Integrante
de uma das Turmas Recursais dos Juizados Cíveis do RS, o juiz Afif
Jorge Simões Neto está deixando Porto Alegre para se classificar na
comarca de Santa Maria.
Faz o sentido inverso, porque sempre achou a capital um amontoado inóspito e desfavorável aos que são do interior.
Afif
vai ocupar a vara onde, em junho de 2011, a Advocacia enfrentou um
problema pontual, depois que um magistrado afixou, na sala de audiências
o quadro da "vaca Litigation".
No artigo a seguir, Afif conta sua opção por uma melhor qualidade de vida.
magistrado
O que pode querer da vida aquela garça tão branca no meio do arroio tão imundo? Pára, olha para um lado, bate as asas para outro, dá uma passada rente ao sumo do pequeno caudal, interrompe o voo e volta ao mirante sombreado por um salso-chorão, limpando o negrume do bico nas penas, a cada retorno de revoada.
Um resto de bando navega baixo e arrogante, seguindo o canal da sanga rumo ao Guaíba, arrancando folhas da grimpa do jacarandá lindeiro ao seu posto de observação.
Ela bem que poderia seguir a parentalha, estar longe do Dilúvio de águas podres, enfeitadas por garrafas de plástico e pneus velhos. Ali não tem mais peixe ou qualquer outra espécie de alimento que lhe reduza a fome. Embaixo daquele líquido gosmento ninguém mais respira, ninguém mais pulsa.
Ainda assim, com toda a liberdade dada por Deus em forma de pluma, prefere ficar pela volta, caminhar paciente, olhar plácido, buscando sabe-se lá quais intentos.
Pois desse jeito me sinto nesta cidade enorme e de alma tão perdida. Procuro-me com uma frequência cada vez mais intensa, mas não consigo me localizar no mapa abstrato de um povo disforme e atônito. Por dentro, uma tentativa de fuga, um apelo de menino que perdeu os seus brinquedos levados pela enchente. Pelo lado de fora, uma aparência resignada, um grito tampado.
Mas pouca importância se me dá de tal desassossego. Um dia, seguindo o apito do velho trem fumador de palheiro que se movimenta ao longe, batendo os tamancos, voltarei para a minha aldeia, para o meu açude envidraçado que, de tão azul, parece feito de céu.
E aí a garça do Arroio Dilúvio será minha convidada para mudar de pesqueiro. Com direito a escolher abrigo e canhada e a ter um ribeiro só para ela. Quando avistar algum taquiri garboso voejando rumo à Capital, dirá em versos, batendo com a asinha no peito: “Agora sou dona do ninho que eu mesma fiz. Passeia nos matos vizinhos mais um pássaro feliz”.
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Fonte: http://www.espacovital.com.br/23/03/2012
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