveitar cada momento com a família, amigos. Tem a história de que o Benjamin Franklin deu a dimensão de “tempo é dinheiro”. Mas o tempo, na realidade, não é dinheiro. Tempo é saúde, é tempo livre.

Mesmo com informação, muitos ainda resistem a adotar comportamentos que garantam uma vida melhor.

Se só o conhecimento mudasse nossos hábitos, não teria médico obeso, fumante e nem sedentário. Existem várias estratégias para você mudar. Podemos começar com um exemplo do que o prêmio Nobel de economia Richard Thaler chamou de “Nudge”, que significa “dar uma cutucada”. Quando fui dar uma aula em uma grande companhia, o presidente me ligou para almoçar lá, e tinha uns chips de batata muito apetitosos, que eles adoravam comer antes do almoço. Era bom, mas muito calórico. Lembrei da cutucada e pedi para colocar um pouquinho do chip de batata pra trás e botar na frente pepino cortadinho, cenourinha, aipo, bem bonito no gelo, com hortelã enfeitando em cima, e disse “vamos escrever embaixo ‘cada porção, 20 calorias’ e, na batata, ‘cada porção 100 calorias’’’.

Políticas públicas também podem atuar nesse sentido ?

Tão criticada no começo, a Lei Seca foi uma mudança de hábitos pra gente. Costuma-se dizer que o órgão mais sensível do corpo humano é o bolso. Hoje, a situação da obesidade no mundo é uma coisa complicada. Países escandinavos já estão taxando alimentos não saudáveis para subsidiar os saudáveis. Mudar hábitos é um problema complexo que envolve a família, escola, governo, políticas públicas e uma conscientização em geral.

O que a pandemia mudou na sua experiência como médico?

Uma das coisas mais difíceis na medicina é dar más notícias para os familiares. E sem poder estar na frente, isso ficou um pouco impessoal. Faço diariamente chamadas on-line e não é fácil dar uma notícia ruim sem estar junto, sem poder tocar. A medicina tem um componente high-tech, mas também um componente high-touch: o toque, o calor humano, são fundamentais na relação médico-paciente.

Você diz, em seu livro, que medicina e religião podem caminhar lado a lado. Como?

É fácil quantificar colesterol, pressão, glicose, peso. Mas como está sua espiritualidade? Você sabe perdoar? Guarda raiva ? Expressa gratidão, tem esperança, compaixão? Esses são hábitos emocionais cada vez mais valorizados na atividade médica. Pessoas mais espiritualizadas costumam evoluir melhor em vários quadros. Por exemplo: na síndrome do coração partido, quando a pessoa tem um infarto após estresse emocional muito importante, vê-se que as coronárias, as artérias do coração, não tinham entupimento. Mas elas sofreram vasoconstrição, prova inequívoca de como as emoções nos afetam. Costumo dizer para meus pacientes que a fé é a menor e a mais forte palavra do dicionário. E como já disse Gilberto Gil, a “fé não costuma falhar”.

Fonte: https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/tempo-nao-dinheiro-saude-diz-cardiologista-claudio-domenico-25019188?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsdiaria

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