No domingo, 9 de outubro, faleceu um dos últimos heróis do lendário episódio da Legalidade, que, em 1961, depois da renúncia de Jânio Quadros, garantiu a posse de João Goulart na presidência da República. Edio Erig foi o homem que, na Base Aérea de Canoas, interceptou a ordem de bombardeamento do Palácio Piratini, onde o governador Leonel Brizola, cunhado de Jango, comandava a resistência. Os ministros militares de Jânio não queriam a posse de Goulart, sob alegação de que era comunista, estando em viagem à China. Diante da rebelião comandada por Brizola, ordenou-se um inimaginável ataque aéreo ao palácio do governo.
Édio Erig não se via como herói. Garantia que agira por senso de responsabilidade. Estava na sala do Oficial do Dia, ocupado com detalhes do rancho, quando a ordem chegou. Abismado, levou a mensagem para seus colegas, que se encontravam aquartelados. A revolta foi imediata. Os mecânicos depois sabotariam os aviões para que não pudessem decolar.
“Fiz o que a consciência me mandou. Se a ordem tivesse chegado antes ao comandante outro poderia ter sido o destino. Nós não queríamos que inocentes morressem no Palácio Piratini. Quanta gente seria atingida! Uma comissão foi ao palácio comunicar que não haveria bombardeio. Pagamos prisão pela nossa rebelião. Em 1964, com o golpe, fui transferido para Belém. Lá, fui expulso da aeronáutica. Colegas fizeram uma vaquinha para eu ter passagem de volta. Só depois da anistia é que recuperei direitos.”
Em meu livro “Brizola e as vozes da Legalidade”, já com onze edições, narrei a visita de uma comissão ao governador Brizola: “A infantaria da Base instala metralhadoras ponto 50 numa das cabeceiras de pista de voos e sacos de areia: ‘O objetivo era o de danificar os trens de aterragem no momento em que os aviões tomassem o ar’, explica Norberto Silveira, que não esquece de anotar: ‘O tenente-coronel Alfeu Monteiro, em 1964, veio a ser a primeira vítima fatal do golpe, assassinado covardemente por ter mantido seus princípios’. O sargento Nei Calixto, primo de Brizola, é introduzido no gabinete do governador, junto com os colegas Álvaro Moreira de Oliveira, Édio Erig e Moacir Paluskewski, pelo agitado major Emílio Neme”. Homens de muita coragem e de determinação.
Entrevistei Édio Erig uma vez no Esfera Pública, na Rádio Guaíba. A última vez foi por ocasião dos 60 anos da Legalidade. Pouco tempo depois, ele me comunicou a morte de outro herói de 1961, o seu amigo José Wilson da Silva, conhecido como o “Tenente Vermelho”, apelido que dá título ao livro que escreveu sobre sua luta contra a ditadura. Wilson foi assassinado a tiros na sua residência. Eram homens de uma época de lutas encarniçadas, de rebeliões cinematográficas, de confrontos armados, golpes, punições severas e lutas que nunca terminavam. Erig merecia ter recebido as maiores condecorações do Estado do Rio Grande do Sul. Herói discreto, morreu no anonimato. Aos 91 anos, tinha muitas histórias para contar, nas quais não se dava o grande papel que teve. Grande homem.
*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário
Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-edio-erig-heroi-discreto/?utm_source=Assinantes&utm_campaign=cbaeca81b2-
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