Luiz Martins da Silva*
Passou no
Senado e está na Câmara um projeto de lei em favor de quem se sentir
injuriado, difamado ou caluniado pela mídia. Trata-se, finalmente, de se
regulamentar o que já assegura a Constituição Federal, no seu Artigo
5º, Inciso V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Como
se trata do próprio Poder Legislativo, desta vez, dificilmente o lobby
das grandes corporações de mídia conseguirá, como de costume, carimbar a
iniciativa como sendo mais “um atentado à liberdade de imprensa”,
chantagem utilizada mesmo quando o Congresso baniu da TV aberta a
publicidade de cigarros.
Perdeu tempo a Associação
Nacional de Jornais (ANJ) de não ter levado à frente uma proposta que em
seu seio já lograva consenso há vários anos, que era a de se criar para
a imprensa brasileira saída semelhante ao Conar (Conselho Nacional de
Auto-Regulamentação Publicitária), com o seu respectivo Código
Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, mecanismo que assegura
amplo espaço para a solução consensual de queixas e idêntica
oportunidade de defesa do acusado.
Mesmo uma solução
nos moldes do Código de Defesa do Consumidor seria mais amena do que o
império de um sistema que possa resvalar para a chamada “indústria da
indenização”, isto porque as reparações previstas nesse modelo decorrem
sempre de negociações entre as partes – intermediadas pelos Procons – e
nunca podem ser arbitradas acima do valor original do produto, bem ou
serviço em causa (acrescido de correção inflacionária). É verdade que o
serviço noticioso da imprensa não pode ser confundido com simples
mercadoria e que é muito complexo traduzir em cifras um dano moral.
Em
termos de “imaginação sociológica”, a Universidade de Brasília, por
meio de um projeto de extensão intitulado “SOS-Imprensa” já havia
projetado um “Procom da Mídia”, de autoria da então bolsista de
iniciação científica, Rachel Librelon, hoje jornalista atuando no
mercado. Isto foi há mais de uma década, quando ainda existia alguma
chance de o Brasil ter um Conselho Nacional de Comunicação (efetivo e em
favor da sociedade), fórmula adotada em numerosos países, ou, quem
sabe, uma Ouvidoria Pública de Imprensa, como funciona no Uruguai.
O
fato é que o equilíbrio entre Liberdade e Responsabilidade nunca foi
bem entendido no Brasil. De um lado, responsabilizações penais por algo
civil (a imprensa é um espaço público que viabiliza uma esfera pública
numa sociedade democrática e plural). De outro, empresas que sempre
confundiram liberdade de impressão (print) com liberdade de expressão
(speech) e de opinião (press). Resultado, o pior possível, como
sentenças judiciais, em alguns casos maiores do que o valor integral dos
negócios do réu, leia-se: a falência como condenação.
"Há, nos Estados Unidos, uma anedota
de que teriam escrito na
cédula monetária
a expressão In God we trust
(Acreditamos em Deus), com
vergonha de escrever
In gold we trust (Acreditamos no ouro).
Convertem
no vil metal os chamados crimes
de honra: injúria, difamação e calúnia."
Se
herdamos do modelo anglo-saxão a mentalidade de que a imprensa é um
poder fiscal, possivelmente trazemos da mesma origem o cacoete de que
reputação pode ser traduzida em dinheiro. De fato, imagem é um direito
que equivale a um bem e a um patrimônio, mas imateriais. Simbólicos,
diga-se. Há, nos Estados Unidos, uma anedota de que teriam escrito na
cédula monetária a expressão In God we trust (Acreditamos em Deus), com
vergonha de escrever In gold we trust (Acreditamos no ouro). Convertem
no vil metal os chamados crimes de honra: injúria, difamação e calúnia. E
é bom aproveitar-se a oportunidade para traduzi-los. Em geral, os
advogados pedem recompensas pelos três, conjuntamente. No entanto,
injúria é ofender ao decoro (xingamentos, preconceitos, depreciações
etc); difamação é difundir má fama (atingir, por exemplo, a reputação
profissional de alguém); e calúnia, o mais grave deles, é imputar
falsamente crime a alguém. De qualquer forma, lá, nos EUA, a preferência
é pela reparação em dinheiro, quando, na verdade, direito de resposta é
direito de defesa, com réplica de autoria do próprio ofendido. A
indenização financeira seria reservada para situações em que o dano
moral implicou prejuízos materiais.
Com o banimento
da velha Lei de Imprensa, quase sempre acompanhada da alcunha de
“entulho autoritário”, desregulamentou-se o direito de resposta nela
contido. Na lacuna de uma regulamentação constitucional atualizada, o
assunto gravitou automaticamente na direção do Código Penal e da mercê
da arbitragem judicial, cara e lenta. E com o risco de prevalecerem
penas arrasadoras ou, de acordo com o libertarismo do juiz, um vale-tudo
em nome da liberdade, em nome da qual adoramos encher a boca com
expressões do tipo “A liberdade é um valor absoluto”. A mesma epígrafe
não tem valido para outro valor igualmente elevado: a responsabilidade.
Honra
se repõe com honra e no espaço onde ela foi arranhada ou destruída: o
espaço público. Liberdade e responsabilidade; ofensa e reparação.
Ocorre-me, aqui, um episódio em que um direito de resposta (matéria de
capa de uma revista de âmbito nacional) veio a ser publicado vários anos
depois da reportagem, quando o ofendido já era morto. Até o momento,
direito de resposta é, em geral, tarefa de advogados e em juridiquês,
linguagem totalmente diferente do texto que o público massivo
compreende. Em síntese, o público guardará para sempre a versão
injuriosa-difamatória-caluniosa, já que nada entendeu da “resposta”
jurídica e anacrônica.
--------------------------------------
* Luiz Martins da Silva é
jornalista e professor da Faculdade de Comunicação, da Universidade de
Brasília. Mestre em Comunicação pela UnB e doutor em Sociologia pela
Universidade Nova de Lisboa. Coordena o projeto SOS Imprensa da FAC/UnB.
Como jornalista, atuou no Jornal de Brasília, no O Globo e na revista
Veja, entre outros. Atuação e pesquisa nas áreas de jornalismo,
jornalismo público, comunicação pública e comunicação, ética na
comunicação e mobilização social. É poeta com vários livros publicados.
Últimas publicações: "O jornalismo como teoria democrática" e
"Information, Communication and Planetary Citizenship".
Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=497
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário