sexta-feira, 4 de outubro de 2024

O alerta esquecido de Einstein e Hannah Arendt

Viriato Soromenho-Marques - Professor universitári

Israel promete resposta a ataque de mísseis do Irã | Agência Brasil

Depois de meses a ser desafiado, o Irão atacou alvos militares em Israel. A resposta de Telavive pode iniciar uma reação bélica em cadeia. Como chegámos a este absurdo de parte do nosso futuro coletivo depender de uma figura tão hedionda como Netanyahu?

Em 04 12 1948, o New York Times publicou uma Carta aos Editores assinada por 27 personalidades judaicas de relevo, incluindo o físico Albert Einstein e a filósofa Hannah Arendt. Desde 1947 que a violência entre árabes e judeus marcava o cenário político na Palestina. Os subscritores da carta, muitos deles cidadãos dos EUA, escreveram, não para apoiar Israel, independente desde 14 de maio desse ano, mas para lançar um alerta em relação a uma visita considerada perigosa para o mundo inteiro: Menachem Begin (1913-1992). O teor dessa missiva, ignorado como as profecias de Cassandra, explica-nos como foram criminosas as décadas de cumplicidade dos EUA e da Europa com os abusos de Israel. Do apartheid passámos ao genocídio, e agora a uma possível conflagração global.

Os autores da carta denunciavam a visita de Begin aos EUA, pouco antes das primeiras eleições israelitas (25 01 1949). Para os subscritores, o passado “fascista” de Begin estava a ser branqueado, enganando todos aqueles que até 1945 tinham travado uma longa guerra contra o nazi-fascismo. A carta recorda que o Partido da Liberdade (Tnuat Haherut) de Begin é “muito semelhante, na sua organização, métodos, filosofia política e apelo social, aos partidos nazi e fascista.” Begin formara em 1943 uma organização terrorista contra a administração britânica na Palestina, o Irgun, que em 1946 fez explodir o Hotel Rei David em Jerusalém, matando 91 pessoas. Prossegue a carta: “as declarações públicas do partido de Begin (…) hoje falam de liberdade, democracia e anti-imperialismo, quando até há pouco tempo pregavam abertamente a doutrina do Estado fascista.” Exemplificam com o massacre, em 9 de abril desse ano, da aldeia árabe de Deir Yassin. Quase todos os 240 habitantes foram assassinados. Com orgulho, os terroristas do Irgun convidaram os correspondentes estrangeiros a fotografar os cadáveres nos destroços da aldeia, enquanto os “sobreviventes desfilaram como cativos pelas ruas de Jerusalém”. O partido de Begin é ainda acusado de “no seio da comunidade judaica pregar uma mistura de ultranacionalismo, misticismo religioso e superioridade racial.”

Corretamente, a carta define o fascismo e o nazismo pelo método e não pela etnia. Confirmam que a organização política de Begin tem “a marca inconfundível de um partido fascista para o qual o terrorismo (contra judeus, árabes e britânicos) e a deturpação são meios, e um ‘Estado Líder’ é o objetivo.”

Nas eleições de 1949, o partido de Begin teria apenas 14 dos 120 assentos do Knesset. Só em 1977, depois de oito eleições consecutivas, Begin e o seu novo partido, Likud, (onde hoje campeia Netanyahu) chegariam ao poder, quebrando três décadas de hegemonia trabalhista. Foi com Begin que se aceleraram os colonatos em Gaza e na Cisjordânia, tendo também sido ele o primeiro a invadir o Líbano, em 1982. Mas o pesadelo, vaticinado na carta dos judeus antifascistas de 1948, só atingiria a plenitude com Netanyahu, ainda mais brutal que Begin. O atual PM israelita desempenhou o cargo, intermitentemente, durante quase 20 anos, sempre pronto a aliar-se a formações ainda mais racistas e fanáticas do que o Likud. O canal Al Jazzera publicou em abril um trabalho com vídeos colocados nas redes sociais por soldados israelitas. É doloroso visionar a alienante bestialidade em que homens e mulheres comuns (o IDF é um exército de cidadãos) se deixaram afundar, intoxicados no ódio racial. A fúria homicida de Netanyahu, cuja raiz foi denunciada na carta de Einstein e Arendt em 1948, hipnotizou o Congresso dos EUA, esse gigante sem cabeça, colocando ao serviço da sua pulsão de morte todo o poderio militar de Washington e a servil cumplicidade da UE. 

Fonte: https://www.dn.pt/2485334731/o-alerta-esquecido-de-einstein-e-hannah-arendt/ imagem da internet

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