sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Charlie Hebdo, assassino continua solto

Juremir Machado da Silva*

https://carolinegurgel.files.wordpress.com/2015/04/paris-c3a9-uma-festa-hemingway1.jpg?w=300&h=300 

Faz um ano que radicais islâmicos atacaram a redação do jornal satírico francês Charlie Hebdo e mataram seus principais cartunistas, Cabu, Wolinski, Charb, Tignous e Honoré. O massacre produziu um efeito indesejado para os adeptos dos criminosos: a tiragem do veículo deu um salto vertiginoso. Antes do atentado, Charlie Hebdo vegetava entre dez mil e 60 mil exemplares semanais. Era o que os franceses chamam de publicação confidencial. Tinha a sua tribo. Em extinção. Velhinhos faziam humor para a geração maio de 68 e escutavam rock and roll com sotaque francês até oito horas da noite. Depois, tomavam seu remedinhos e iam dormir para acordar bem e cedo.

Nesta semana, para lembrar a tragédia de 7 de janeiro de 2015, Charlie Hebdo saiu com um milhão de exemplares. A provocação não cedeu diante do terror. O espírito ácido e iluminista de Voltaire saltou da cama. Livros de Voltaire e o clássico de Ernest Hemingway, Paris é uma festa, voltaram a ser lidos. A coragem, sempre presente, e a criatividade deram as caras. Charlie renasceu, rejuvenesceu e virou tendência entre jovens que só conheciam games e Netflix. A capa da edição atual de Charlie Hebdo traz um deus barbudo, armado com uma kalashnikov, e um título atrevido: “O assassino continua solto”.

Ao longo dos últimos 12 meses, especialistas de todos os tipos tentaram compreender e explicar o ocorrido. Não foram muito longe. Culpa de quem? Sim, há culpados. Do obscurantismo religioso de muçulmanos radicais ou do desrespeito com os valores sagrados alheios, sob a forma de humor, de europeus esquerdistas tentando chamar a atenção para vender um produto quase falido? Há sempre adeptos da teoria do estupro como resultado da minissaia. Seria suficiente não usá-la para tudo entrar em ordem. O corpo feminino continua fazendo certos machos perderem o controle. Neste caso, bastaria não provocar para evitar agressões. A vítima torna-se refém do agressor e passa a ser culpada pelo mal que lhe ocorre. Charlie Hebdo zomba da intolerância. Seria, por seu turno, intolerante?

O respeito à crença do outro, em sociedades abertas e democráticas, é fundamental. A liberdade de expressão também. Conciliar esses dois princípios é o desafio do mundo contemporâneo. Dificilmente se consegue fazer piada com a tolerância. É a intolerância que se presta ao riso. A moderação, por ser virtuosa, não desperta a fagulha da sátira. O escritor Michel Houellebecq, no seu romance Submissão, que estava na capa de Charlie Hebdo no dia do ataque, tem razão: não se ri do que não se exibe como caricatura.

Nos atentados de novembro de 2015, os extremistas, outra vez, manifestaram o ódio sentido pelo estilo de vida ocidental centrado no divertimento, no lazer, no espetáculo e na liberdade de comportamento. O gozo alheio explícito costuma provocar ressentimento. A festa irrita quem não se diverte. Uma frase de Voltaire, o mais irônico dos filósofos, serve de epitáfio aos terroristas: “A civilização não suprime a barbárie, aperfeiçoa-a”.
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* Jornalista. Sociólogo. 
Fonte:  http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/
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