sábado, 20 de agosto de 2011

Dilma e o futuro (2)

Na segunda parte da entrevista concedida a CartaCapital,
a primeira a uma revista brasileira, Dilma Rousseff aprofunda o debate
 sobre a crise financeira mundial, fala das relações
com a China e diz estar satisfeita no cargo.
 “Sou alegre, não sou deprimida.”
Foto: Sérgio Amaral
Na segunda parte da entrevista, a presidenta fala das relações
com a China e com os demais países da América Latina.

CartaCapital: A senhora diria que a Europa e os Estados Unidos estão em um processo de transição e que não se avança mais por conta de certos movimentos radicais? Nos EUA, o Tea Party, por exemplo?
Dilma Rousseff: Acho a situação nos Estados Unidos um exemplo a não ser seguido. Essa discussão sobre o aumento do teto da dívida deu-se em uma disputa absolutamente paroquial, que compromete o papel do país no mundo. Como uma economia que tem a moeda reserva de valor, que tem responsabilidades perante o mundo, não pode fazer política fiscal de recuperação da sua economia? O que sobrou para eles: inundar o planeta de dólares, transferir parte de seu ajuste para os mercados emergentes. Isso não vai levar a boa coisa. Achei que, a partir do G-20, haveria outro tipo de acerto, de cooperação. Mas hoje o papel de cada um não está adequado às necessidades. Existe todo um aparato institucional, o próprio G-20, o fórum dos ministros… Todo mundo aprendeu o que deve fazer. O nosso Banco Central, por exemplo, está cheio de instrumentos para analisar e agir. Mas de que adianta tudo, esse saber, a experiência, se em uma questão tão paroquial os dirigentes da maior economia do mundo fazem o que fizeram? Se uma agência de classificação de risco tem a mesma inconsequência do Tea Party?

CC: Desde o pós-Guerra muitos advertiram para o risco de a moeda reserva ser administrada por um único país.
DR: Temos todo o direito de nos preocupar, pois chegamos aos 350 bilhões de dólares em reservas e somos hoje o quarto maior credor dos Estados Unidos. Não dá para ficar tranquilo diante de uma política totalmente inconsequente. Lembro perfeitamente de suas aulas, Belluzzo, sobre a necessidade de uma moeda global chamada Bancor. Mas essa possibilidade não está desenhada no momento. No cenário internacional, não se pode prescindir dos Estados Unidos e da Europa. São elementos fundamentais no cenário. Por isso precisamos de uma solução para a crise deles, para que o resto do mundo escape. Há, de qualquer forma, outra perspectiva: os emergentes correm por fora, naquilo que podem, pois, nem somos uma ilha nem estamos completamente imunes. Temos de perceber, porém, que é necessário tocar a vida. O que seria correr por fora? Temos de continuar a crescer, tornar nosso mercado interno cada vez mais sólido, continuar em busca de informação e de parcerias.*
"Não dá para ficar tranquilos
diante de uma política
tão inconsequente
(por parte dos EUA)"
CC: Como?
DR: Uma das coisas importantes que estão acontecendo na América Latina é que hoje se entende melhor a necessidade da Unasul ( o conselho político dos países). Recentemente, tivemos uma reunião especial de Unasul em Lima, durante a posse de Ollantra Humala.
Naquela oportunidade reuniram-se os principais países. Por sugestão do Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, discutimos uma posição conjunta sobre o fluxo absurdo de dólares que tem nos afetado e uma estratégia comum para lidar com a questão, do ponto de vista financeiro e comercial. Considero algo extremamente relevante. Antes, nos anos 1990 e em parte dos anos 2000, a alternativa era fazer acordos de livre comércio com os Estados Unidos, na esperança de encontrar a “felicidade”. Mas hoje, diante da postura cada vez mais conservadora dos republicanos, o que se vê é que os EUA não aprovam os tratados de livre comércio. Os países da região mais alinhados com o pensamento norte-americano perceberam progressivamente que as oportunidades de integração estavam em outro lugar, que era preciso olhar para a América Latina. Atualmente, somos países com taxas de crescimento expressivas, com enorme potencial de integração e que podemos aproveitar, neste período, essas vantagens em benefício comum. E o mais interessante é que o debate não partiu de nós.

(...)

CC: Nossa relação com a China é ambígua. Em dados momentos parece virtuosa, em outros...
DR: Eu diria complexa, como todas as relações. No caso da China, estamos diante da possibilidade de ter uma relação mais intensa, comercial e financeira, e até a utilização das nossas moedas como denominadores das nossas transações comerciais. Acredito que temos de construir cada vez mais, e passo a passo, a nossa relação com a China. Em determinadas situações, temos de dizer para os chineses: “Não é assim que queremos”. Aliás, já dissemos isso: “Vocês são muito bem –vindos ao Brasil para fazerem o investimento que acharem oportuno”. Exemplo: a indústria automobilística, vocês são muito bem-vindos, só tem um pequeno problema, nós não queremos CKD (quando todas as peças são enviadas de outros países e o carro é apenas montado na fábrica, sem uso de uma cadeira produtiva). Como também eles não querem, acho que entenderam. O Brasil quer inovação, parceria e cadeias produtivas. Outro ponto com os chineses: o Brasil acha muito importante o que tem. Produzimos grande quantidade de alimentos, temos muitos minérios, há o petróleo. Mas não devemos ser encarados como uma nação “agro-minério-energético-exportadora”. Somos um pouco, ou melhor dizendo, bem mais complexos. Se quiserem uma parceria conosco, é preciso ter ciência, tecnologia e inovação.

(...)

CC: A senhora diz pretender tirar 16 milhões de cidadãos da miséria e melhorar a saúde. Nesse quadro, como fica a oferta de saneamento básico?
DR: O governo federal não tem como fazer as obras diretamente. Colocamos à disposição 40 bilhões de reais. Para quem? Devemos preferência às grandes concentração populacionais.
O que acontece é que são os estados que executam. Aqueles que possuem companhias de saneamento executam com mais eficácia. Quem não tem faz com menos eficiência. Os municípios às vezes não possuem recursos técnicos, mas a lei atribui a eles o papel de executor. Por isso passamos a destinar dinheiro para que as cidades façam os projetos. Mas conseguimos tocar algumas obras muito importantes, pensando, não só no saneamento, mas na gestão completa da água. Vamos construir, por exemplo, 750 mil cisternas no Semiárido nordestino, onde vivem 20 milhões de brasileiros. Só neste ano vamos construir 300 mil. Em paralelo, estamos erguendo barragens para que se possa usar no plantio e na produção. Vamos começar os ramais que serão abastecidos pela transposição do Rio São Francisco. Devemos acabar tudo em 2015. É o nosso cronograma.

CC: A senhora está satisfeita, feliz?
DF: Sou alegre, não sou deprimida. Depois de uma certa idade, passei e me contentar com algumas poucas coisas. Se eu puder ler... Hoje me lembrei que tinha ganhado um livro sobre um grupo de sete pintores canadenses. Tenho a impressão de que viveram no fim do século XIX, início do XX. Obras muito bonitas ( pede ao secretário particular que busque o livro). Ganhei do primeiro-ministro do Canadá. Olhem que beleza.
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Reportagem por Luiz Gonzaga Belluzzo, Mino Carta e Sergio Lirio
*Leia a íntegra da entrevista na edição 660 de CartaCapital nº 660 , 24 de agosto de 2011, nas bancas.

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