Eugénia de Vasconcellos*
As flores de testosterona...
Há
uma alegria gay nos homens – não, não é um pleonasmo. Homem que é homem
é, invariavelmente, como direi, mariquinhas. Sempre foi. Está aí a
história que não me deixa mentir. Desde os registos da antiga Grécia,
folgosa e descontraída, outros tempos, onde era naturalíssimo que os
rapazes se amanhassem entre si, e com um homem mais velho e experiente
nessas coisas de sexo e sociedade e tal, um gosto que eram fortemente
aconselhados a perder quando casavam, mas se o perdiam ou não, não sei,
não estava lá, não vi.
O
que vejo é que os homens, em particular aqueles que enchem o
estereótipo do homem primitivo, perdão, perdão, queria dizer corporativo
de alto lá com o charuto*, gostam e
não é pouco de estar com outros homens, retiram verdadeiro prazer desse
convívio. É certo que dão uns abraços que mais parecem umas valentes
porradas e não se sentam ao colinho uns dos outros, e são um bocadinho, e
agora vou exagerar, homofóbicos para poderem gozar tanto e em segurança
dessa companhia uns dos outros.
Porque
raio digo tal coisa alegre? Por duas ou três razões ou mesmo irrazões. E
porque a epigenética e a estatística o explicam, acho, mas não juro que
não sou cientista, olhe, sou achista…
Quase
a despropósito - não fosse o escrevo adiante: já reparou que no
universo da infidelidade conjugal que não tem por objectivo terminar o
casamento, antes mantê-lo, a mulher tende para o marido da amiga – ok,
pronto, e para o colega de trabalho -, enquanto o homem prefere a
variedade do que vem à rede ou a relação sexual sem intimidade?
A mulher, e a serpente no paraíso já o sabia, quer o que os olhos vêem. Não, não são olhos no sentido masculino.
Para
os homens, o sentido da visão é determinante para o desejo, você sabe,
aquilo da mulher gira e boa é um grande isco para a rapaziada, depois a
conversa é outra, mas a conversa começa com o que lhes entra pela retina
e abre o apetite. Enfim, um mistério da biologia, este, que permite aos
meninos comer com os olhinhos. Para a mulher o atractivo está no que
vêem. Mais do que bíceps, para a mulher habituada nos tempos mais duros
da nossa existência caçadora-recolectora a contar com a protecção do
homem durante a gravidez e após o parto e quando as crianças eram
dependentes, o atractivo é sistémico. A vida é difícil para os homens…
Explico.
As
mulheres não preferem o homem mais bonito. Nem o homem mais rico.
Preferem o homem mais capaz, mais competente, seja a caçar bisontes,
matar inimigos ou a prover melhor habitação. Porque a mulher sabe que
quando está grávida, ou tem um bebé, está vulnerável.
Claro,
os tempos mudaram nos últimos milhares de anos. Mas as grandes mudanças
são muito recentes, têm cento e tal anos, a pílula contraceptiva é de
1960, o estado social é de ontem, e a paridade salarial está no discurso
de Patricia Arquette por não estar onde deve. Resumido: as nossas
células ainda estão a descobrir a mudança, ainda estão desenhadas para a
sobrevivência, lembram-se da fome, do medo, da morte. E evitam-nos.
Ora, isto deixa um grande número de homens a pensar que vale pouco ou
que as mulheres são umas boas cabras. Não é grave. É mais ou menos o
mesmo o número de mulheres que pensa que não é suficientemente bonita
para acasalar bem e sonha com maminhas de silicone. A relações têm quase
sempre simetria - azarucho do caneco não podermos responsabilizar
terceiros, não é?
E
o que tem isto a ver com a mariquice bonita dos meninos? Enquanto as
mulheres nossas antepassadas estavam fisicamente mais frágeis, a
maternidade e tal, os homens tinham de ser mais eficientes quer a caçar
quer a proteger. A sua acção era voltada para fora, para o mundo. E em
grupo de homens – experimente lá a ir caçar bichezas de grande porte que
andam em manada, sozinho e com uma lança… vê?
Mais.
No nosso rico cérebro, o prazer e o perigo estão arrumados por junto. É
um lindo cocktail químico. E com quem é que os homens corriam mais
perigo? Com os outros homens. As células lembram-se e os estímulos não
mudaram assim tanto, temos o mata esfola empresarial, o desporto de
vencer ou perder… As mulheres tendem a ter relações duradouras com
outras mulheres com quem repliquem os papéis mãe-filha pelas mesmíssimas
razões. Com quem é que elas podiam contar quando a rapaziada saía para
caçar e o diabo a quatro?
E isto vem a propósito de quê? Ouvi uma coisa genial: Deus perdoa tudo. O homem perdoa algumas coisas. A natureza não perdoa nada nem aceita reclamações.
É
verdade, pelo menos desde o Novo Testamento, Deus perdoa tudo. A
natureza é amoral, portanto, não tem sequer o que perdoar. O homem
perdoa algumas coisas, e a algumas pessoas, as que, com o perdão,
aumentam o seu poder. As mulheres perdoam mais do que os homens e menos
que Deus porque, paradoxo, a mulher é da natureza da natureza e sabe-o
mesmo nestes tempos da pílula que a libertou desse jugo – agora pode não
sofrer com as sucessivas gravidezes, mas sofre da infertilidade que a
vida professional exige. Não é da natureza da mulher perdoar, mas é da
natureza da maternidade total protecção - uma forma radical de perdão,
não é? E os homens, ai os homens, essas flores, também são nossos
filhos.
*Lembra-se
de quando o tio Freud afirmou que por vezes um charuto é apenas um
charuto? Pois, desculpas teórico-prático-projectivolailailai. Olaré se
um charuto não é coiso e não sei quê supra implicito-descrito.
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* Poetisa portuguesa. Escritora.
Fonte: Site de Portugal.
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