Marcelo Gleiser*
Raios cósmicos afetam de viagens espaciais à memória de computadores, mas sua origem ainda é controversa
Neste mês, físicos celebram o centenário da descoberta dos raios
cósmicos, esses chuveiros de partículas vindas do espaço. Apesar de hoje
conhecermos bem sua natureza e composição, muitas perguntas permanecem
em aberto, especialmente com relação aos raios cósmicos
ultraenergéticos.
Que processo natural é capaz de acelerar partículas a energias milhões
de vezes maiores do que as atingidas no colisor de partículas do Cern,
onde foi descoberto o bóson de Higgs?
Apesar do nome, raios cósmicos têm uma importância prática, já que
produzem 13% da radioatividade natural a que somos expostos. Tripulações
de aviões recebem o dobro dessa radiação, e astronautas mais ainda.
Aliás, raios cósmicos são um dos fatores que complicam viagens espaciais
mais longas, como a ida de humanos a Marte.
Também interferem no funcionamento de computadores, causando erros de
armazenamento de dados. Num estudo de 1990, cientistas da IBM estimaram
que raios cósmicos induzem um erro para cada 256 megabytes de RAM por
mês.
Em agosto de 1912, o físico austríaco Victor Hess subiu num balão até
5,3 km medindo o fluxo de partículas vindas do céu. A expectativa era de
que o fluxo diminuiria com a altitude, exatamente o oposto do que Hess
descobriu. A conclusão era clara: as partículas vinham do espaço.
Nas décadas seguintes, a composição dos raios cósmicos foi decifrada:
90% são prótons; 9% são núcleos dos átomos de hélio, as partículas alfa;
1% são elétrons. Uma pequena fração deles vem de núcleos atômicos
forjados meros minutos após o Big Bang. Quando essas partículas se
chocam com moléculas da atmosfera, a transformação de sua energia de
movimento em matéria, segundo a fórmula E=mc2, cria uma reação em
cadeia, um "chuveiro" de partículas.
A maioria dos raios cósmicos vem do Sol. Mas o mecanismo que gera os
mais energéticos ainda é desconhecido. Certamente são criados em eventos
astrofísicos dramáticos. Dos vários candidatos, dois têm destaque:
buracos negros gigantes que existem no centro de galáxias ou explosões
de raios gama, os eventos cósmicos mais energéticos que conhecemos,
provavelmente causados quando uma estrela colapsa e vira uma estrela de
nêutrons ou um buraco negro, ou quando duas estrelas de nêutrons
colidem.
Um experimento recente da Universidade de Wisconsin, nos EUA, chamado de
IceCube, apresentou evidências contra a hipótese de as explosões de
raios gama serem responsáveis pelos raios cósmicos ultraenergéticos. A
teoria prevê que raios gama e muitos neutrinos são gerados quando
estrelas explodem e viram supernovas. Mas o IceCube não detectou sequer
um neutrino vindo dessas explosões, o que torna difícil entender de onde
vêm as partículas dos raios cósmicos.
Por outro lado, o Observatório Pierre Auger, onde trabalham vários
brasileiros, viu forte correlação entre núcleos de galáxias ativos -onde
há buracos negros gigantes- e raios cósmicos ultraenergéticos. Mas o
debate ainda contiua.
Qualquer que seja a explicação, tais raios são uma ponte entre nós e os
confins do espaço, reforçando nossa profunda relação com as grandes
escalas do Cosmos.
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