Antonio Delfim Netto*
Com as
recentes medidas tomadas pelo Copom, tem havido uma salutar discussão
entre os economistas brasileiros sobre a natureza e a qualidade da
política monetária que ele está implementando. De um lado, o avanço mais
notável é o aumento dos cuidados de alguns participantes com relação às
posições ideológicas apoiadas na religiosa devoção às misteriosas
"forças" do mercado. De outro, é o aumento da desconfiança dos que
acreditam que o Estado é habitado por seres privilegiados, para os quais
a incerteza essencial do futuro é suspensa pela onisciência que aquele
lhes confere.
Ninguém hoje, nem os mais extravagantes libertários (a não ser os
candidatos do Partido Republicano nos EUA!), propõe o fim dos bancos
centrais ou defendem sua "independência" da política. E por três
motivos: 1) porque seria um escândalo o poder incumbente eleito por
dezenas de milhões de votos entregar o destino dos seus cidadãos a uma
dúzia de supostos portadores da "verdadeira" (inexistente) ciência
monetária; 2) porque mesmo com poderosos instrumentos econométricos, não
foi possível provar de forma convincente que os bancos centrais
"independentes" produzem menor taxa de inflação (e maior bem-estar),
pela simples e boa razão que hoje sabemos: o conjunto dos bancos
centrais "realmente" independentes é vazio; e 3) porque a profissão, a
despeito de suas múltiplas "escolas", introjetou a verdade expressa pelo
competente economista, professor Alan Blinder, vice-chairman do Board
do Fed, de 1994 a 1996, no último parágrafo do seu extraordinário livro
"Central Banking in the Theory and Practice" (The MIT Press, 1998): "...
o banco central moderno deve assumir sua independência dos mercados
financeiros tão vigorosamente quanto deve fazê-lo com relação ao poder
político".
O livro de Blinder é resultado de palestras proferidas em 1996. Hoje,
15 anos depois, continua no estado da arte. Na página 22, nos informa
que "trabalhando em sua reclusão universitária, Tinbergen, Theil,
Brainard e outros ensinaram valiosas lições abstratas, que têm uso
prático e direto nos bancos centrais"... "entretanto não dão respostas
às suas questões centrais e suas técnicas não podem ser aplicadas
mecanicamente. O mundo é muito mais complicado do que elas supõem.
Portanto, deve haver arte e ciência na ação dos bancos centrais, mas a
ciência é útil. Pelo menos foi o que aprendi no Board do Fed".
Com relação às contribuições teóricas que em condições especiais
permitem determinar uma "política monetária ótima", da qual se deduz a
regra pedestre que, com um único instrumento (a taxa de juros de curto
prazo), pode-se controlar apenas um objetivo (a taxa de inflação), o
pensamento de Blinder é muito crítico.
"O que está errado com essa estrutura" pergunta ele? (página 4). A
resposta é "nada e tudo"! E passa a enumerar a lista de objeções à
simplicidade do modelo. "Exceto pelos instrumentos da política monetária
que você controla, você tem de aceitar a economia como ela é. Você tem
múltiplos objetivos - os seus e os ditados pelo poder incumbente - e
deve ponderá-los de alguma forma..."
Blinder é cético com relação ao próprio conceito e à estimativa da
"taxa de juros neutra", definida como "a taxa de juros real de curto
prazo que é consistente como uma taxa de inflação constante" (página
50).
"O controle monetário, afinal de contas,
é uma arte imprecisa"
Um dos pontos altos do livro de Blinder é a análise que ele realiza
da proposição demonstrada por Brainard (1967). Este sugeriu que, em
condições adequadas dentro do modelo simples acima referido, quando há
incerteza sobre os parâmetros do modelo (o que sempre há), o formulador
da política monetária deve computar a "taxa de juros ótima", mas fazer
um pouco menos, isto é, ser mais "conservador".
Com isso, potencialmente, ele reduz a variança do PIB. Com relação a
essa norma, Blinder é enfático (página. 12) "Minha intuição é que a
regra é mais geral, ou pelo menos mais sábia, no mundo real, do que
sugere sua matemática. E eu espero que seja assim, pois nunca a tive
longe de meu pensamento enquanto fui vice-chairman do Fed."
Alan Blinder esteve no Brasil em maio de 2001, a convite do Credit
Suisse First Boston (CSFB). Em palestra em São Paulo, afirmou que "as
longas (e variáveis) defasagens entre decisões sobre a política
monetária e seus efeitos na economia, estão entre os principais fatores
que tornam difícil, na prática, determinar a reação retardada das taxas
de juros de longo prazo às variações das taxas de curto prazo"... e
acrescentou que "o controle monetário, afinal de contas, é uma arte
imprecisa".
Nos últimos 15 anos, os economistas não se cansaram de explorar as
consequências da regra de Brainard e suas limitações. A maior prova
desse fato é o extraordinário e interessantíssimo artigo de Gadi Barlevy
("Robustness and Macroeconomic Policy", na Annual Review of Economics,
vol. 3, 2011), onde se explora e critica uma nova forma de enfrentar o
problema da incerteza sobre os parâmetros com a adoção do comportamento
"mini-max", ou seja, minimizar a perda máxima que as políticas
monetárias podem impor à sociedade. A conclusão importante é que a nova
norma "não contraria, essencialmente, a regra de atenuação descoberta
por Brainard", que parece ter sido levada em conta na última decisão do
Copom.
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* Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP,
ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às
terças-feiras
Fonte: Valor Econômico on line, 28/03/2012
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