Juremir Machado da Silva*
Quando vou perder a mania de falar de
livros? Ainda mais de livros sentimentais. Ando tão piegas que, depois
de chorar num filme de caminhoneiro, fiquei de queixo caído diante de um
livro do Eduardo Galeano, "Os Filhos dos Dias" (L&PM). Galeano,
autor do clássico infanto-juvenil ideológico "As Veias Abertas da
América Latina", que os lacerdinhas transformam com maledicência em
"véias", também serviu de modelo para o idiota do filho de Mario Vargas
Llosa escrever um livro idiota intitulado "Manual do Perfeito Idiota
Latino-americano". Não desrespeito quem gosta, pois eu mesmo sou um
idiota perfeito e um perfeito idiota, o que não é muito difícil
constatar, embora eu não seja marxista, nem comunista, só um idiota.
Com textos curtos, dedicados a cada dia de um ano, o escritor uruguaio desencava histórias que deveriam ser esquecidas. Por exemplo, esta de Winston Churchill, o herói civilizador que comandou a resistência ao nazismo: "Não consigo entender tantos melindres sobre o uso de gás. Estou muito a favor do uso de gás venenoso contra as tribos incivilizadas. Isso seria um bom efeito moral e difundiria um terror perdurável". Uau! E esta, ainda melhor (ou seja, pior): "Eu não admito que se tenha feito mal algum aos peles-vermelhas da América, nem aos negros da Austrália, quando uma raça mais forte, uma raça de melhor qualidade, chegou e ocupou seu lugar". Racismo britânico, of course! Só no dia 26 de janeiro de 2009, graças a um plebiscito, que aprovou uma nova Constituição, outorgou-se cidadania a todos os índios da Bolívia. Obra "lamentável" do "atrasado" Evo Morales.
Há uma divertida homenagem a um magnata americano: "Em 1937, morreu John D. Rockefeller, dono do mundo, rei do petróleo, fundador da Standard Oil Company. Tinha vivido quase um século. Na autópsia, não foi encontrado nenhum sinal de escrúpulo". Excelente também é a síntese da visão de mundo de Tintim, personagem mítico de histórias em quadrinhos criado pelo belga Hergé. Na sua famosa viagem ao Congo, Tintim "fuzilou 15 antílopes, escalpelou um macaco para se disfarçar com sua pele, fez um rinoceronte explodir com um cartucho de dinamite e disparou na boca aberta de muitos crocodilos. Tintim dizia que os elefantes falavam francês muito melhor que os negros. Para levar um souvenir, matou um e arrancou suas presas de marfim". O rei da Espanha adora Tintim.
Instrutivo é o capítulo sobre a "desonra". Em 1981, Galeano participou de uma reunião do Tribunal Internacional, que tratou, em Estocolmo, da invasão do Afeganistão pela União Soviética. Um alto chefe religioso islâmico, integrante do que os americanos chamavam, então, de "guerreiros da liberdade", mais tarde rebatizados de terroristas, acusou, no seu depoimento, os invasores de terem cometido o mais hediondo dos crimes:
- Os comunistas desonraram nossas filhas!
Diante da expectativa geral, explicou:
- Ensinaram elas a ler e a escrever!
Com textos curtos, dedicados a cada dia de um ano, o escritor uruguaio desencava histórias que deveriam ser esquecidas. Por exemplo, esta de Winston Churchill, o herói civilizador que comandou a resistência ao nazismo: "Não consigo entender tantos melindres sobre o uso de gás. Estou muito a favor do uso de gás venenoso contra as tribos incivilizadas. Isso seria um bom efeito moral e difundiria um terror perdurável". Uau! E esta, ainda melhor (ou seja, pior): "Eu não admito que se tenha feito mal algum aos peles-vermelhas da América, nem aos negros da Austrália, quando uma raça mais forte, uma raça de melhor qualidade, chegou e ocupou seu lugar". Racismo britânico, of course! Só no dia 26 de janeiro de 2009, graças a um plebiscito, que aprovou uma nova Constituição, outorgou-se cidadania a todos os índios da Bolívia. Obra "lamentável" do "atrasado" Evo Morales.
Há uma divertida homenagem a um magnata americano: "Em 1937, morreu John D. Rockefeller, dono do mundo, rei do petróleo, fundador da Standard Oil Company. Tinha vivido quase um século. Na autópsia, não foi encontrado nenhum sinal de escrúpulo". Excelente também é a síntese da visão de mundo de Tintim, personagem mítico de histórias em quadrinhos criado pelo belga Hergé. Na sua famosa viagem ao Congo, Tintim "fuzilou 15 antílopes, escalpelou um macaco para se disfarçar com sua pele, fez um rinoceronte explodir com um cartucho de dinamite e disparou na boca aberta de muitos crocodilos. Tintim dizia que os elefantes falavam francês muito melhor que os negros. Para levar um souvenir, matou um e arrancou suas presas de marfim". O rei da Espanha adora Tintim.
Instrutivo é o capítulo sobre a "desonra". Em 1981, Galeano participou de uma reunião do Tribunal Internacional, que tratou, em Estocolmo, da invasão do Afeganistão pela União Soviética. Um alto chefe religioso islâmico, integrante do que os americanos chamavam, então, de "guerreiros da liberdade", mais tarde rebatizados de terroristas, acusou, no seu depoimento, os invasores de terem cometido o mais hediondo dos crimes:
- Os comunistas desonraram nossas filhas!
Diante da expectativa geral, explicou:
- Ensinaram elas a ler e a escrever!
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Colunista do Correio do Povo
juremir@correiodopovo.com.br
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Fonte: Correio do Povo on line, 16/08/2012
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