sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Cartas que não consolam!

por Marcelo Henrique 

 

É preciso dar um decisivo basta às CARTAS MEDIÚNICAS FALSAS, produzidas com a finalidade de atrair e depois iludir os que têm a alma sofrida

“Você diz a verdade e a verdade 
é o seu dom de iludir”
 (“Dom de Iludir”, Caetano Veloso).

Você gosta de mentiras? A pergunta é, sim, pessoal. O populacho costuma entoar que, às vezes, uma mentira faz bem a quem ouve e que isso seria melhor que a verdade. Será mesmo?

Independentemente de onde você seja, que educação e formação tenha recebido, com quem tenha convivido, quem esteve “acima” de você em posições de maior responsabilidade e mando, verdades e mentiras sempre estiveram no cotidiano de todas as pessoas. Quem pode esquecer da birra da criança em querer algo, ouvindo dos que lhe assistiam: – Na volta, a gente compra?

Para cativar pessoas, sejam em relacionamentos afetivos e sexuais, seja entre parceiros de trabalho ou escola, seja para patrões e subalternos, entre amigos, com pais e com filhos, com a(o) companheira(o) de convivência mais próxima, praticamente todos, de uma forma mais ou menos evidente, se valem da mentira. Será que há “graus” de mentira?

Há mentiras que são pseudoverdades, como aquelas relacionadas à saúde de alguém, evitando o desespero imediato e plantando alguma esperança no solo de áridos corações ou no imaginário das mentes. São “mentirinhas”, ou “males que vêm pra bem”, como o adágio popular consagra. Quem nunca se valeu delas?

Pequenas ideias falsas que fazem sorrir – desde a tenra infância – em momentos ilusórios, tidos como refrigérios da alma, diante das tempestades da vida. Como seria mágico se fossem verdades, não é mesmo?

E há mentiras sórdidas! De caráter criminoso, embora “embaladas” em celofanes de “carinho”, “atenção”, “esperança”, “caridade”, “solidariedade” ou “fraternidade”. Note que todas essas virtudes, peculiares à natureza humano-espiritual dos seres que por aqui estagiam, estão colocadas entre aspas, porque elas contêm, em si, não a veracidade, não a bondade, não a utilidade (tidas como os três crivos de análise do filósofo grego Sócrates), mas suas antíteses, a inverdade, a maldade e a imprestabilidade do roteiro e do contexto que a contenham.

O ato de lograr o outro, obtendo, direta ou indiretamente alguma vantagem (de múltiplo espectro, em termos de fama, prestígio, honra, reconhecimento público, presentes ou dinheiro) não é tema novo. Existe, talvez, desde que o homem é homem, na prestidigitação, na condução ao erro, da proliferação de mitos e inverdades, no engano de outrem para locupletamento pessoal.

Há, em qualquer análise sobre a personalidade humana, uma afirmação que é válida porque reflete a realidade que ultrapassa épocas e lugares: “Não se pode enganar muita gente por muito tempo; não se engana todos o tempo todo; ou, é possível enganar alguns por muito tempo, ou muitos por algum tempo”. Um dia a verdade aparece.

Seja diante da lanterna de Diógenes ou da caverna de Platão – outros dois filósofos da Grécia Antiga –, a linha limítrofe entre verdade/mentira, real/imaginário, concreto/abstrato e atitude de busca pela essência constituem, diariamente, circunstâncias comuns de todos os indivíduos. O que os distancia entre si é o caminho percorrido, as experiências de suas andanças e o desejo de lutar contra o engano (proposital ou acidental).

No transcurso dos séculos conhecidos desde a Antiguidade, a presença de “gurus”, “feiticeiros”, “pajés”, “pitonisas”, “mágicos”, “curandeiros”, “conselheiros”, “bruxas” e tantos mais revelaram um “talento” da Humanidade que pode ser falso ou verdadeiro, natural ou artificial, benéfico ou maléfico, como a revelar em sua completude e magnitude a dualidade da natureza espiritual do ser inteligente: o maniqueísmo não do sim e não absolutos, mas da relatividade das intenções, dos propósitos e das ações.

É a mediunidade. Nas Religiões e Seitas ancestrais ela se expressa em dons, talentos ou capacidades sobrenaturais – não por serem, sabe-se hoje, acima do natural como a origem da palavra pressupõe descrever, mas da própria natureza, não a humana, limitada, circunscrita às barreiras da carne e às limitações da existência material, mas que pertencem ao ponto máximo e sobrexistente à morte, a verdadeira essência espiritual (independente do que se creia ou aceite em relação ao provir, pós-morte).

 Com a morte, portanto, cessa o convívio presencial físico-material e o ente querido desaparece do alcance das nossas vistas – não como aquele que faz uma viagem, curta ou relativamente longa, mas que um dia adiante estaremos nos reencontrando, quando um dos dois se deslocar na direção do outro, mas, sim, em função da falência e da precariedade da carne que forma nosso corpo, em que as atividades orgânicas e vitais se extinguiram.

Ficam as lembranças. Boas ou más. Felizes ou infelizes. Confortantes ou desesperadoras. Há palavras que precisavam ser ditas, e não o foram. Há abraços e beijos que ficaram faltando. Há sorrisos que não foram entregues ou lágrimas que poderiam não ser os últimos registros. Há saudade, remorso, pesar, angústia, pena, culpa, rancor, ódio, lamentos…

Quem, então, não gostaria de um “último momento”? Uma oportunidade para ouvir de quem se foi, suas realmente derradeiras palavras? Um terminal “olho no olho”, quem sabe? Uma última audição de sua voz? Ou um conjunto de palavras que lembrassem o que foi, o que vez e como era a relação entre o vivo (encarnado) e o morto (desencarnado), relembradas de forma natural, fluida, espontânea e… verdadeira!

Penso que todos nós – e não há quem não tenha se “despedido” de algum ente mais caro nesta existência! Se tivéssemos uma “última chance”, além da extrema emoção do momento (do reencontro, em Espírito e verdade), provavelmente o coração seguiria consolado, apesar da “dor” da saudade, volta e meia, fazer irromper lágrimas.

É este o consolo que o Espiritismo tem proporcionado desde 1857, em terras francesas e, depois, espalhado pelo planeta inteiro aos que “têm olhos de ver e ouvidos de ouvir” (Mt; 13:15). A dúvida diante da morte, a incerteza acerca da imortalidade, a permanência dos laços espirituais entre os afetos e a esperança de, não um, mas vários reencontros, passou a ser objeto de estudo – inclusive científico – para demonstrar exatamente a diferença entre ERRO e ACERTO, ENGANO e REALIDADE, MENTIRA e VERDADE, ÓDIO e AMOR, ILUSÃO e CERTEZA.

Durante todo o século XX, no Brasil, o consolo teve um nome pontual: Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, e suas cartas consoladoras. Nas peregrinações de diversas partes do país e do exterior a Uberaba (MG), infindáveis cartas de próprio punho, sem que nada jamais fosse perguntado, eram, uma a uma, exaustivamente produzidas pelo médium mineiro, em transe, inconscientemente, com a GRAFIA do “morto”. Depois, eram chamadas as pessoas referidas na própria carta, geralmente na dedicatória inicial, contida nos rascunhos. Eram mães, avós, esposas – mulheres em sua imensa maioria (dizem que a sensibilidade da mulher é muito mais intensa e, nisso, concordamos). Glauber Filho e Halder Gomes, cineastas, inclusive, contam um pouco dessa odisseia em seu “As Mães de Chico Xavier” (2011) – película baseada no livro “Por trás do véu de Ísis”, de Marcel Souto Maior.

Vale dizer, ainda, que diversas e distintas psicografias de Xavier foram objeto de perícia grafotécnica ou grafoscópica, resultando na comprovação de suas autorias. Sim! Os mortos falam (ou escrevem) e os que foram, voltam para continuar dizendo sua real condição: estão tão vivos quanto nós, só que em “outra dimensão”, a da imaterialidade, espiritualidade ou eternidade!

Dito tudo isto, chegamos ao mote prioritário deste ensaio, consignado no título deste artigo: Cartas que não consolam!

E há muitas, por aí. Porque há muitos se locupletando com a fé popular e com a indução ao erro, à inverdade, à prestidigitação, ao ilusionismo barato! Tudo por um punhado de “cliques”, tudo para angariar “seguidores” em redes sociais, para obter prestígio – bem mais do que os cultuados “quinze minutos de fama”. E, bem provável, outros benefícios, materiais, econômico-financeiros, que poderão ser aferidos em competentes investigações jurídico-policiais.

Tudo isto é lamentável e deplorável. Até onde vai a “baixeza” humana em buscar a autopromoção em razão do sofrimento e da enganação de indivíduos – tomados e envolvidos em suas atrozes dores. A atitude de aproveitar-se da dor do outro e do desejo de receber informações dos “mortos” é passível de ser caracterizada juridicamente como crime hediondo!

E o que fazem tais “espertalhões”? Possuem “equipes” (provavelmente muito bem remuneradas) que fazem varreduras nas redes sociais dos familiares e dos próprios falecidos – porque é comum, inclusive, manter como “homenagem póstuma” o perfil pessoal daquele que se despediu da materialidade, com seus registros, ainda em vida, fotos, pensamentos, textos, etc. Munidos destes “dados”, fabricam – não raro, até, com o uso de “pontos eletrônicos” para fixar e enaltecer “detalhes”, além de anotações derivadas, não da psicografia autêntica, mas do “preparo” de textos derivados de informações reais, dos momentos em que o ente querido ainda estava na Terra.

Há, ainda, segundo mencionam interessados que tiveram acesso a dados de algumas investigações em curso, que alguns destes “médiuns” se valeram de dados oficiais, governamentais, para a confirmação de informações privadas e sigilosas, no intuito de dar “maior fidedignidade” aos seus relatos.

Há, nas plataformas de vídeo e áudio, inclusive, gravações de “reuniões” tidas como de “psicografia” de “cartas consoladoras” em que os supostos “médiuns” conversam naturalmente, com os parentes dos falecidos, como se tivessem grande familiaridade com as rotinas e os detalhes de histórias vivenciadas, alternando momentos mais graves – quase soluçantes – com outros mais divertidos e alegres, contribuindo, ainda mais, para o ilusório, a fantasia, o engodo e a vilania de quem inventa, monta, compõe e produz relatos para “satisfazer o desejo” de alguém sobre notícias dos que se foram.

Isto precisa parar! E já, urgentemente!

Não há, EM NENHUMA DAS SITUAÇÕES que estão com investigações em curso, qualquer material psicográfico, autêntico, comum entre os que praticam o Espiritismo seriamente, que pode ser objeto de análises e aferições científicas – com a peritagem grafotécnica ou grafoscópica já mencionada. Não há cartas! Não há mediunidade! Não há fenômeno mediúnico ou espiritual. Há apenas teatralização, aparência, fantasia e reprodução artificial de diálogos que nunca existiram!!!

Por isso, os bons médiuns, os que realmente são dotados da capacidade humano-espiritual de “conversar” com os “mortos”, acabam “pagando” pelos maus, os que iludem e enganam pessoas de boa-fé. Ou seja, de norte a sul do Brasil, aqueles abnegados que são conscientes da sua missão de “veículos” ou “instrumentos” para “revelar” informações do além-túmulo, estão sendo confundidos com todo e qualquer espertalhão que fabrica relatos para convencer os incautos e os necessitados.

É por isso que dizemos e repetimos: – nenhuma mentira é ou pode ser consoladora!

Movidos pelos sentimentos mais inferiores e vis, que perpassam a grosseria, o egoísmo, a vaidade, o orgulho, a prepotência, a satisfação em iludir os demais, tais pessoas mancham a mediunidade-serviço, o ato genuíno de amor ao próximo e o exercício das três maiores virtudes segundo Paulo de Tarso: a fé, a esperança e a caridade!

É preciso dar um decisivo basta às CARTAS MEDIÚNICAS FALSAS, aquelas produzidas com a finalidade de atrair e depois iludir os que têm a alma sofrida, ansiando por explicações e respostas acerca da morte e de notícias de entes queridos.

E é imperioso que as autoridades públicas brasileiras atuem exemplarmente, após o contraditório e a ampla defesa, corolários do Direito vigente, punindo cada um daqueles criminosos que se falem da mediunidade falsa para se locupletarem com o sofrimento humano.

Estas fraudes, portanto, comprometedoras da ética, da honra e da lisura que estão presentes nas atividades dos milhões de espíritas sérios que atuam em nosso país, tratando de temas acerca do Espírito e da Espiritualidade, assim como atentatórias ao direito individual de cada um dos prejudicados, merecem ter um basta!

*Marcelo Henrique é graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1993), e em Administração Pública (2021), pela Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC). Especialista em Administração Pública e Auditoria, pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC (1994). Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali (2002). Está cursando Doutorado em Administração, na Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC). Coordenador do Grupo Espiritismo COM Kardechttps://www.comkardec.net.br

Fonte:  https://jornalggn.com.br/cidadania/cartas-que-nao-consolam-por-marcelo-henrique/


Nenhum comentário:

Postar um comentário