Estudo em famílias holandesas sugere que a demonstração de amor dos pais
ajuda as crianças a ter autoestima, mas a sua glorificação pode
contribuir para uma ideia desproporcionada do valor de si próprias.
Diz-se que uma pessoa centrada em si própria de forma doentia é narcísica.
Esta é a definição de narcisismo na entrada deste tema na Enciclopédia
Britannica online. E é também uma explicação perfeita sobre o Narciso – o
rapaz tão belo que, segundo a mitologia grega, quando se viu reflectido num
espelho de água, se enamorou de si próprio. Narciso morreu a olhar para si e
nesse lugar nasceu uma flor que ganhou o seu nome.
Ainda
não há uma explicação definitiva para a origem desta perturbação da
personalidade que tem o nome daquele mito. As duas hipóteses mais importantes
sobre este problema levam-nos até ao desenvolvimento psicológico das crianças,
mas divergem na explicação. Segundo uma das hipóteses, o narcisismo surge
quando os pais valorizam de mais as crianças, e elas acabam por ter uma ideia
desproporcionada de si próprias: vêem-se como pessoas privilegiadas. A outra
hipótese defende que a causa está em pais que não demonstram amor e não
valorizam suficientemente os filhos. As crianças, por sua vez, tentam
colocar-se num pedestal para terem a aprovação de terceiros, que não receberam
dos pais.
Uma equipa a trabalhar na Holanda analisou o desenvolvimento das crianças à
procura da origem do narcisismo, testando as duas hipóteses. Os investigadores
observaram uma associação entre a glorificação dos filhos e a existência e
manutenção dos traços narcísicos, conclui um artigo publicado nesta
segunda-feira na revista Proceedings of the
National Academy of Sciences dos Estados Unidos.
Nas últimas décadas, mais especificamente nas camadas mais jovens das sociedades
ocidentais, o narcisismo tem aumentado, adianta o artigo. As características do
narcisismo vão para lá do enamoramento por nós próprios. Podem passar por usar
terceiros para ganhos próprios, por acharmos que somos melhores e que temos
mais direitos do que os outros, e pela constante procura de aprovação e elogio.
As consequências desta perturbação não são benignas, descrevem os autores no
artigo: “Quando os narcisistas se sentem humilhados, tendem a responder com
agressividade, ou até mesmo violentamente. Os narcisistas também têm um risco
acrescido de problemas de saúde mental, como dependências de drogas, depressão
e ansiedade.”
Agora, o estudo de Eddie Brummelman, na Universidade de Utrecht, na Holanda,
e colegas analisou 565 crianças entre os 7 e os 11 anos. A cada uma foi feito
um inquérito de seis em seis meses, durante dois anos, para aferir se tinham
traços de personalidade narcísica e para avaliar a sua auto-estima. Frases no
inquérito como “Miúdos como eu merecem algo extra” destinaram-se a permitir
avaliar o narcisismo. Enquanto frases como “Miúdos como eu estão felizes
consigo próprios como pessoas” avaliaram a auto-estima.
Os autores explicam a dimensão destes dois aspectos. “Apesar de os
narcisistas se sentirem superiores aos outros e que têm direito a ter
privilégios, não estão necessariamente satisfeitos consigo próprios como
pessoas. Ou seja, o narcisismo e a auto-estima captam duas dimensões diferentes
do eu. Como dizem os peritos: ‘Uma auto-estima elevada significa pensar-se bem
de si mesmo, enquanto o narcisismo envolve uma vontade apaixonada de se pensar
bem de si próprio.’ Além disso, ao contrário do narcisismo, a auto-estima
elevada é indicativo de níveis mais baixos de ansiedade e de depressão ao longo
do tempo.”
O inquérito tinha ainda perguntas sobre o relacionamento que as crianças
tinham com o pai e a mãe: “O meu pai/a minha mãe dizem-me que me amam.” Os
autores também fizeram inquéritos a 415 mães e a 290 pais destas crianças. Por
um lado, quiseram saber se os pais consideravam os filhos mais especiais do que
as outras crianças. Por outro, perguntaram aos pais se diziam aos filhos que os
amavam.
Com todas estas perguntas, os cientistas puderam distinguir se os traços de
narcisismo estavam ligados a uma sobrevalorização dos pais ou à falta de amor.
Além disso, também analisaram o papel do amor dos pais na auto-estima das
crianças.
Os resultados mostraram que os traços de narcisismo estão associados à
sobrevalorização dos filhos ao longo do tempo. “Quando os pais dizem às
crianças que elas são mais especiais do que os outros, elas acreditam nisso.
Isso poderá não ser bom nem para as crianças nem para a sociedade”, defende
Brad Bushman, co-autor do estudo, investigador da Universidade Estadual de
Ohio, nos Estados Unidos. Este cientista explica que os pais poderão ter este
tipo de atitude com o objectivo de aumentar auto-estima dos filhos. “Mais do
que aumentar a auto-estima, as práticas de sobrevalorização podem estar
inadvertidamente a aumentar os níveis de narcisismo.”
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Texto site de Portugal: http://www.publico.pt/ciencia/noticia/origem-do-narcisismo-aponta-para-excesso-de-elogios-dos-pais-1688615
Reportagem por Nicolau Ferreira. Licenciei-me em Biologia em 2005 e trabalhei no laboratório no Instituto
Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, mas foi de outra forma que a paixão
pela ciência ganhou sentido. Numa manhã, um debate entre cientistas e
jornalistas mostrou-me que seria possível unir o gosto pela escrita e o
conhecimento científico no jornalismo. Em 2007 fiz um curso no Cenjor
antes de entrar num mestrado em Jornalismo na Universidade Nova de
Lisboa e, no ano seguinte, estagiei na redacção online do PÚBLICO, onde
pela primeira vez fiz jornalismo de ciência. Em 2012 passei para a
secção de Ciência. Interesso-me pelo início e pelo fim das coisas, por
fósseis e pelo espaço. Sigo com atenção temas como o vírus da sida, a
malária ou a gripe.
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