domingo, 1 de março de 2015

A alegria gay dos rapazes

Eugénia de Vasconcellos*

As flores de testosterona...
As flores de testosterona...

uma alegria gay nos homens – não, não é um pleonasmo. Homem que é homem é, invariavelmente, como direi, mariquinhas. Sempre foi. Está aí a história que não me deixa mentir. Desde os registos da antiga Grécia, folgosa e descontraída, outros tempos, onde era naturalíssimo que os rapazes se amanhassem entre si, e com um homem mais velho e experiente nessas coisas de sexo e sociedade e tal, um gosto que eram fortemente aconselhados a perder quando casavam, mas se o perdiam ou não, não sei, não estava lá, não vi.

O que vejo é que os homens, em particular aqueles que enchem o estereótipo do homem primitivo, perdão, perdão, queria dizer corporativo de alto lá com o charuto*, gostam e não é pouco de estar com outros homens, retiram verdadeiro prazer desse convívio. É certo que dão uns abraços que mais parecem umas valentes porradas e não se sentam ao colinho uns dos outros, e são um bocadinho, e agora vou exagerar, homofóbicos para poderem gozar tanto e em segurança dessa companhia uns dos outros.

Porque raio digo tal coisa alegre? Por duas ou três razões ou mesmo irrazões. E porque a epigenética e a estatística o explicam, acho, mas não juro que não sou cientista, olhe, sou achista…

Quase a despropósito - não fosse o escrevo adiante: já reparou que no universo da infidelidade conjugal que não tem por objectivo terminar o casamento, antes mantê-lo, a mulher tende para o marido da amiga – ok, pronto, e para o colega de trabalho -, enquanto o homem prefere a variedade do que vem à rede ou a relação sexual sem intimidade?

A mulher, e a serpente no paraíso já o sabia, quer o que os olhos vêem. Não, não são olhos no sentido masculino.

Para os homens, o sentido da visão é determinante para o desejo, você sabe, aquilo da mulher gira e boa é um grande isco para a rapaziada, depois a conversa é outra, mas a conversa começa com o que lhes entra pela retina e abre o apetite. Enfim, um mistério da biologia, este, que permite aos meninos comer com os olhinhos. Para a mulher o atractivo está no que vêem. Mais do que bíceps, para a mulher habituada nos tempos mais duros da nossa existência caçadora-recolectora a contar com a protecção do homem durante a gravidez e após o parto e quando as crianças eram dependentes, o atractivo é sistémico. A vida é difícil para os homens… Explico.

As mulheres não preferem o homem mais bonito. Nem o homem mais rico. Preferem o homem mais capaz, mais competente, seja a caçar bisontes, matar inimigos ou a prover melhor habitação. Porque a mulher sabe que quando está grávida, ou tem um bebé, está vulnerável.

Claro, os tempos mudaram nos últimos milhares de anos. Mas as grandes mudanças são muito recentes, têm cento e tal anos, a pílula contraceptiva é de 1960, o estado social é de ontem, e a paridade salarial está no discurso de Patricia Arquette por não estar onde deve. Resumido: as nossas células ainda estão a descobrir a mudança, ainda estão desenhadas para a sobrevivência, lembram-se da fome, do medo, da morte. E evitam-nos. Ora, isto deixa um grande número de homens a pensar que vale pouco ou que as mulheres são umas boas cabras. Não é grave. É mais ou menos o mesmo o número de mulheres que pensa que não é suficientemente bonita para acasalar bem e sonha com maminhas de silicone. A relações têm quase sempre simetria - azarucho do caneco não podermos responsabilizar terceiros, não é?

E o que tem isto a ver com a mariquice bonita dos meninos? Enquanto as mulheres nossas antepassadas estavam fisicamente mais frágeis, a maternidade e tal, os homens tinham de ser mais eficientes quer a caçar quer a proteger. A sua acção era voltada para fora, para o mundo. E em grupo de homens – experimente lá a ir caçar bichezas de grande porte que andam em manada, sozinho e com uma lança… vê?

Mais. No nosso rico cérebro, o prazer e o perigo estão arrumados por junto. É um lindo cocktail químico. E com quem é que os homens corriam mais perigo? Com os outros homens. As células lembram-se e os estímulos não mudaram assim tanto, temos o mata esfola empresarial, o desporto de vencer ou perder… As mulheres tendem a ter relações duradouras com outras mulheres com quem repliquem os papéis mãe-filha pelas mesmíssimas razões. Com quem é que elas podiam contar quando a rapaziada saía para caçar e o diabo a quatro?

E isto vem a propósito de quê? Ouvi uma coisa genial: Deus perdoa tudo. O homem perdoa algumas coisas. A natureza não perdoa nada nem aceita reclamações.

É verdade, pelo menos desde o Novo Testamento, Deus perdoa tudo. A natureza é amoral, portanto, não tem sequer o que perdoar. O homem perdoa algumas coisas, e a algumas pessoas, as que, com o perdão, aumentam o seu poder. As mulheres perdoam mais do que os homens e menos que Deus porque, paradoxo, a mulher é da natureza da natureza  e sabe-o mesmo nestes tempos da pílula que a libertou desse jugo – agora pode não sofrer com as sucessivas gravidezes, mas sofre da infertilidade que a vida professional exige. Não é da natureza da mulher perdoar, mas é da natureza da maternidade total protecção - uma forma radical de perdão, não é? E os homens, ai os homens, essas flores, também são nossos filhos.

*Lembra-se de quando o tio Freud afirmou que por vezes um charuto é apenas um charuto? Pois, desculpas teórico-prático-projectivolailailai. Olaré se um charuto não é coiso e não sei quê supra implicito-descrito.
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* Poetisa portuguesa. Escritora.
Fonte: Site de Portugal.

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