No mundo muçulmano há aqueles que matam por um par de desenhos
caricaturais e não se dão conta que são eles mesmos que fazem a
caricatura do islã. Os muçulmanos são as primeiras vítimas do
fundamentalismo islâmico,
sustenta Jelloun.
A reportagem é de Vanna Vannucini, publicada pelo jornal Repubblica, 14-03-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
“Aqueles que sustentam que terror e islã
são a mesma coisa traem tudo aquilo que de bom o Ocidente conquistou”.
Consideram-se defensores dos valores ocidentais, mas na realidade os
negam, escreve Tahar Ben Jelloun no seu novo livro É isto o islã que dá medo (Bompiani, tradução de Anna Maria Lorusso, 218 pp. 12 euros).
Na França iniciou uma caça ao islã, afirma o
escritor marroquino: “Se estigmatizam continuamente os muçulmanos, em
busca de um bode expiatório para explicar a crise moral, afastar o medo
do amanhã, ou simplesmente para ganhar eleitores”. E, todavia, reconhece
o escritor, tornou-se muito difícil para um muçulmano repetir hoje a
frase tantas vezes pronunciada: “A religião muçulmana não é esta”.
Sobretudo para um intelectual laico como ele, transplantado à França
para não precisar defender-se no seu país das acusações de laicismo ou
até mesmo de ateísmo. “Não é possível contentar-se em dizer: não é isto o
islã. Perguntamo-nos de onde vem o islã que dá medo, que mata, que
semeia terror. Como tem sido possível derramar tanto ódio e tanta
bestialidade na cabeça de pessoas que degolam, cortam cabeças e
conseguem acreditar que isto seja o islã”. Quando em nome da religião os
jihadistas matam cristãos, massacram civis, matam pessoas inermes da Nigéria à Síria, da França à Dinamarca, dizer que a violência não tem nada a ver com o islã não basta.
“Não se pode considerar inocente a religião de Maomé
enquanto a décadas está em curso um álacre trabalho de preparação da
parte dos islamitas: nas periferias, nas mesquitas, nos cárceres. Um
trabalho eficaz que consistiu em propor aos jovens uma identidade forte,
uma moral e uma cultura”. O que a França não conseguiu dar a milhares de filhos de imigrantes.
O novo livro de Ben Jelloun gira em torno da solidão do intelectual muçulmano obrigado a escolher entre liberdade de consciência e pertencimento à Umma (“se nasce muçulmano, se morre muçulmano, deixar o islã é uma ruptura que custa caro”),
entre os rigores proclamados de uma sharia anacrônica e as hipocrisias
do Ocidente. Quantos minutos de silêncio têm sido feitos para os dois
mil mortos (entre os quais algumas centenas de crianças) destroçados
pelas bombas em Gaza há poucos meses? Dois pesos, duas
medidas: “Os jovens muçulmanos sentem a injustiça de ver que as vítimas
palestinas não são tratadas com a mesma compaixão que se reserva aos
soldados israelenses”.
No mundo muçulmano há aqueles que matam por um par de desenhos
caricaturais e não se dão conta que são eles mesmos que fazem a
caricatura do islã. Os muçulmanos são as primeiras vítimas do
fundamentalismo islâmico, sustenta Jelloun. “Também se os assassinos gritam Allah u akbar,
agem contra os muçulmanos. Sua guerra é uma guerra à democracia. Querem
impedir aos muçulmanos viverem a própria religião em terra laica”.
Os muçulmanos franceses o entenderam, mas não se movimentam o
suficiente para denunciar com firmeza estes assassinos. Olham do outro
lado quando os filhos voltam para casa içando o Corão
e pretendendo que só seja preciso segui-lo à letra para terem razão,
não os freiam quando agridem os não muçulmanos e os hebreus, não lhes
dizem que jihad é uma luta interior, a luta do crente consigo mesmo, e
não contra os não crentes. O Corão contém incitamentos à
violência, é verdade, não seriam calados e sim relacionados ao seu
contexto histórico. Mas, em geral prega uma conduta moral não diversa
daquela das outras religiões: não matar, não roubar, não mentir, não
praticar o mal.
“Se alçarem a mão contra mim para matar-me, eu não a alçarei contra ti”. Não é o Sermão da Montanha, é a Sura V,
versículo 28. É o momento de requerer reformas no mundo muçulmano,
escreve Bem Jelloun, como o fizeram 67 intelectuais muçulmanos num apelo
de 11 de janeiro: reformas que permitam a exegese dos textos e
assegurem liberdade de consciência. Mas, também o Ocidente precisa
mudar.
Temos sustentado ditaduras brutais, olhado sem pestanejar como aos
palestinos de assentamento em assentamento tenham sido retirados a terra
e o futuro, levado violência e caos ao Iraque em nome dos valores
ocidentais, tenhamos falhado miseramente na Síria, onde
deixamos que os nossos aliados por pérfidos cálculos financiassem os
jihadistas que hoje tememos. Do 11 de setembro a resposta ao terror
sempre tem sido a guerra, a tortura, mais ódio e mais violência. Talvez
devêssemos ter aprendido que a resposta deveria ser diversa e que estas
diferenças, estes conflitos, estas contradições não se podem mais
resolver com a força.
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Fonte: IHU online, 19/03/2015
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