Fernando Reinach*
Eles começaram a furar em 1990. No dia 5 de fevereiro de 2012, às
22h25, os cientistas terminaram. A sonda havia atingido água líquida.
Era o Lago Vostok, localizado 3.769,3 metros abaixo da estação
científica russa na Antártida. Mas o tempo para comemorar foi curto, no
dia seguinte os cientista tiveram de partir. Com a chegada do inverno, 6
de fevereiro era o último dia em que um avião ousava pousar no Polo Sul
antes da chegada do inverno.
A estação Vostok é considerada o ponto mais frio do planeta. Ela fica
próxima do Polo Sul magnético, a 1,3 mil quilômetros do Polo Sul
geográfico. Foi instalada em 1957 e, desde então, durante o verão
(temperatura média de -32°C) é habitada por 25 cientistas. Durante o
inverno (temperatura média de -68°C), 13 coitados ficam tomando conta. A
estação fica a quase 3,5 mil metros de altitude e o vento sopra
constantemente. No dia mais frio, a temperatura chegou a -89,2°C. A
estação brasileira, que pegou fogo recentemente, localizada no nível do
mar e na costa de uma península, é um paraíso tropical quando comparada à
Vostok.
Em 1972, medidas feitas com um radar instalado em um avião
confirmaram a suspeita de que embaixo daquela calota de gelo de mais de 3
km de espessura havia um lago com água líquida. Apesar do frio, a água
permanece líquida por causa da pressão da calota de gelo e do calor
vindo do centro da Terra.
Estudos geológicos feitos nos anos seguintes determinaram que o Lago
Vostok provavelmente foi isolado por uma camada permanente de gelo, há
mais de 15 milhões de anos. Foi nessa época que o grupo dos hominídeos
(que inclui todos os macacos e os humanos) surgiram no planeta. Só 14
milhões de anos depois da formação do lago isolado os humanos
apareceriam na África.
A possibilidade de existir um ambiente isolado de todo o resto dos
ecossistemas do planeta por mais de 15 milhões de anos aguçou a
curiosidade dos cientistas. Será que existe vida no Lago Vostok? De que
tipo? Bactérias, outras formas de vida desconhecidas ou já extintas no
resto do planeta? O único jeito de descobrir era cavar um furo e chegar
lá.
Dúvidas. Nos primeiro dois anos o progresso foi rápido, 2,5 mil
metros. Mas em 1998, quando os cientistas conseguiram chegar aos 3,5 mil
metros, muitos começaram a questionar se esse projeto não poderia
contaminar o lago isolado com seres vivos vindos do mundo exterior. Uma
enorme polêmica envolvendo ambientalistas, biólogos e geofísicos tomou
conta da comunidade científica. Os realmente paranoicos argumentavam que
existia o risco de os seres vivos do Lago Vostok (se existissem)
invadirem os ecossistemas da superfície. Seríamos todos destruídos por
esses seres estranhos?
Essa discussão paralisou o projeto por cinco anos. Quando o furo foi
retomado, rapidamente os cientistas chegaram a 3,7 mil metros, mas aí a
broca ficou travada. Foram dois anos para resolver o problema. Em 2009, a
perfuração foi retomada. No início de 2011, como contei aqui na coluna,
os cientistas anunciaram que estavam a poucos metros do lago, mas o
inverno chegou e os trabalhos foram paralisados.
Agora, finalmente eles chegaram lá. Os metros finais foram perfurados
utilizando calor e um líquido de silicone para garantir a esterilidade
do poço. Quando finalmente atingiram a água líquida, a pressão fez a
coluna de liquido subir quase 30 metros. Uma pequena quantidade de água
foi coletada do fundo do poço, mas ela veio contaminada com líquido de
perfuração. Pouca informação pôde ser obtida (um vidrinho foi dado para o
presidente Putin).
Agora, vamos ter de esperar mais um ano. No próximo verão, os
cientistas vão baixar uma série de sondas pelo furo. Vão coletar água
com recipientes estanques e descer sondas capazes de analisar as
características químicas e físicas da água do lago. Talvez em 2013
possamos saber se existe vida no Lago Vostok. Só nos resta aguardar.
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*BIÓLOGO. MAIS INFORMAÇÕES: RUSSIANS CELEBRATE VOSTOK VICTORY. NATURE VOL. 482, PÁG 287, 2012
Fonte: Estadão on line, 29/03/2012
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