Joaquim Falcão*
Depois o dano é maior: antes do fim das apurações, o presidente alemão
renunciou, o rei espanhol afastou o genro da família real e Dilma
demitiu alguns ministros
A ética pública está impaciente. Impaciência poderosa. Aqui e no
exterior. Em relação ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário.
Deverá ser fator importante nas nossas eleições. As vezes, a força
política da ética tem se imposto à força normativa da lei.
O presidente da Alemanha não esperou a conclusão do processo sobre
tráfico de influência. Renunciou. O rei Juan Carlos não esperou
conclusões sobre o mal uso de recursos públicos por seu genro. Afastou-o
da família real. A presidenta Dilma não esperou apurar denúncias contra
ministros. Conduziu-os à demissão.
A ética pública está com pressa. Pressionou o Congresso para aprovar a
Lei de Ficha Limpa. E ao Supremo também. Apoia a ministra Eliana Calmon
em sua cruzada por uma administração judicial mais ética e transparente.
Está impaciente com os resultados do foro privilegiado para políticos.
Apoia exigência de contas aprovadas para candidatos. A Comissão de Ética
Pública funciona.
A impaciência não é contra o presidente alemão, o genro espanhol,
políticos e magistrados brasileiros. É maior. É com a necessidade das
instituições do Estado democrático de Direito em controlar e punir.
Não se constrói instituições legítimas e eficientes em ambiente de anemia ética, de perda de legitimidade institucional.
Sintomas da anemia variam na história. O regime militar perdeu
legitimidade porque não restaurou a liberdade e as eleições diretas.
Aumentou a desigualdade social. O sintoma hoje é outro.
A plena liberdade de informação e a expansão da mídia tecnológica
evidenciam que algumas instituições públicas estariam sendo apropriadas
por corporativismos. O sintoma é a sua apropriação, aparelhamento, por
alguns partidos, profissões, sindicatos, empresas, grupos ou indivíduos.
Usam como seu algo que é da nação.
Seria a adesão de autoridades a princípios éticos sincera? Ou mera
estratégia de prevenção de dano, cálculo custo-benefício? Diante da
probabilidade de confirmação das denúncias agem logo. Os danos à
legitimidade de sua autoridade serão menores agora do que mais tarde.
A democracia é um regime que exige recíprocas legitimações. Devemos ao
outro o mesmo respeito que temos por nós mesmos. Se podemos ter
princípios éticos, e defendê-los, por que as autoridades públicas não
podem ter? Podem sim.
Combater a anemia do poder público implica restaurar o vigor de sua
legitimidade. Este é, por exemplo, um desafio do Judiciário, maior do
que a disputa entre associações de magistrados e o Conselho Nacional de
Justiça. Ou de ministros do Supremo entre si. Trata-se de provar à
opinião pública que algumas autoridades judiciais não usam a
administração da justiça, que é bem público, como bem privado. Como
provar?
Aplicar a força normativa da lei individualmente é necessário, mas
insuficiente. A opinião pública está indignada é a com a cultura de
pagamentos benevolentes, mesmo que aparentemente legais e de boa fé, das
administrações passadas, por exemplo, do Tribunal de Justiça de São
Paulo. Mais do que com magistrados determinados.
O desafio é maior do que controlar individualmente. É mudar a cultura da
sangria ética. Rever leis, interpretações, práticas administrativas,
processos decisórios. Reinventar a administração judiciária.
Reconquistar a ética perdida não se sabe bem onde, como e quando.
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