domingo, 14 de agosto de 2011

O OLHAR

Rubem Alves*

Imagem da Internet
Van Gogh tem uma delicada tela que representa esta cena: o pai, jardineiro, interrompeu seu trabalho, está ajoelhado no chão, com os braços estendidos para a criança que chega, conduzida pela mãe. O rosto do pai não pode ser visto. Mas é certo que ele está sorrindo. O rosto-olhar do pai está dizendo para o filho: “Eu quero que você ande”. É o desejo de que a criança ande, desejo que assume forma sensível no rosto da mãe ou do pai, que incita a criança ao aprendizado dessa coisa que não pode ser ensinada nem por exemplos nem por palavras.
Segundo Nietzsche, a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. É através dos olhos que as crianças tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo. Os olhos têm de ser educados para que a nossa alegria aumente. As crianças não veem “a fim de”. Seu olhar não tem nenhum objetivo prático. Veem porque é divertido ver. Alberto Caeiro sabia tudo sobre o olhar das crianças.

O rosto do professor revela ao aluno
o segredo do seu olhar.

Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu. O educador diz: “Veja!” – e, ao falar, aponta. O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu. O seu mundo se expande. Ele fica mais rico interiormente. E, ficando mais rico interiormente, ele pode sentir mais alegria e dar mais alegria – que é a razão pela qual vivemos.
Já li muitos livros sobre psicologia da educação, sociologia da educação, filosofia da educação, didática – mas, por mais que me esforce, não consigo lembrar de qualquer referência à educação do olhar, ou à importância do olhar na educação, em qualquer um deles.
“O sentido está guardado no rosto com que te miro” (Cecilia Meireles). Não te miro com os meus olhos. Eu te miro com o meu rosto. É o rosto que desvenda o mistério do olhar. O rosto da mãe revela à criança o segredo do olhar. E o rosto da criança revela à mãe o segredo do seu olhar. O rosto do professor revela ao aluno o segredo do seu olhar.
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*Teólogo. Escritor. Pedagogo. Poeta. Ensaísta. Acadêmico.
Fonte: Do livro: ALVES, Rubem. Do universo à jabuticaba. SP, Ed. Planeta do Brasil, 2010, pág.231/232.

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