Imagem da Internet
Lágrimas, emoções exibidas em público, unhas pintadas,
sobrancelhas retocadas: dos políticos aos atores, passando pelos
esportistas, o cânone básico do comportamento viril parece completamente mudado.
Porque mostrar os sentimentos tem o seu valor, e porque a estética é um
fator cada vez mais importante. Que também condiciona os novos homens.
A reportagem é de Anais Ginori, publicada no jornal La Repubblica, 13-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não é uma prova de sensibilidade e de impulso artística como quando Diderot saía do teatro chorando e soluçando: aquele era o século das Luzes, os homens descobriam inesperadas paisagens interiores, recém começava a redefinição dos arcaicos cânones de virilidade.
Hoje, o choro masculino se ostenta, se torna uma prova inédita de força física, como demonstra a imagem de Vladimir Putin (foto), que não segura as lágrimas, deixa cair uma, duas, três gotas, única surpresa de mais uma vitória anunciada. O presidente macho-alfa, que pescava com o torso nu e agora se finge de choramingão, é o símbolo de uma identidade sexual mutante, até a fronteira dos metrossexuais, narcisos contemporâneos que revisitam códigos de sedução, revelam ao olhar corpos musculosos e depilados, brilhantes e perfumados. Quase mais até do que os femininos.
E, no fundo, entre os pioneiros do gênero, havia um outro protótipo de "homem de verdade": o jogador de basquete da NBA Dennis Rodman (foto), que exibia músculos, cestas, uma história de amor com Madonna e esmalte sobre as unhas.
É uma invasão do campo à qual estamos rapidamente nos acostumando. Na política, aquele instante de suposta sinceridade, a perigosa invasão no irracional, parecia ser concedido até agora apenas às mulheres. Há exemplos ilustres. Hillary Clinton derrotada na corrida à Casa Branca. A ministra Elsa Fornero que não consegue pronunciar a palavra "sacrifício", apresentando a reforma das pensões do governo Monti. Ségolène Royal humilhada pelo seu ex-marido François Hollande nas eleições primárias socialistas.
Talvez, no dia 6 de maio próximo, o vencedor das eleições presidenciais francesas também se entregará às lágrimas fáceis. Não haveria nada para se admirar. Nicolas Sarkozy, outro exemplar da estirpe dura e pura, já é obrigado a mostrar o seu lado mais frágil para subir o topo das pesquisas. Na campanha, ele busca comover os eleitores com fórmulas do tipo "Eu mudei", "Eu errei", "Ajudem-me". É uma inversão de papéis, algo impensável há algum tempo.
"As eleições são vencidas com programas, mas também com emoções", explica a semióloga Giovanna Cosenza, que acaba de publicar Spot Politik, o livro publicado pela editora Laterza sobre como a comunicação política está mudando. O exemplo de Silvio Berlusconi que se gabava de falar às "entranhas" do país criou reações contrárias nem sempre positivas. "Penso na escassa capacidade dos líderes de esquerda de saber sorrir", lembra Cosenza, citando alguns exemplos.
Para um Piero Fassino comovido depois da eleição a prefeito de Turim e a renúncia como deputado, há um Pierluigi Bersani terrivelmente sério depois da vitória da centro-esquerda nas eleições administrativas de 2011. Como se o território das emoções, que também foi aberto pelo choro de Achille Occhetto no Congresso de Bolonha, quando mudou o nome do Partido Comunista Italiano, estivesse hoje ocupado mais pelas direitas.
"Muitos estudos demonstram que, até o advento de Barack Obama, foi justamente nisso que os republicanos norte-americanos historicamente tiveram uma superioridade comunicativa sobre os democratas". A emoção pode trair, é a admissão de uma perda de controle que mal se concilia com o poder. Mas também provoca uma empatia imediata, que chega ao coração dos eleitores. É dosando força e fragilidade que se cela o segredo da comunicação política moderna.
Muita coisa mudou desde que, em 1939, durante as filmagens de E o vento levou, Clark Gable se recusou a chorar diante das câmeras. E, se podíamos considerar como uma extravagância de rebelde punk quando Robert Smith, do The Cure, usava batom e sombra, o sinal da reviravolta global chegou ao campo mais conformista. O esportivo.
Os atletas, de fato, já abandonaram os seus freios inibidores. As lágrimas de Franco Baresi na Copa do Mundo dos EUA de 1994, as de Ronaldo em 2001, quando a Inter de Milão perdeu o escudo para a Lazio, e depois as da sua despedida do futebol.
E ainda: David Beckham (foto), quando rompeu o tendão e não participou da Copa de 2010. O jogador inglês é o ícone do metrossexual que fez do corpo um instrumento de trabalho e um espelho estético. Ele também usa esmalte sobre as unhas e retoca as sobrancelhas, moda cada vez mais difundida entre os seus colegas (de Miccoli a Buffon). Esportistas, atores e príncipes (Harry, ele também com unhas pintadas) não são casos extremos, mas sim símbolos de uma tendência.
É o triunfo daquela bissexualidade psicológica já teorizada por Freud, há mais de um século. Nunca como hoje a virilidade perdeu as sua conotações teorizadas desde a Antiguidade: força física, coragem militar e potência sexual. É verdade que essa construção social foi oscilante, dependendo das épocas e dos países, como explicaram os estudiosos Alain Corbin, Georges Vigarello, Jean-Jacques Courtine no seu História da virilidade, editado recentemente na França. Os robustos cavaleiros da Idade Média se transformaram em certo ponto em cortesãos do rei às lidas com danças, rendas e mesuras.
Hoje, porém, a sociedade está projetada sobre uma nova fronteira. Os lugares onde tradicionalmente se construía a virilidade – quartéis, fábricas, vestiários – desapareceram, estão em declínio ou até já são compartilhados com as mulheres. Nas ruas das cidades, desfilam corpos masculinos atrativos. Jogadores de futebol e de rúgbi se transformaram em brinquedos eróticos nas revistas femininas. As meninas reservam seu lugar nos shows de strip tease Chippendales.
Na moda, há o "Single Man" de Tom Ford e as saias de Marc Jacobs. O ator Johnny Depp (foto) usa maquiagem para fazer os Piratas do Caribe, antecipando, involuntariamente, o lançamento de um novo produto, o manscara só para homens. E, antes, o rock já misturava os gêneros, basta pensar em Keith Richards e no ícone bissexual David Bowie.
"Até recentemente, para os homens, a dimensão estética e corporal não devia existir", lembra o sociólogo do consumo Vanni Codeluppi, professor da Universidade de Modena e Reggio Emilia. O papel social era o traje exterior de cada homem, uma divisa simbólica. Na última feira Cosmoprof [feira da indústria cosmética] de Bolonha, muitos visitantes eram do sexo masculino, assim como aumentam os pacientes da cirurgia plástica para esculpir corpos novos, segundo cânones estéticos ainda confusos, híbridos.
"É uma transformação longa, da qual não há volta atrás e que segue de mãos dadas a emancipação feminina", continua Codeluppi. "Existem hoje muitas e diversas características masculinas que arquivaram velhas classificações". A relação com a intimidade mudou com as novas tecnologias. A esfera privada tornou-se pública. A suposta potência sexual, de Berlusconi a Dominique Strauss-Kahn, se transformou em caricatura, desvio patológico. O sexo forte deve se adequar a valores tradicionalmente femininos como a empatia. Descobre o império dos sentidos. E, fazendo isso, não chora a sua morte, mas sim a alegria de uma ressurreição.
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Fonte: IHU on line, 15/03/2012
A reportagem é de Anais Ginori, publicada no jornal La Repubblica, 13-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não é uma prova de sensibilidade e de impulso artística como quando Diderot saía do teatro chorando e soluçando: aquele era o século das Luzes, os homens descobriam inesperadas paisagens interiores, recém começava a redefinição dos arcaicos cânones de virilidade.
Hoje, o choro masculino se ostenta, se torna uma prova inédita de força física, como demonstra a imagem de Vladimir Putin (foto), que não segura as lágrimas, deixa cair uma, duas, três gotas, única surpresa de mais uma vitória anunciada. O presidente macho-alfa, que pescava com o torso nu e agora se finge de choramingão, é o símbolo de uma identidade sexual mutante, até a fronteira dos metrossexuais, narcisos contemporâneos que revisitam códigos de sedução, revelam ao olhar corpos musculosos e depilados, brilhantes e perfumados. Quase mais até do que os femininos.
E, no fundo, entre os pioneiros do gênero, havia um outro protótipo de "homem de verdade": o jogador de basquete da NBA Dennis Rodman (foto), que exibia músculos, cestas, uma história de amor com Madonna e esmalte sobre as unhas.
É uma invasão do campo à qual estamos rapidamente nos acostumando. Na política, aquele instante de suposta sinceridade, a perigosa invasão no irracional, parecia ser concedido até agora apenas às mulheres. Há exemplos ilustres. Hillary Clinton derrotada na corrida à Casa Branca. A ministra Elsa Fornero que não consegue pronunciar a palavra "sacrifício", apresentando a reforma das pensões do governo Monti. Ségolène Royal humilhada pelo seu ex-marido François Hollande nas eleições primárias socialistas.
Talvez, no dia 6 de maio próximo, o vencedor das eleições presidenciais francesas também se entregará às lágrimas fáceis. Não haveria nada para se admirar. Nicolas Sarkozy, outro exemplar da estirpe dura e pura, já é obrigado a mostrar o seu lado mais frágil para subir o topo das pesquisas. Na campanha, ele busca comover os eleitores com fórmulas do tipo "Eu mudei", "Eu errei", "Ajudem-me". É uma inversão de papéis, algo impensável há algum tempo.
"As eleições são vencidas com programas, mas também com emoções", explica a semióloga Giovanna Cosenza, que acaba de publicar Spot Politik, o livro publicado pela editora Laterza sobre como a comunicação política está mudando. O exemplo de Silvio Berlusconi que se gabava de falar às "entranhas" do país criou reações contrárias nem sempre positivas. "Penso na escassa capacidade dos líderes de esquerda de saber sorrir", lembra Cosenza, citando alguns exemplos.
Para um Piero Fassino comovido depois da eleição a prefeito de Turim e a renúncia como deputado, há um Pierluigi Bersani terrivelmente sério depois da vitória da centro-esquerda nas eleições administrativas de 2011. Como se o território das emoções, que também foi aberto pelo choro de Achille Occhetto no Congresso de Bolonha, quando mudou o nome do Partido Comunista Italiano, estivesse hoje ocupado mais pelas direitas.
"Muitos estudos demonstram que, até o advento de Barack Obama, foi justamente nisso que os republicanos norte-americanos historicamente tiveram uma superioridade comunicativa sobre os democratas". A emoção pode trair, é a admissão de uma perda de controle que mal se concilia com o poder. Mas também provoca uma empatia imediata, que chega ao coração dos eleitores. É dosando força e fragilidade que se cela o segredo da comunicação política moderna.
Muita coisa mudou desde que, em 1939, durante as filmagens de E o vento levou, Clark Gable se recusou a chorar diante das câmeras. E, se podíamos considerar como uma extravagância de rebelde punk quando Robert Smith, do The Cure, usava batom e sombra, o sinal da reviravolta global chegou ao campo mais conformista. O esportivo.
Os atletas, de fato, já abandonaram os seus freios inibidores. As lágrimas de Franco Baresi na Copa do Mundo dos EUA de 1994, as de Ronaldo em 2001, quando a Inter de Milão perdeu o escudo para a Lazio, e depois as da sua despedida do futebol.
E ainda: David Beckham (foto), quando rompeu o tendão e não participou da Copa de 2010. O jogador inglês é o ícone do metrossexual que fez do corpo um instrumento de trabalho e um espelho estético. Ele também usa esmalte sobre as unhas e retoca as sobrancelhas, moda cada vez mais difundida entre os seus colegas (de Miccoli a Buffon). Esportistas, atores e príncipes (Harry, ele também com unhas pintadas) não são casos extremos, mas sim símbolos de uma tendência.
É o triunfo daquela bissexualidade psicológica já teorizada por Freud, há mais de um século. Nunca como hoje a virilidade perdeu as sua conotações teorizadas desde a Antiguidade: força física, coragem militar e potência sexual. É verdade que essa construção social foi oscilante, dependendo das épocas e dos países, como explicaram os estudiosos Alain Corbin, Georges Vigarello, Jean-Jacques Courtine no seu História da virilidade, editado recentemente na França. Os robustos cavaleiros da Idade Média se transformaram em certo ponto em cortesãos do rei às lidas com danças, rendas e mesuras.
Hoje, porém, a sociedade está projetada sobre uma nova fronteira. Os lugares onde tradicionalmente se construía a virilidade – quartéis, fábricas, vestiários – desapareceram, estão em declínio ou até já são compartilhados com as mulheres. Nas ruas das cidades, desfilam corpos masculinos atrativos. Jogadores de futebol e de rúgbi se transformaram em brinquedos eróticos nas revistas femininas. As meninas reservam seu lugar nos shows de strip tease Chippendales.
Na moda, há o "Single Man" de Tom Ford e as saias de Marc Jacobs. O ator Johnny Depp (foto) usa maquiagem para fazer os Piratas do Caribe, antecipando, involuntariamente, o lançamento de um novo produto, o manscara só para homens. E, antes, o rock já misturava os gêneros, basta pensar em Keith Richards e no ícone bissexual David Bowie.
"Até recentemente, para os homens, a dimensão estética e corporal não devia existir", lembra o sociólogo do consumo Vanni Codeluppi, professor da Universidade de Modena e Reggio Emilia. O papel social era o traje exterior de cada homem, uma divisa simbólica. Na última feira Cosmoprof [feira da indústria cosmética] de Bolonha, muitos visitantes eram do sexo masculino, assim como aumentam os pacientes da cirurgia plástica para esculpir corpos novos, segundo cânones estéticos ainda confusos, híbridos.
"É uma transformação longa, da qual não há volta atrás e que segue de mãos dadas a emancipação feminina", continua Codeluppi. "Existem hoje muitas e diversas características masculinas que arquivaram velhas classificações". A relação com a intimidade mudou com as novas tecnologias. A esfera privada tornou-se pública. A suposta potência sexual, de Berlusconi a Dominique Strauss-Kahn, se transformou em caricatura, desvio patológico. O sexo forte deve se adequar a valores tradicionalmente femininos como a empatia. Descobre o império dos sentidos. E, fazendo isso, não chora a sua morte, mas sim a alegria de uma ressurreição.
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Fonte: IHU on line, 15/03/2012
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