terça-feira, 16 de agosto de 2011

Apenas seis palavras para explicar uma grande questão

Lucy Kellaway*

Toda semana, quando escrevo esta coluna, escolho um tema e tento fazer justiça a ele em cerca de 800 palavras. Esta semana vou fazer as coisas de uma maneira um pouco diferente. Meu tema é algo que já abordei - porque fazemos os trabalhos que fazemos -, mas o número de palavras encolheu. Tenho apenas seis palavras para dar conta do recado.
Estou me limitando desse jeito em resposta a uma competição promovida pela consultoria Mercer e a revista "Smith", que convida as pessoas a escrever histórias em seis palavras com o título "Por que eu faço o que faço". Gosto da ideia. Às vezes é bom imaginar o que mantém você em seu emprego e o limite rígido de palavras elimina a pretensão e as besteiras.
Portanto, sentei-me à mesa e passei um tempo mordiscando a caneta. Por que eu faço o que faço? Após uma pequena crise que tal pensamento profundo inevitavelmente desencadeia, e após um exame de consciência e da bolsa, elaborei o seguinte texto: "Dinheiro, reconhecimento, fofoca, liberdade, satisfação, júbilo".
Minhas seis palavras estão longe de serem perfeitas, mas não fiquei insatisfeita com elas, pois são honestas e atacam todas as frentes. Talvez "júbilo" seja forçar um pouco, mas não consegui escrever "diversão" por soar muito banal. Mesmo assim, por alguma razão inexplicável, acabei não vencendo a disputa. Em vez disso, os prêmios foram concedidos para: "Chocolateiro amador, a vida mais doce" e "Porque ideias brilhantes morrem sem encorajamento".
A única coisa que esses textos têm a mais que o meu é um melhor fluxo narrativo. O primeiro é um slogan barato com uma palavra faltando e o segundo é uma história comovente. Fiquei embaraçada com a impossibilidade de ser pretensiosa em seis palavras. Fiquei especialmente desapontada ao descobrir que a mulher que escreveu "Porque ideias brilhantes merecem encorajamento" é uma consultora de carreiras da Oxford University. Eles não eram assim na minha época.
"Um trabalho apenas difícil é cansativo demais,
um trabalho que é apenas fácil é muito chato.
O equilíbrio certo é o que torna um
bom emprego tão especial."
Naquele tempo, eles faziam o que faziam por outras seis palavras: apresentar diplomados mimados ao mundo real. Dei uma espiada em alguns dos outros textos apresentados e descobri que os jurados deixaram passar algumas pérolas. Gostei de "Após 38 anos, ainda estou inseguro", mas meu favorito foi "tick, tick, tick, tick, tick, tick". Isso é simples, elegante, funciona em muitos níveis e eu gostaria de ser suficientemente 'zen' para tê-la escrito eu mesma. Trata-se de um relógio em funcionamento, marcando um dia de trabalho. Representa a repetição que é grande parte de todos os trabalhos; também sugere que seis lacunas (de um teste, por exemplo) estão sendo assinalados, de modo que fica a cargo do leitor decidir o que o texto representa.
Fora isso, os demais textos concorrentes são terríveis. "Desejo: ser uma parte da solução." "Oportunidades para alcançar outros. Profundamente. Espiritualmente." "Trabalho é paixão. Paixão é trabalho." Essas pessoas estão brincando? Que admirável mundo novo é esse? Após passar meia hora vasculhando essas besteiras, uma história em quatro palavras se formou em minha mente: "Pegar saco de vômito".
Na esperança de conseguir algo melhor, criei minha própria competição, convidando colegas a escrever suas próprias histórias curtas sobre o mesmo tema. Eles se dedicaram à tarefa com zelo - embora a maioria tenha recorrido ao cinismo jornalístico. "Medo e ambição, como todo mundo", disse um colega. "Não pude conseguir um emprego melhor", disse outro, enquanto um terceiro mandou: "Sem canal de esportes em casa".
Outro tema popular foi o trabalho enquanto fuga. Uma mãe de três filhos escreveu com o coração: "Maneira de ficar longe das crianças". Outra foi mais elaborada: "Vicissitudes diárias convenientemente absorvem problemas duradouros." Tive que pensar sobre o que ela quis dizer com isso, mas apoio o sentimento de todo o coração. Também concordo com a versão ainda mais sombria: "Para amortecer os tambores do demônio".
Após muita deliberação, escolhi três vencedores que acredito terem sido certeiros de maneiras diferentes, além de surpreendentes e profundos. O primeiro é "Tentei um banco, mas não gostei". Adorei essa história. Tem um grande enredo. Também está certíssima ao afirmar que muitos de nós (eu inclusive) acabamos fazendo certas coisas porque outras não deram certo.
O segundo prêmio aponta para algo mais profundo. "Encontrar melhor versão de mim mesmo." Isso diverge corajosamente do clima atual. Após o escândalo dos grampos ilegais, acredita-se que o jornalismo está onde você vai para descobrir uma versão pior de si mesmo. Mas o texto que eu mais gostei foi "Porque é difícil e também fácil". Essas seis palavras são estranhamente profundas. Um trabalho apenas difícil é cansativo demais, um trabalho que é apenas fácil é muito chato. O equilíbrio certo é o que torna um bom emprego tão especial.
Caso você não tenha arriscado a escrever sua própria história em seis palavras, eu gostaria de apresentar uma outra minha, inspirada pelas experiências que tive no trabalho esta semana. Por que eu faço o que faço? "Colegas me fazem pensar e rir."
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*Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
Fonte: Valor Econômico on line, 15/08/2011
Imagem da Internet

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