sábado, 31 de março de 2012

UM PAÍS DE NÃO LEITORES


EDITORIAL INTERATIVO
Quando classificou o Brasil de país de não leitores, o articulista do Le Monde Diplomatique Lucas Murtinho sequer conhecia o resultado da terceira edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, encomendada pela Fundação Pró-Livro e pelo Ibope Inteligência e divulgada na última quarta-feira. O novo estudo, feito com 5 mil pessoas em 315 municípios do país, confirma os piores vaticínios: de 2007 para cá, o índice de leitura caiu de 4,7 livros por pessoa para quatro títulos. O número de leitores caiu de 95,6 milhões há cinco anos para 88,2 milhões no ano passado – uma queda de 9,1% no universo de leitores ao mesmo tempo em que a população cresceu 2,9% no mesmo período.

Se o analfabetismo diminuiu, o acesso à escola se tornou universal e o governo investe cada vez mais na compra e na distribuição de livros para escolas e bibliotecas, por que estamos lendo tão pouco? Talvez não exista uma resposta simples para esta questão, mas a comparação com outros países, inclusive sul-americanos, evidencia o desapreço cultural dos brasileiros pela leitura, especialmente nos formatos tradicionais. Ainda que as novas tecnologias venham despertando o interesse dos jovens pelas letras e pela comunicação escrita, não está comprovado se nessa leitura superficial e interativa o leitor assimila conteúdos suficientes para utilizar na transformação de sua vida.

E não há dúvida de que a leitura transforma. O ato de ler é um processo de entendimento do mundo por meio da palavra, que é o instrumento de interação entre os homens. Portanto, a leitura no papel também é interativa. A leitura do mundo, como disse o educador Paulo Freire, precede a leitura das palavras, mas é a conjugação de letras que dá significado às coisas que nos cercam. Por isso, é decisiva a leitura crítica, que percebe a relação entre texto e contexto. Um leitor crítico é mais do que um decifrador de signos – é alguém capaz de captar sentidos e utilizá-los em seu próprio benefício e da sociedade.

O interesse pela leitura deveria começar em casa, mas parcela expressiva de brasileiros só tem acesso a livros na escola. E as escolas do país, principalmente nas redes públicas, ainda deixam muito a desejar no que se refere ao estímulo à leitura. Muitas, ao transformar em obrigação o que deveria ser prazer, afastam ainda mais os jovens dos livros. Não é de admirar que as bibliotecas públicas do país tenham pouca frequência, pois também elas – ao contrário do que acontece nos Estados Unidos e na Europa – raramente desenvolvem programações culturais para atrair o público.

Não nos faltam livros, nem oportunidade para lê-los. Falta-nos o interesse pela leitura. Falta-nos a visão de que ler é importante, falta-nos a convicção de que ler realmente transforma as pessoas em seres humanos melhores e mais capacitados para entender o mundo.
----------------------
Fonte: ZH on line, 31/03/2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário