Marcos Rolim*
Martin
Scorsese nos ofereceu uma obra-prima com seu último filme, A Invenção
de Hugo Cabret, baseado no livro de Brian Selznick. Um presente não
apenas para a beleza do mundo, mas para seu aperfeiçoamento ético.
Quando tratamos de ética, é possível abordar este conceito por múltiplos caminhos. Há, por exemplo, o uso coloquial da expressão como quando afirmamos que “fulano é uma pessoa ética”, atribuindo a ele a qualidade de se portar segundo bons princípios morais. Podemos falar de ética para designar as atividades marcadas pela excelência, o que autoriza os diversos “códigos de ética” profissional ou tratar do conceito como uma disciplina filosófica que reflete sobre as regras de conduta; que estuda, portanto, a moral. Para os gregos antigos, entretanto – particularmente na tradição aristotélica e estoica – ética significava basicamente a resposta oferecida à pergunta: “O que é a vida boa?”. Em outras palavras: “O que é a vida que vale a pena ser vivida?”. Nesta abordagem, ética é o nosso projeto de vida digna.
Neste sentido, podemos dizer que o personagem do filme de Scorsese, o menino órfão Hugo Cabret, possui uma ética particular definida pelo objetivo de “consertar coisas”. O garoto vive incógnito nas paredes de uma linda estação ferroviária em Paris nos anos 30. Ele mantém os relógios públicos em funcionamento, enquanto tenta consertar um brinquedo (o autômato) que, imagina, deverá lhe trazer uma mensagem de seu pai. Os caminhos do protagonista irão se cruzar com o dono de uma das lojas da estação (vivido pelo grande Ben Kingsley), personagem que é, na verdade, um dos precursores do cinema, George Méliès. Neste contato, forma-se a trama e seu desfecho emocionante.
A invenção de Hugo Cabret é uma poesia de imagens na qual cada detalhe insinua a densidade do mundo. Observe-se, por exemplo, o personagem do Inspetor-Chefe da estação, que se dedica compulsivamente à detenção de crianças solitárias para encaminhá-las ao orfanato. Trata-se, por consequência, de figura temida por Hugo. Mas o Inspetor-Chefe terá que aprender a sorrir para se aproximar de uma bela florista. Para ele, trata-se de aplicar a lei, porque garotos encaminhados a orfanatos aprendem algo fundamental: aprendem a obedecer e ele mesmo foi um desses meninos. O problema é que o mais importante da vida ocorre para além da obediência. Como o amor, por exemplo, ou a capacidade de sonhar e criar coisas.
Hugo e Méliès vivem em dimensões distintas da invisibilidade moderna. São ignorados e suas vidas parecem condenadas à repetição do nada. Mas cada um deles possui uma história e um propósito que transcendem em muito as rotinas e a dimensão privada de suas existências precárias. Não casualmente, suas melhores possibilidades aguardam por uma chave em forma de coração. Bem, talvez seja esta, ao final, a equação que nos desafia como seres humanos, enquanto acertamos os relógios e nos esgueiramos por entre as paredes.
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Quando tratamos de ética, é possível abordar este conceito por múltiplos caminhos. Há, por exemplo, o uso coloquial da expressão como quando afirmamos que “fulano é uma pessoa ética”, atribuindo a ele a qualidade de se portar segundo bons princípios morais. Podemos falar de ética para designar as atividades marcadas pela excelência, o que autoriza os diversos “códigos de ética” profissional ou tratar do conceito como uma disciplina filosófica que reflete sobre as regras de conduta; que estuda, portanto, a moral. Para os gregos antigos, entretanto – particularmente na tradição aristotélica e estoica – ética significava basicamente a resposta oferecida à pergunta: “O que é a vida boa?”. Em outras palavras: “O que é a vida que vale a pena ser vivida?”. Nesta abordagem, ética é o nosso projeto de vida digna.
Neste sentido, podemos dizer que o personagem do filme de Scorsese, o menino órfão Hugo Cabret, possui uma ética particular definida pelo objetivo de “consertar coisas”. O garoto vive incógnito nas paredes de uma linda estação ferroviária em Paris nos anos 30. Ele mantém os relógios públicos em funcionamento, enquanto tenta consertar um brinquedo (o autômato) que, imagina, deverá lhe trazer uma mensagem de seu pai. Os caminhos do protagonista irão se cruzar com o dono de uma das lojas da estação (vivido pelo grande Ben Kingsley), personagem que é, na verdade, um dos precursores do cinema, George Méliès. Neste contato, forma-se a trama e seu desfecho emocionante.
A invenção de Hugo Cabret é uma poesia de imagens na qual cada detalhe insinua a densidade do mundo. Observe-se, por exemplo, o personagem do Inspetor-Chefe da estação, que se dedica compulsivamente à detenção de crianças solitárias para encaminhá-las ao orfanato. Trata-se, por consequência, de figura temida por Hugo. Mas o Inspetor-Chefe terá que aprender a sorrir para se aproximar de uma bela florista. Para ele, trata-se de aplicar a lei, porque garotos encaminhados a orfanatos aprendem algo fundamental: aprendem a obedecer e ele mesmo foi um desses meninos. O problema é que o mais importante da vida ocorre para além da obediência. Como o amor, por exemplo, ou a capacidade de sonhar e criar coisas.
Hugo e Méliès vivem em dimensões distintas da invisibilidade moderna. São ignorados e suas vidas parecem condenadas à repetição do nada. Mas cada um deles possui uma história e um propósito que transcendem em muito as rotinas e a dimensão privada de suas existências precárias. Não casualmente, suas melhores possibilidades aguardam por uma chave em forma de coração. Bem, talvez seja esta, ao final, a equação que nos desafia como seres humanos, enquanto acertamos os relógios e nos esgueiramos por entre as paredes.
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*Jornalista
marcos@rolim.com.br
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Fonte: ZH on line, 25/03/2012
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