Jorge Arbache*
A "The Economist" publicou um
provocativo relatório especial sobre capitalismo de Estado, modelo que,
segundo a revista, "combina as forças do Estado com as forças do
capitalismo". Desde então, o assunto ganhou atenção mundo afora e tem
contribuído para os debates sobre a crise econômica e sobre modelos de
desenvolvimento. A crescente influência das economias emergentes na
economia mundial e a sua resiliência à crise financeira estariam por
detrás do grande interesse pelo assunto. Contrariamente ao dirigismo
muitas vezes observado até recentemente em muitos países em
desenvolvimento, o capitalismo de Estado se utilizaria, segundo a
revista, de instrumentos e métodos de gestão de mercado para atingir
seus objetivos. O relatório justifica o foco nas experiências recentes
dos países emergentes, notadamente a da China, porque elas "parecem ser
cada vez mais a tendência futura".
As manifestações do capitalismo de Estado são variadas e podem ser
complexas e sofisticadas, como as políticas públicas de apoio aos
conglomerados privados sul-coreanos, ou a montagem de fundos soberanos
com crescente influência nos fluxos de capitais e investimentos. Mas as
experiências de capitalismo de Estado de países emergentes coexistem com
manifestações de forte intervencionismo estatal na economia também nos
países desenvolvidos, como no caso da empresa de petróleo estatal
norueguesa, Statoil, e das políticas americana e europeia de subsídios
ao setor agrícola. As experiências das diferentes vertentes de
capitalismo de Estado sugerem haver em comum entre elas uma tensão, em
maior ou menor grau, entre pragmatismo e ideologia.
Impactos adversos na economia brasileira,
incluindo valorização cambial, especulação com preços de ativos e
barreiras ao comércio e ao investimento, precisam ser mitigados com o
emprego de estratégias de desenvolvimento e de inserção internacional
Mais recentemente, as inéditas e massivas intervenções na economia
pelos governos dos países no epicentro da crise financeira por meio de
"quantitative easing" e "bailouts", por exemplo, têm provocado profundas
repercussões na alocação de recursos e formação de preços não apenas no
plano doméstico, mas, também, internacional. Essas intervenções, muitas
delas oportunistas, são especialmente intrusivas devido ao tamanho
dessas economias e ao fato de suas moedas serem reserva de valor
internacional, criando e agravando desequilíbrios macroeconômicos
internacionais e acentuando as condições já assimétricas de competição.
O emprego de políticas de capitalismo de Estado parece estar se
popularizando mundo afora à medida que a crise econômica e as incertezas
se agravam. O capitalismo de Estado da China e o fracasso de políticas
econômicas ultra-liberais, como algumas perseguidas pelos Estados Unidos
até antes da crise, nos ajudam a entender porque um dos prováveis
legados dessa crise para os políticos é a lição de que governos não
devem limitar os seus papéis na economia.
Embora seja compreensível a atratividade do capitalismo de Estado num
contexto de crise econômica, a sua multiplicação em escala global tem
implicações deletérias. De fato, parece ser pouco plausível que muitos
países possam se beneficiar, simultaneamente, de políticas de
capitalismo de Estado devido à falácia da composição e devido às
externalidades negativas por elas provocadas, que tendem a desorganizar o
sistema econômico, fomentar reações mercantilistas e alimentar tensões
políticas entre países. Por isso, é muito provável que a popularização
dessas políticas dificulte a recuperação da economia mundial. O emprego
de políticas de capitalismo de Estado também suscita questões associadas
às escolhas entre interesses nacionais e compromissos internacionais,
como os do G-20, com reflexos para a credibilidade do sistema
multilateral.
Para que se mitiguem a proliferação do capitalismo de Estado e seus
potenciais riscos para o crescimento econômico mundial, será preciso que
os países, notadamente Estados Unidos, União Europeia e China,
reconheçam a interdependência das políticas micro e macroeconômicas
nacionais e seus impactos nos países em desenvolvimento. Será preciso,
assim, redobrar os esforços de coordenação de políticas e de gestão de
interesses conflitantes. No entanto, experiências como o colapso do
Acordo de Doha, crise do Euro e as dificuldades de avanço nos acordos do
clima ilustram os desafios de coordenação e de solução de controvérsias
em períodos de crise.
Como as políticas de capitalismo de Estado têm significativos
impactos adversos na economia brasileira, incluindo valorização cambial,
especulação com preços de ativos e barreiras ao comércio e ao
investimento, torna-se necessário o emprego de estratégias de
desenvolvimento e de inserção internacional que busquem mitigar esses
impactos. Tais estratégias deveriam levar em conta a combinação dos
benefícios do comércio com os das políticas públicas de promoção da
indústria conciliada com o desenvolvimento e a exploração das vantagens
produtivas e competitivas nacionais. Deveriam, também, reconhecer as
relações entre comércio e variáveis macroeconômicas como câmbio, juros e
política fiscal e seus impactos na indústria e no comércio, buscar o
reconhecimento internacional dos impactos dos grandes desequilíbrios
macroeconômicos e das políticas de outros países na economia brasileira,
e intensificar esforços indutores do aumento da competitividade através
da redução dos custos de produção e aumento da produtividade e dos
investimentos em capital humano e inovação.
---------------- *Jorge Arbache é professor de economia da UnB. jarbache@gmail.com
Fonte: Valor Econômico on line, 01/08/2012
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