segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Influência das mães

L. F. VERISSIMO*

Ainda não se deu a devida importância à influência das mães e suas lições de higiene na história do mundo moderno.
Passamos a infância ouvindo que não havia nada mais sujo do que dinheiro. Depois de tocar uma nota que andara por mãos desconhecidas, acumulando micróbios, devia-se ir correndo lavar as nossas. Botar a mão na boca depois de tocar em dinheiro e antes de lavá-la era morte certa. O resultado é que o dinheiro está em vias de extinção. Foi substituído pelo cartão de crédito, cuja principal vantagem é que, sendo de plástico e pessoal, circula menos pelo terrível mundo das bactérias e dos dedos que ninguém sabe onde andaram (grande terror das mães). E estamos chegando ao ideal que nenhuma mãe previu, nem nos seus sonhos mais antissépticos: o dinheiro transformado em impulso eletrônico. O dinheiro que cruza o éter de computador a computador, sem jamais ser tocado pelo maior inimigo do homem, ou do filho, que é a mão dos outros.
Outra grande ameaça de contágio era corrimão de escada. Saíamos de casa com ordens expressas de não tocar em corrimão de escada. Entre rolar escada abaixo e segurar no corrimão devia-se optar pela queda. Fraturas pelo menos se viam, enquanto os micróbios agiam em segredo. Resultado: inventaram a escada rolante. Outro triunfo das mães.
Mas terror mesmo, tema de histórias assustadoras com exemplos gráficos inesquecíveis do que podia acontecer, era tampa de privada. A princípio, devia-se evitar banheiros públicos. Se a necessidade de usá-los fosse inadiável, devia-se tomar precauções. As meninas recebiam instruções minuciosas do que fazer no caso de não haver alternativa ao banheiro público. Deviam forrar o assento da privada com papel ou, melhor ainda, equilibrar-se alguns centímetros acima da tampa, sem tocá-la, e confiar na pontaria. Sob pena de, nos casos mais graves, até ficarem grávidas. Resultado: o travesti. O travesti foi a maneira que a Natureza encontrou de tranquilizar as mães, desenvolvendo a mulher que faz xixi de pé.
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* Jornalista. Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 15/08/2011
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