PODE CHORAR
Em sentido horário, a partir da esquerda: Putin derrama lágrimas em discurso;
Em sentido horário, a partir da esquerda: Putin derrama lágrimas em discurso;
Dilma se emociona ao demitir ministro; Boehner chora após
vitória em 2010;
e as lágrimas de Obama. A emoção tomou conta da
política
(Foto: Alan Marques/Folhapress, Joe Raedle/Getty Images, Jim
Young/Reuters e
Mikhail Voskresenskiy/Reuters)
Políticos de várias partes do mundo agora derramam lágrimas em público. A emoção é uma nova e arriscada arma na busca pelo apoio do povo
O homem de gelo derreteu. Eleito pela terceira vez para a Presidência
da Rússia, Vladimir Putin deixou que lágrimas corressem soltas sobre seu
rosto ao discursar no último dia 4. Diante de 100 mil pessoas na Praça
Vermelha, em Moscou, ele agradecia pela conquista. Denúncias de
manipulação eleitoral vieram da oposição e do exterior. Nada foi capaz
de conter a emoção explícita de um líder que, em outros tempos, mal
sabia sorrir. Putin talvez tenha se inspirado em sua colega de mundo
emergente, Dilma Rousseff. Já faz mais de um ano que Dilma venceu sua
eleição presidencial, mas o exercício cotidiano do poder pode pregar
peças no coração daqueles que, digamos, governam com amor. Durante um
discurso no dia 2, a presidente soltou as lágrimas ao falar do petista
Luiz Sérgio, que ela mesma demitira do comando do Ministério da Pesca
para dar lugar ao evangélico Marcelo Crivella (PRB-RJ). Não importa
onde, se no frio de Moscou ou no calor tropical brasiliense, líderes de
várias nacionalidades resolveram escancarar suas emoções em público. Da
Oceania às Américas, é uma choradeira que não acaba mais.
“Se bem usado, o choro é uma arma retórica e política”, afirma Tom
Lutz, autor do livro Crying: the natural and cultural history of
tears (Chorar: a história natural e cultural das lágrimas),
em que mostra a evolução do choro nos últimos séculos. “Atualmente,
esse é um recurso quase obrigatório para os políticos.” Diante da nova
onda, os líderes que ainda não derramaram uma lágrima sequer em público
devem estar discutindo com seus assessores o momento ideal para fazê-lo –
de preferência, antes da próxima eleição. Os planos serão jogados fora,
logicamente, se o país enfrentar uma catástrofe de proporções bíblicas,
seja um bombardeio inimigo ou um castigo da natureza. Foi o que fez o
então primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd, em 2009, diante dos
incêndios que devastaram vizinhanças inteiras e mataram 173 pessoas. Sua
sucessora, Julia Gillard, mostrou seu lado sensível no Parlamento dois
anos depois, quando o inimigo era a água. Ao falar sobre a morte de um
menino de 13 anos nas enchentes de Queensland, lá vieram as lágrimas da
premiê – ou seriam de crocodilo? Gillard foi acusada de ter encenado a
emoção, algo pior que ser chamado de insensível. “O choro aumentou entre
os políticos”, diz Martin J. Medhurst, professor de retórica e
comunicação da Universidade Baylor, no Texas, Estados Unidos. “Eles
querem mostrar autenticidade e sinceridade. É a melhor maneira de
persuadir e ganhar votos.”
A tendência não é exatamente inédita. “Era natural chorar em público,
para políticos ou não, desde a Grécia e Roma antigas”, diz Tom Lutz. O
recurso foi documentado em 1858 nos Estados Unidos, ano em que os
senadores Abraham Lincoln – que três anos depois se tornaria presidente –
e Stephen Douglas debateram sete vezes. “Lincoln chorava quando
apropriado, e Douglas devolvia o choro logo em seguida”, afirma Lutz. A
aceitação ao choro começou a mudar ainda no século XIX, com a segunda
Revolução Industrial no Reino Unido. “As pessoas aprenderam a ficar
quietas e a trabalhar nas fábricas como engrenagens de uma máquina. Não
havia espaço para emoções. Isso ressoou na sociedade e na política.”
Ainda nas décadas de 1960 e 1970, não pegava bem para um político
chorar em público. Era puro sinal de fraqueza, quase um suicídio
político. As coisas mudaram nos anos 1990, quando o fim da Guerra Fria
deixou os líderes mais descontraídos. Mas é bom não exagerar. O choro
pode ser benéfico ou prejudicial ao político dependendo do momento, do
motivo e da intensidade (leia o quadro acima). O republicano
John Boehner, eleito em 2010 para o comando da Câmara americana, quase
se afogou num mar de lágrimas. Virou piada, mas não aprendeu: chorou de
novo numa entrevista na TV. As mulheres correm o risco de ser
consideradas frágeis, mas vale arriscar. Hillary Clinton chorou depois
de perder uma prévia democrata para Barack Obama, em 2008 – e subiu nas
pesquisas seguintes.
Muitos zombaram do choro derramado por Putin. O senador americano John
McCain escreveu no Twitter: “Querido Vlad. O povo russo também está
chorando”. O blogueiro Aleksei Navalny disse a um canal de televisão
privado que o presidente eleito deve ter começado a chorar quando
pensou: “Deus, o que fiz com este país?”. A assessoria do Kremlin negou
que Putin tenha chorado. Disse que ele apenas “lacrimejou devido ao
forte vento”. É mesmo? O que nunca faltou na Rússia foi vento frio. Se
Putin chorou, é porque, além de muito esperto, parece estar por dentro
da moda na política mundial.
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Fonte: http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/03/09
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