sábado, 17 de março de 2012

''Deus está morto. Voltemos a Deus''

Foi publicado nessa sexta-feira, 16 de março, pela editora Fazi, o livro de Richard Kearney Ana-teismo. Tornare a Dio dopo Dio [Anateísmo. Voltar a Deus depois de Deus] (330 páginas), no qual o filósofo, aluno de Ricoeur e professor do Boston College, conduz o leitor em um percurso inovador em busca do sagrado depois do ateísmo.

Publicamos aqui um trecho da introdução do livro, escrita pelo filósofo e político italiano Gianni Vattimo. O texto foi publicado no jornal La Stampa, 16-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Anateísmo é a atitude religiosa que Kearney defende e recomenda para a espiritualidade do nosso tempo. [...]

O prefixo grego ana-, que à primeira vista poderia ser entendido em sentido negativo (como se se tratasse de negar o ateísmo – pensem no termo analcoólico...), significa, ao invés, além de "subida" também "retorno". Dois sentidos que Kearney não sublinha juntos, preferindo o segundo sentido, o retorno. Mas eu não diria que o primeiro sentido, a subida, tenha desaparecido totalmente, já que o retorno implica, sempre para Kearney, algum momento de iluminação plena, diríamos de chegada ao cume, que coincide, sim, na mística, com a noite escura da qual tantos muitos místicos nos falam, mas que, contudo, tem o caráter de um momento decisivo – uma espécie de evidência que Kearney pensa sempre com base na herança da fenomenologia assimilada através do seu mestre Ricoeur.

O significado do prefixo, portanto, não é só uma questão de filologia. Ele também marca, parece-me, a diferença – pequena mas não insignificante – por meio do qual eu me introduzo no discurso de Kearney, e, por isso, o caminho que, sozinho, posso indicar aos leitores.

Então: a cultura dentro da qual nos cabe viver está orientada a se considerar o ponto de chegada de um desenvolvimento que, nos esquemas filosóficos dominantes, de origem hegeliana, mas também genericamente iluministas e positivistas, se pensa como proveniente de fases primitivas teístas, caracterizadas por uma religiosidade não raramente supersticiosa, que, depois, através da ciência e da técnica, evolui progressivamente para aquela que Nietzsche chamará de "morte de Deus" (o qual, para ele, se revela como uma mentira não mais necessária ao homem tecnocientificamente evoluído), isto é, para um ateísmo teórico-prático cada vez mais generalizado.

Esse esquema iluminita-historicista é de onde Kearney parte para negar a sua validade, à luz não só da sua própria experiência pessoal, mas também daquela que parece ser, justamente, que parece, com razão, uma retomada difundida, ou sobrevivência, do problema de Deus para além de qualquer atracadouro ateu. Não só por causa daquelas que se poderiam chamar de autocontradições performativas do "progresso" (da bomba atômica ao Holocausto), mas também por causa da incerteza e da experiência de finitude que o nosso mondo conhece e que o chamam de novo, precisamente, àquele senso de vazio e de suspensão de toda certeza que o autor chama de anateísmo.

Ainda em harmonia com sua própria formação fenomenológica, Kearney pensa nesse estado de espírito como na epoché husserliana, aquela suspensão da atitude "natural" com relação às coisas que permite que nos elevemos à visão das essências. Vai-se além do ateísmo "natural" do nosso mundo quando experimentamos esse vazio que também é a abertura a uma epifania, a uma iluminação, que nos reabre à experiência de Deus. Qualquer Deus que seja.

No vazio e na incerteza que nos abrem ao anateísmo e a um novo possível encontro com Deus, entra também a consciência moderna e tardomoderna da pluralidade das religiões, portanto, o problema do diálogo inter-religioso e das múltiplas formas que nele se confrontam e muitas vezes se chocam. O anateísta de Kearney é, além disso, um homem do diálogo com os deuses estrangeiros. A religiosidade reencontrada na suspensão dos absolutos tanto teístas quanto ateístas também é caracterizada por uma abertura ao outro que sempre foi fechada às fés que não passaram pela noite escura – não só mística, mas também cultural, da qual nós, modernos, somos filhos e produtos.

Kearney, nas não raras digressões autobiográficas do livro, também lembra ter lutado longamente contra o autoritarismo da sua Igreja, e depois das Igrejas e seitas pelas quais se cruzou. De modo que o anateísmo não é só, definitivamente, o momento de suspensão e de vazio destinado a encontrar "de novo" uma fé "cheia" mais ou menos afim às fés tradicionais, mas sim uma atitude que deve acompanhar (ele parece falar do "eu penso" kantiano!) toda fé reencontrada.

A oração que pede que sejamos ajudados a crer deve fazer parte de toda fé reencontrada: Senhor, eu creio, ajuda a minha incredulidade. Que era também a oração até de Madre Teresa, como lembra Kearney. Mas poderíamos pensar em Pascal, que aconselhava os não-crentes a rezar para obter a fé.
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Fonte: IHU on line, 17/03/2012
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