S.Paulo
já tem 50 shoppings e 420 condomínios enclausurados. Atingem vida
saudável
e própria noção de gentileza.
Não são inevitáveis
Por Guilherme Zocchio
O
primeiro condomínio fechado em São Paulo data de 1973, no bairro do
Morumbi, zona oeste da cidade. De lá para cá, a metrópole foi o
território ideal para a proliferação desses enclaves fortificados e dos shopping centers.
Além de isolarem os cidadãos do usufruto dos espaços públicos, estes
recintos distorcem a própria noção do que é o espaço urbano e prejudicam
a convivência nas cidades.
Para
o arquiteto e urbanista Ciro Pirondi, um dos fundadores da Escola da
Cidade, criticar a vida em condomínios fechados é fundamental, uma vez
que a existência deles afeta a noção de que “a casa só existe enquanto
um pensamento real na dimensão de sua cidade”. Isto é, segundo ele, a
residência deve ser entendida desde as suas condições anteriores, como o
fornecimento de energia elétrica, a existência de serviço de saneamento
básico e a própria ligação aos demais elementos de uma cidade: é
unidade inseparável de um todo urbano. “Essa dimensão é fundamental de
começarmos a pensar se a casa é só o abrigo, ou também um bem coletivo
do qual usufruo”, explica.
A
partir da década de 1980, a multiplicação de enclaves fortificados
avançou em São Paulo. A febre de moradias em edifícios e grandes lotes
fechados foi tão forte que muitos outros prédios, cuja concepção inicial
era a de integração com o espaço público, também passaram a se fechar.
Entre os motivos para tanto estavam, desde então, as fortes campanhas de
marketing, associando a vida nesses lugares com um ideal de felicidade,
por um lado; e, por outro, a histeria diante da violência
metropolitana, propagandeada ad nauseam pelos meios de comunicação e análises simplórias e sensacionalistas.
Há
também uma série de teses defendendo que a falta de organização em São
Paulo tenha sido a responsável pela multiplicação desenfreada dos
condomínios fechados. Até 2013 a cidade deve contar com mais de 420
edificações do tipo, segundo levantamento da empresa Lello Condomínios. O
urbanista Pirondi, porém, reage a este argumento citando o arquiteto
Paulo Mendes da Rocha, que dizia, provocador: “prefiro tomar um tiro, se
precisar viver blindado, dentro de um condomínio”.
Além
disso, Pirondi sustenta que o “mito da segurança” é o que alimenta a
proliferação de shoppings e condomínios fechados na cidade. “Criou-se o
mito da insegurança para vender a indústria da segurança”.
"...a cidade fechada em condomínios e shoppings lembra
aquilo que o escritor português José Saramago apontava, em O Ensaio sobre a Cegueira,
sobre uma sociedade que perdeu a bondade e generosidade."
Fugir e vigiar: É
inevitável comparar a opção de viver em espaços enclausurados ao que o
filósofo francês Gilles Deleuze chamava de sociedades de controle.
Diferente do apontado por outro pensador, Michel Foucault, sobre as
sociedades disciplinares, Deleuze mostra outra configuração social a
partir do fim da década de 1980. As sociedades disciplinares retiravam
do espaço público, desde a época medieval, os tipos considerados
indesejáveis. Leprosos, deficientes mentais, aleijados e miseráveis eram
jogados em locais confinados onde, através da dor e da disciplina,
seriam ajustados à conduta daquelas sociedades.
Já
nas sociedades de controle, as próprias pessoas esvaziam o espaço
público, para exercer nele a total vigilância. Cada indivíduo, com
receio do outro, está a controlar a conduta de quem está próximo,
através dos mais diversos aparatos tecnológicos e da restrição
consciente das liberdades — o símbolo principal é a câmera de segurança.
A isso somam-se decisões próprias, por busca de estranhos prazeres,
tais como comprar apartamento em determinado conjunto residencial,
porque lá se promete uma vida segura, vigiada por câmeras, e tranquila,
controlada em regras estabelecidas por pessoas com o mesmo poder
aquisitivo.
Usando
um exemplo exagerado, mas ilustrativo, Pirondi propõe: “Imagine um
menino que nasceu num condomínio privado, como Alphaville. Nasce no
hospital de lá, estuda na escola de lá, frequenta os clubes de lá.
Quando sai, é para pegar um avião, ver o Mickey e voltar. Um belo dia,
esse belo rapaz ou moça entra [na Faculdade de Direito da USP] no Largo
de São Francisco e sai da boca do metrô e encontra o traficante. Ele
enlouquece. Ou vira um louco, ou foge”.
Alternativas: Embora
se assista à expansão dos enclaves fortificados e dos shoppings (mais
de 50, em toda a cidade), resistem edifícios que articulam a vida em
condomínio com o espaço público paulistano, e demonstram o possível
convívio social entre os diferentes. São casos como o do conhecido
edifício Copan, próximo à Praça da República, e do Conjunto Nacional, no
cruzamento da av. Paulista com a rua Augusta.
“Este
convívio, que parece tão simples, implica uma responsabilidade social
na construção da cidade muito maior do que podemos imaginar”, diz Ciro
Pirondi. Para ele, a cidade fechada em condomínios e shoppings lembra
aquilo que o escritor português José Saramago apontava, em O Ensaio sobre a Cegueira,
sobre uma sociedade que perdeu a bondade e generosidade. Todos, sem
exceção, tornaram-se vítimas de uma cegueira branca. “Antes de urbanismo
tem que existir urbanidade. Você precisa gostar dos outros, querer bem à
sua vizinha”, pensa Pirondi.
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Fonte: http://www.outraspalavras.net/2012/03/28/
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