terça-feira, 30 de agosto de 2011

É o emprego

Antonio Delfim Netto*
O mercado promoveu um festival de grande volatilidade ("é na confusão que se ganha dinheiro!"). Criou uma enorme expectativa sobre o discurso que Ben Bernanke faria na conferência monetária anual que o Federal Reserve de Kansas City promove em Jackson Hole. Para todas as pessoas com razoável desconfiômetro, era claro que nada de muito importante poderia acontecer. Bernanke não decepcionou: apelou para o nosso velho conselheiro Acácio e mandou ver. Disse, enfaticamente, que diante da gravidade do problema, faremos o que tivermos de fazer!
Mas qual é esse problema que até agora ignorou os estímulos monetários e fiscais tomados a partir da crise de 2007/09? Depois de dois anos, e um cavalar esforço fiscal (que destroçou as finanças do país) e monetário, que salvou o sistema financeiro (cujos agentes produziram a crise e saíram alegres com gordos bônus sem serem incomodados), o problema nos EUA é dar emprego a 25 milhões de honestos trabalhadores desempregados ou fazendo "bicos". Isso se reflete na estabilidade das demandas de auxílio-desemprego, que se vê no gráfico abaixo.
"No fundo, os EUA enfrentam
um problema moral"
No fundo, os EUA enfrentam um problema moral. O sistema financeiro deveria mesmo ser salvo, mas não, necessariamente, os acionistas e administradores. É claro que os abusos do subprime (estimulados pela miopia do próprio governo e a conivência de suas agências) deveriam ter sido corrigidos com uma política diferente da que deu todo o poder aos bancos (que foram cúmplices no processo), para executarem as hipotecas. Como esperar uma recuperação do consumo com os cidadãos ameaçados de desemprego e sendo despejados de suas casas? Como esperar a recuperação dos investimentos sem perspectiva de aumento do consumo?
Infelizmente, o presidente Obama, ao cercar-se de assessores provenientes do velho incesto entre a academia e as finanças, desperdiçou seu capital político numa troca imoral: a salvação de desonestos banqueiros pelo desemprego de 25 milhões de cidadãos que viviam honestamente do seu trabalho.
É essa imoralidade que sustenta as maluquices do Partido Republicano, que deu forças à destruição civilizatória do movimento do Tea Party e aumentou a disfuncionalidade do sistema político americano. Bernanke reconheceu isso, com outras palavras, quando disse que o maior problema dos EUA, hoje, é a falta de seriedade e clareza da política fiscal e que "o país deveria estar servido por um processo melhor de decisões na área fiscal".
Aliás John Lipsky, vice-diretor-gerente do FMI, afirmou a mesma coisa em Jackson Hole, quando sugeriu que os maiores riscos para a economia mundial eram: 1) a falta de um plano de recuperação fiscal transparente, sério e percebido como exequível; e 2) a falta de confiança na capacidade política das autoridades (americanas e europeias) de controlarem a dívida pública.
Praticamente no mesmo dia em que Bernanke falava, o Bureau of Economic Analysis (BEA) dos EUA divulgava a primeira estimativa do crescimento anual do PIB, sazonalmente ajustada e anualizada, no segundo trimestre de 2011: apenas 1%, como se vê na tabela abaixo.
Quando comparamos a taxa de crescimento no segundo trimestre com a do primeiro, verificamos que a componente do consumo privado caiu (-1,17%), a do investimento cresceu (0,31%), a das exportações líquidas cresceu (0,43%) e a do governo (consumo mais investimento) cresceu (1,05%). Basicamente, a pequena recuperação do PIB se deveu à redução da componente demanda privada.
 Bernanke deixou ainda no ar uma possibilidade de que possa adotar, no futuro próximo, novos estímulos, "porque o Fed tem uma série de ferramentas que podem ser usadas para dar maior estímulos monetários". Acabou fazendo um teatro que vai dar energia à volatilidade dos mercados. Deu a entender que a próxima reunião do Federal Open Market Committee (Fomc) será de dois dias (20 e 21 de setembro), para analisar e propor novas medidas. Temos agora mais um mês para bons "rumores" e alta volatilidade.
Talvez dois fatos importantes emergirão: 1) que a disfuncionalidade do Congresso americano é um problema basicamente político (como se viu na aprovação do aumento do endividamento do Tesouro) ligado às eleições de 2012 e não será superado, a não ser depois delas; e 2) que o problema só poderá ser resolvido com um programa de aceleração do crescimento com ênfase na recuperação do emprego. Isso, seguramente, não ocorrerá com uma política fiscal tímida e mal focada. É preciso recuperar a confiança dos trabalhadores, para que aumentem seu consumo, e dos empresários, para que aumentem os seus investimentos.
----------------------------------------
* Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
Fonte: Valor Econômico on line, 30/08/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário