Marcelo Gleiser*
Para Platão, a essência da realidade é percebida
pela razão; isso deu à mente do
homem um status semidivino
"A mente humana é mais incrível do que o Universo", disse-me outro dia
minha filha adolescente. "Por que?" perguntei. "Ora, tudo começa nas
nossas cabeças. Sem nossas mentes, não existiria um Universo."
"Será isso mesmo?", perguntei-me em silêncio. A rixa entre o que é e o
que é percebido é tão antiga quanto a filosofia. Tem algo a ver com a
pergunta "se uma árvore cai na floresta e ninguém está lá para ouvir,
ela faz barulho?" (adaptada aqui). Mas é mais complexa.
Platão tornou explícita a divisão entre o mundo das ideias e o mundo dos
sentidos. No seu famoso "Mito da Caverna", imaginou um grupo de
prisioneiros acorrentados por toda a vida numa caverna. Podiam apenas
olhar para uma parede, onde viam sombras projetadas por um fogo que
queimava atrás deles. Com isso, sua percepção da realidade era
profundamente distorcida, visto que nunca podiam olhar para os objetos
que criavam as sombras. Apenas por meio de seus sentidos, jamais
poderiam capturar a verdade sobre o mundo.
Platão usa a alegoria para argumentar que apenas o pensamento puro,
livre das distorções da percepção sensorial, pode nos revelar verdades
absolutas, imutáveis.
Segundo ele, a essência da realidade só pode ser percebida pela razão.
Com isso, deu à mente humana um status semidivino, a ponte por onde
chegamos ao absoluto. Para Platão, a essência do real é encapsulada por
formas abstratas. Conhecê-las é chegar mais perto da verdade. Por
exemplo, todas as mesas têm a forma de mesa, mesmo que os detalhes sejam
diferentes. Apenas a ideia de um círculo é um círculo perfeito.
Qualquer representação dele será imperfeita.
Dada a sua conexão com a busca pela verdade, não é surpreendente que as
ideias de Platão tenham influenciado tanto cientistas quanto teólogos.
Se as formas têm estrutura geométrica, a matemática (que estuda suas
propriedades) segue em direção à verdade. Se a linguagem da natureza é a
matemática, como afirmou Galileu, quanto mais as ciências físicas forem
fundamentadas na matemática, mais perto da verdade estarão.
Essas ideias inspiraram alguns dos grandes nomes da ciência, de
Copérnico e Kepler à Planck e Einstein. E continuam a fazê-lo, em
particular para físicos que trabalham com teorias que tentam explicar
toda a estrutura física do Universo, como a teoria das supercordas.
Para teólogos inspirados por Platão, como o genial Nicolau de Cusa, que
viveu no século 15, a perfeição existe apenas em Deus. Com essa ideia,
Cusa supôs que a Terra não poderia ser o centro do Universo. Cusa também
não levava a sério a possibilidade de humanos obterem verdades
absolutas. Para ele, elas estão na essência de Deus, que é
incompreensível aos humanos.
Se a noção do Deus Geômetra não é mais muito popular, a do Homem
Geômetra permanece firme e forte, e está por trás de grandes descobertas
científicas e matemáticas.
Sem nossas mentes nada disso seria possível. Imaginamos e compreendemos o
Universo com elas. Por outro lado, talvez seja bom levar a sabedoria de
Cusa a sério e lembrar que o que criamos e entendemos é expressão de
nossa criatividade, tendo pouco ou nada a ver com verdades finais e
absolutas.
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