Fernando Reinach*
Imagine que um grupo de biólogos anuncie que foi
descoberta uma nova espécie de macaco vivendo nas árvores do Parque do
Ibirapuera. Descobrir um novo tipo de célula no corpo humano talvez não
seja tão improvável e surpreendente quanto descobrir um novo macaco no
centro de São Paulo, mas sem dúvida não é algo que acontece todos os
dias.
A novidade é que um novo tipo de célula adiposa foi descoberto no
tecido gorduroso dos seres humanos. E, mais importante, essa descoberta
pode nos ajudar a combater a obesidade.
Existem dois tipos de tecido gorduroso. O primeiro é a conhecida
gordurinha, tão combatida por todos nós. Ela acumula facilmente sobre os
músculos, nas coxas e quadris dos gulosos e no interior da cavidade
abdominal dos que apreciam litros de cerveja com quilos de linguiça. Sua
função é estocar nossas reservas de energia na forma de lipídios. Esse
tipo de tecido, chamado de gordura branca, é composto por células
chamadas de adipócitos brancos. Como todos os que tentaram perder peso
sabem, esses adipócitos não gostam de destruir suas reservas de gordura.
O segundo tipo de tecido gorduroso é a gordura marrom, composta pelos
adipócitos marrons. Esses adipócitos adoram consumir lipídios quando
estimulados. Eles destroem os lipídios rapidamente e liberam a energia
na forma de calor.
Esse é o tipo de gordura que existe no corpo dos ursos e de outros
animais que hibernam durante o inverno. No final do período de
hibernação, os ursos ativam seu tecido gorduroso marrom. Os adipócitos
degradam os lipídios e liberam calor. O corpo do animal esquenta e ele
acorda.
Em outros mamíferos, a quantidade de tecido adiposo marrom é pequena.
Nos seres humanos, ele se acumula entre as escápulas e próximo às
clavículas, mas só existe em quantidade significante nas crianças
recém-nascidas (acredita-se que ele ajuda o recém-nascido a não passar
frio nas primeiras horas de vida). À medida que crescemos, a quantidade
de tecido gorduroso marrom diminui muito e praticamente não existe no
adulto.
Há alguns anos foi descoberto que parte dos adipócitos brancos de
camundongos, quando submetida ao mesmo tratamento que ativa os
adipócitos marrons, passava a degradar rapidamente os lipídios,
produzindo calor. Agora esse fenômeno foi explicado. Descobriu-se que o
tecido gorduroso branco na verdade é composto por dois tipos de células,
de aparência muito semelhante, ambas capazes de estocar lipídios.
Semelhança aparente. Mas na verdade essa semelhança é
só aparente. Uma dessas células é o já conhecido adipócito branco, que
não gosta de queimar seus lipídios. A outra é uma célula diferente, que
ainda não havia sido descrita, denominada de adipócito bege.
Esse adipócito, quando estimulado, degrada rapidamente os lipídios e
gera calor. Mas na ausência de estímulo fica quieto no seu canto e é
difícil de distinguir dos adipócitos brancos. Essa nova célula é
diferente dos adipócitos marrons, pois se origina de uma linhagem
celular diferente.
Até aí, a novidade só interessaria aos estudiosos das minúcias do
tecido adiposo, mas os cientistas fizeram uma descoberta importante.
Sabendo identificar estes adipócitos beges, eles foram procurar onde
eles se acumulavam no nosso corpo. Uma mapa detalhado da presença de
células adiposas beges demonstra que elas estão espalhadas por
praticamente todos os locais onde está presente o tecido gorduroso
branco (as banhas que tanto combatemos). Mas, como normalmente estão
inativas, até agora não haviam sido detectadas.
Essa descoberta demonstra que embebido no tecido gorduroso branco de
cada um de nós existem células que, devidamente estimuladas, têm a
capacidade de queimar lipídios e produzir calor. O próximo passo é
descobrir porque essas células ficam a maior parte do tempo desativadas e
de que maneira elas poderiam ser ativadas.
Se descobrirmos uma maneira de ativar estas células, talvez induzindo
o corpo a sentir frio, teremos uma nova maneira controlar a obesidade e
suas consequências maléficas como, por exemplo, a diabete.
Hipóteses. Fico imaginando se o desenvolvimento
tecnológico dos últimos milênios, que nos levou a descobrir diferentes
maneiras de evitar o frio, como o fogo, as roupas e as habitações, não
teria tornado nossas células adiposas beges inúteis ou preguiçosas. Se
isso for verdade, não é só o excesso de comida que nos torna obesos, mas
também a falta de frio.
Será que, juntamente com a perda dos pelos que nos protegiam do frio,
perdemos nossa capacidade de ativar nossos adipócitos beges? Seria esse
um dos custos do nosso desenvolvimento tecnológico? Se tudo isso for
verdade e descobrirmos uma maneira de ativar nossos adipócitos beges,
talvez, no futuro, as academias de ginástica tenham câmaras frias ao
lado das esteiras e dos pesos.
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* BIÓLOGOMAIS INFORMAÇÕES: BEIGE ADIPOCYTES ARE A DISTINCT TYPE OF THERMOGENIC FAT CELL IN MOUSE AND HUMAN. CELL, VOL. 150, PÁG. 366, 2012
Fonte: http://www.estadao.com.br/13/09/2012
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