As vicissitudes de Barbara Follett, uma escritora-prodígio
por PAUL COLLINS
Durante o inverno de 1923, num apartamento de New Hampshire, este aviso datilografado foi afixado numa porta fechada:
Ninguém pode entrar neste quarto sem bater se a porta estiver bem
fechada (se não estiver fechada com trinco, tudo bem). Se a pessoa neste
quarto concordar que alguém pode entrar, ela dirá “Entre”, ou algo
parecido. Se não concordar, dirá “Ainda não, por favor”, ou algo assim.
A porta pode ser fechada se não houver ninguém no quarto.
Se uma pessoa quiser entrar, bater e não ouvir nenhuma resposta,
isso significa que não há ninguém no quarto. Ainda assim ela não deve
entrar.
Razão. Se uma porta está bem fechada e uma pessoa estiver no quarto,
a porta fechada significa que a pessoa no quarto quer ficar sozinha.
Através da porta podia-se ouvir o intenso bater de teclas com furiosos
retornos do carro de uma máquina de escrever: era o som de uma menina de
8 anos de idade escrevendo seu primeiro romance.
Em 1923, a máquina de escrever não era propriamente um brinquedo de
criança, mas para aqueles que acompanhavam as ideias do crítico e editor
Wilson Follett, ela era uma grande experiência educacional. Ele já
escrevera na revista Harper’s sobre sua filha Barbara, uma
menina que aos 3 anos de idade devorava letras e palavras. “Ela sempre
via um A na cumeeira das casas e um H em traves de futebol americano.”
Um dia, ela entrou no escritório de Wilson e descobriu sua máquina de
escrever.
“Conte-me uma história sobre isso”, exigiu.
Essa era a maneira de Barbara pedir qualquer explicação, e depois que o
pai fez uma demonstração da máquina maravilhosa, a menina se afeiçoou a
ela com ferocidade. A máquina de escrever, seus pais perceberam, poderia
desencadear um fluxo torrencial de pensamentos em uma criança
superdotada que ainda não tinha a coordenação necessária para escrever a
lápis.
“De uma infinidade de maneiras”, relatou Wilson Follett, “ficamos cada
vez mais convencidos da conveniência de deixar a máquina de escrever
ser, tanto quanto é possível para uma máquina, o centro e a gênese dos
primeiros processos.”
Aos 5 anos, Barbara era alfabetizada em casa pela mãe e escreveu um
conto intitulado “A vida da roda de fiar, do cavalo de balanço e do
coelho”. Seu fascínio por flores e borboletas floresceu em sua máquina
de escrever e se transformou em poemas e contos de fadas exuberantes e
selvagens. Em 1922, com 7 anos, ela versificava em cima de música:
Quando vou a ensaios de orquestra,
há muitas vezes vários trechos para
Triângulo e Pandeiro
juntos. Quando eles estão juntos,
soam como um grande pedaço de metal
que se quebrou em milésimos
e está caindo no chão.
O aviso de alerta em sua porta no ano seguinte, porém, marcou um novo
projeto: a menina Barbara estava tentando escrever um romance inteiro.
Havia dias em que a garota de 8 anos ultrapassava 4 mil palavras
escritas. Enquanto seus bilhetes para os companheiros de brincadeiras e
para a família transbordavam de cordialidade, ela era absolutamente
rigorosa na proteção de seu tempo para escrever. As crianças da
vizinhança que não compreendessem isso eram bruscamente dispensadas.
“Você não entende que tenho meu trabalho a fazer porque, neste exato
momento, você não tem nenhum”, foi a resposta ríspida de Barbara numa
carta a uma amiga que reclamara.
ano
de 1923 passou e veio mais um ano e ainda outro, enquanto ela escrevia e
reescrevia sua história de uma menina que se aventura na floresta e
desaparece na natureza. Amigos, quando necessários, sempre podiam ser
imaginados, como ela explicou certa vez: “Eu finjo que Beethoven, os
dois Strauss, Wagner e o resto dos compositores ainda estão vivos e vão
patinar comigo.”
Há um consolo peculiar em imaginar a companhia de grandes compositores,
pois é entre eles que uma criança-prodígio está em casa. Mozart é o
exemplo para pais esperançosos: ensinado em casa, compõe minuetos para
cravo com 5 anos, toca na corte vienense aos 6, visita Johann Christian
Bach, em Londres, aos 8. Ele foi um dos primeiros intérpretes infantis
famosos e, tal como Barbara, nasceu para a profissão: seu pai era um
mestre do violino.
Por outro lado, em algumas artes, é quase inevitável o aparecimento de prodígios. O encantador Corrida de Toros y Seis Estudios de Palomas,
desenhado por Pablo Picasso em 1890, quando tinha 9 anos, ainda pode
provocar admiração em exposições e um reconhecimento sábio: Ah, seu talento brilhava desde cedo.
Outros passam mais silenciosamente. Não pensamos muito em Bobby Fischer,
mas, quando ele tinha 8 anos, sua mãe teve de publicar anúncios no
jornal para encontrar parceiros de xadrez à altura do filho. E nenhum
pai compra hoje jogos de memória Zerah para seus geniozinhos, embora o
prodígio da matemática Zerah Colburn tenha sido, em certa época, tão
famoso quanto Mozart. Filho de um carpinteiro de Vermont, o talento de
Zerah foi exibido em 1810, quando tinha 5 anos. Ele não tardou a ter
audiências com o presidente John Quincy Adams e cartas de apresentação
do escritor Washington Irving. Aos 8 anos, ele calculava de cabeça
diante de uma plateia que um número de Fermat não era de fato primo,
façanha quase impensável mesmo para um matemático adulto. No entanto, o
perigo representado pelo pai autoritário e infeliz de Zerah era tão
óbvio que os habitantes de Boston criaram um fundo para educar o menino
na Nova Inglaterra. Seu pai não aceitou o dinheiro: havia uma grande
fortuna o aguardando na estrada.
Hoje, ouvimos falar de Mozart, mas não de Colburn. Barbara poderia patinar com um, mas não com o outro.
Em 1926, depois de muitos rascunhos, do nascimento de uma irmã e de um
incêndio na casa que destruiu o manuscrito, seu livro recebeu o título
de The House Without Windows [A Casa sem Janelas, não publicado no Brasil].
Ela explicou que se tratava da história de Eepersip, “uma criança que
fugiu da solidão para encontrar companheiros na floresta – amigos
animais”. A história se estendia por mais de 40 mil palavras.
“Papai e eu estamos corrigindo o manuscrito”, relatou Barbara, “para copiá-lo e deixar tudo pronto para a gráfica.”
Era para ser um trabalho pequeno e vaidoso, mas seu pai teve uma ideia.
Havia algum tempo que trabalhava para a Knopf, em Nova York; e se ele
passasse o manuscrito para a editora? Quando chegou a resposta de Knopf
endereçada a Barbara – “uma carta azul com a famosa estampilha branca”
–, ela escreveu a uma amiga o que aconteceu:
Eu simplesmente me joguei no chão e gritei, com medo do que ela
poderia conter, com alegria por recebê-la finalmente, ou com a colossal
excitação da coisa toda. Depois de ter esperado muito tempo por algum
sinal, você tem a sensação de que, quando ele finalmente chega, não pode
ser verdade – um sonho – uma ilusão de ótica – um cruzamento entre
essas três coisas...
A Casa sem Janelas, a minha história, minha história em Nova York, será publicada pela Knopf!!... publicada!!!!!!!!
Ela acabara de completar 12 anos.
Casa sem Janelas saiu em fevereiro de 1927 e recebeu elogios arrasadores. “Um espelho da mente da criança”, anunciava uma manchete do New York Times:
“O documento mais autêntico e puro de uma fase transitória e até então
não registrada em inteligência plástica... um pequeno livro realmente
notável.” O jornal trazia Barbara fazendo a correção de provas
tipográficas na primeira página da seção Imagens em Fotogravura daquele
dia.
A Saturday Review of Literature achou o livro “quase
insuportavelmente belo”. Não é difícil perceber o motivo. As primeiras
frases evocam um isolamento de conto de fadas: “Em uma pequena cabana
marrom com telhas de madeira, em um dos contrafortes do monte Varcrobis,
vivia com seu pai e sua mãe, o senhor e a senhora Eigleen, uma menina
chamada Eepersip. Ela era um pouco solitária.” Eepersip emerge da
floresta vestida de guirlandas para tentar atrair outras crianças,
inclusive sua própria irmã mais nova:
Veja, vou vesti-la assim, com samambaias, flores e borboletas... As
abelhas recolhem mel das flores, que compartilhariam conosco.
“As abelhas picam”, disse Fleuriss, encolhendo-se; “elas picam e ferem, Eepersip.”
Incapaz de convencer alguém a acompanhá-la ao ar livre – em sua “casa
sem janelas” –, Eepersip acaba por desaparecer completamente,
transformada em uma ninfa do bosque. É um conto de assombração que
combina um mito arquetípico com o desejo infantil de fugir.
Não demorou para que um jornal pedisse a Barbara uma resenha do livro
mais recente do autor inglês A. A. Milne, e o escritor H. L. Mencken
escreveu a seus pais dizendo que “vocês estão criando a maior crítica de
que já ouvimos falar na América”. O próximo plano da jovem – “tornar-me
um pirata” e partir para o mar com um novo livro em vista – foi
anunciado no Times.
Barbara ficou famosa.
PARABÉNS MINHA CARA EEPERSIP, dizia um telegrama que chegou à casa dos Follett. VOCÊ FEZ O QUE MUITOS ADULTOS NÃO CONSEGUIRAM.
Mas um crítico não se impressionou.
“Não posso conceber desvantagem maior para o escritor com idade entre 19
e 39 do que ter publicado um livro de sucesso entre os 9 e os 12 anos”,
trovejou Anne Carroll Moore no New York Herald Tribune.
Criadora da Sala das Crianças na Biblioteca de Nova York, e uma das
críticas mais poderosas de literatura infantil nos Estados Unidos, os
receios de Moore não se referiam ao texto de Barbara – “Eu só tenho
palavras de elogio para a história em si. A Casa sem Janelas é
excelente” –, mas ao fato de ter sido publicado. “Significa brincar com
fogo”, alertava ela. “Que preço Barbara terá de pagar por seus ‘grandes
dias’ na máquina de escrever?”
Barbara deveria estar brincando lá fora com as crianças da sua idade,
declarou Moore, e crescer sem o peso da fama precoce: “Não há satisfação
comparável a uma infância livre e espaçosa, com direito a um bom nome
na maturidade.”
avia
alguns precedentes, no entanto, para a carreira de Barbara. Sete anos
antes, o menino Horace Wade, de 11 anos, publicara seu romance de
suspense À Sombra de Grande Perigo. Mais livros se seguiram, bem como cartas de incentivo de F. Scott Fitzgerald e um trabalho para William Randolph Hearst no Chicago American.
Wade fazia literatura de gênero, cheia de mocinhos e bandidos, mas
sinalizava que o autor infantil poderia se transformar em sucesso.
Outros, porém, foram protegidos de suas obras juvenis. A autora infantil
mais famosa antes de Wade apareceu apenas um ano antes: Daisy Ashford,
que escreveu o ridículo Os Jovens Visitantes ou o Plano do sr. Salteena.
Com sua imortal primeira linha – “O sr. Salteena era um homem idoso de
42 anos e gostava de pedir que as pessoas ficassem com ele” –,
tratava-se de um clássico de hilaridade não intencional. A publicação
foi inofensiva para Daisy Ashford. Ela havia escrito o livro quando
tinha 9 anos, em 1890, e publicou-o a uma distância segura, 29 anos mais
tarde. Ela se tornou uma celebridade por escrever quando criança, mas
não foi uma celebridade infantil.
Barbara não teve nada disso, e refutou as críticas de Moore. “É
certamente muito precipitado jogar na lama uma infância e um sistema de
vida sobre o qual você não sabe nada”, respondeu ela numa carta
impetuosa. “Estou me divertindo muito com os comentários favoráveis
que estão sendo escritos – não os levo a sério de forma alguma –, mas
levo a sério um artigo que distorce minha vida numa miserável
caricatura, minha educação, toda a minha personalidade.”
Ler seu livro “como se eu fosse tiranizada”, Barbara escreveu, era um
insulto a ela e a seus pais. “O livro é uma expressão de alegria – não
mais que isso”, enfatizou.
Com as resenhas ainda saindo, Barbara planejou uma odisseia com que
sonhava havia muito tempo: ir para o mar como tripulante de um navio. O
fato de ter apenas 13 anos pouco importava para ela; seus pais
conseguiram uma escuna de transporte de madeira que a aceitasse como
passageira – uma passageira que insistia em executar tarefas a bordo.
Após a jornada até a Nova Escócia, o livro seguinte de Barbara, A Viagem do Norman D,
foi escrito em estado de excitação. A viagem ocorreu em julho, o
manuscrito final estava nas mãos da Knopf em novembro, e o livro foi
para as livrarias em março. É obra de um adulto em formação: não somente
um prodígio encantador, mas uma artista jogando para valer.
A segurança com que foi escrito o livro surpreendeu resenhistas de ambos
os lados do Atlântico. Barbara Follett não era mais uma “autora
criança”, fofinha: era uma autora.
“A engenhosidade foi preservada, mas embelezada por um artesanato
literário que orgulharia um escritor experiente”, maravilhou-se o Times Literary Supplement de Londres. The Saturday Review apresentou
o livro ao lado do mais recente de Dorothy Parker, e declarou que se
tratava de “uma bela obra literária, sustentada e vívida”. E, no
entanto, ponderou o New York Times, “a senhorita Barbara Newhall Follett comemorou seu 14º aniversário apenas doze dias antes da publicação”.
a
semana anterior à publicação, Wilson Follett anunciou uma novidade
devastadora. Ele fizera recentemente 40 anos e – num desenrolar de trama
que ele teria considerado vulgar em qualquer romance – estava trocando
Barbara e a mãe, Helen, por uma mulher mais jovem.
“Você diz que Helen precisa de mim e tem razão, mas eu preciso de você
também”, Barbara implorou ao pai. No momento de seu maior triunfo, foi
abandonada pelo homem que tinha fomentado suas ambições.
Wilson Follett deixou-as com pouco dinheiro. De início, Helen tentou
transformar a necessidade em aventura: elas levariam suas máquinas de
escrever para o mar, navegariam para o Taiti e escreveriam livros! Mas,
em setembro de 1929, Barbara viu-se atolada e sozinha, abrigada por
amigos da família em Los Angeles. Foi insuportável: ela fugiu para San
Francisco, escondeu-se em um hotel e escreveu poesia. Havia sido
denunciada como fugitiva e, quando a polícia invadiu seu quarto,
impediu-a por pouco de escapar pela janela.
“Eu detesto Los Angeles”, ela explicou aos repórteres.
A história virou notícia nacional. Uma manchete do Times lembrava
aos leitores: “Caso de Barbara Follett evoca façanhas de Chopin, Mozart
e outros.” Helen e a filha se reencontraram em Nova York, mas a
situação financeira era tão frágil que, ao completar 16 anos em março de
1930, Barbara teve de procurar trabalho. O momento era péssimo, poucos
meses após o crash de Wall Street. Depois de um curso de
taquigrafia e de datilografia comercial – uma “utilização decididamente
mais vulgar de sua magia”, refletiu ela –, Barbara passou a se levantar
cedo todas as manhãs para pegar o metrô e ir ao emprego de secretária.
“Meus sonhos estão passando por comoções mortais”, ela escreveu naquele
mês de junho. “Achei que estavam todos enterrados de forma segura, mas
às vezes eles se mexem no túmulo, fazendo as cordas do meu coração
emitirem pontadas. Não me refiro a nenhum sonho em particular, mas a
todo o rebanho radiante deles juntos – com suas asas de arco-íris,
iridescentes, brilhantes, ascendentes, gloriosas, sublimes. Eles estão
morrendo diante dos dardos e setas de aço de um mundo de Tempo e
Dinheiro.”
Ela continuou a escrever: passou a acordar cedo antes do expediente para trabalhar em um novo livro, Ilha perdida.
Tendo como personagens um casal de Nova York que naufraga em uma ilha
deserta, o livro gira em torno de um dilema: depois de serem
encontrados, a mulher não quer voltar. As primeiras frases de Ilha perdida mostram uma autora adolescente envelhecida e desgastada por Manhattan: Não
havia nem mesmo um gato nas ruas. A chuva despencava com um zumbido
constante. Significava causar danos a Nova York e a todos os seus
habitantes. As calhas não conseguiam contê-la. Há muito tempo haviam se
desesperado do trabalho e se renderam. Mas a chuva não dava atenção a
elas... As pessoas de Nova York nunca viveram em casas ou mesmo em
tocas. Elas habitavam celas em penhascos de pedra. Elas cronometravam o
cozimento de seus ovos pelo semáforo mais próximo. Se a luz desse
defeito, o mesmo acontecia com os ovos.
“Eu não gosto da civilização”, ela disse para a chuva.
Em 1934, Barbara Follett já tinha escrito o terceiro e o quarto livros – Ilha perdida e um animado diário de viagem pela Trilha dos Apalaches intitulado Viagens sem um Burro.
Mas desgastada por seis anos sem o estímulo de um pai ou de um editor,
os manuscritos finalmente cessaram. Em vez disso, ela encontrou sua alma
gêmea em um amante da natureza chamado Nickerson Rogers e fugiu com
ele. Casaram-se.
futura
grande romancista da América era então uma jovem esposa sem diploma de
escola secundária e sem trabalho. Mas não estava infeliz – no início,
pelo menos. Viajou de mochila pela Europa, e entre empregos de
secretária em Nova York e Boston, descobriu as aulas de dança. Tirou
férias em alguns verões a fim de viajar para o Oeste e assistir a aulas
de dança no Mills College, que adorava: tinha um gostinho da vida
universitária que lhe havia sido negada. No final de 1939, porém, ao
voltar para o marido em Brookline, Massachusetts, sofreu novo golpe –
maior ainda do que o abandono do pai.
“Há outra pessoa...”, ela escreveu a uma amiga. “Eu merecia isso, eu
sei.” Seu desespero foi tão forte que só conseguia descansar com a ajuda
da “coisa para dormir”. Logo sua correspondência ficou ameaçadoramente
turva: “Na superfície, as coisas estão terrivelmente, terrivelmente
calmas, e erradas. Ainda acho que há uma chance de um desfecho feliz,
mas tenho de pensar assim de qualquer maneira, a fim de viver; tire a
conclusão que quiser disso!”
A conclusão a ser tirada foi a pior possível. Na noite de 7 de dezembro
de 1939, ela e Nick brigaram e, segundo o relato de uma amiga, Barbara
saiu de casa naquela noite.
Nunca mais voltou.
Alguns prodígios florescem, outros desaparecem. Mas Barbara deixou um
último comentário para o mundo sobre o ato de escrever – um texto curto
na edição 1933 de Horn Book em que aconselha com veemência a
todos os pais a darem máquinas de escrever aos filhos. Ela não deixa
transparecer que batalhava há anos contra a pobreza. O pai que lhe deu a
primeira máquina também não aparece no texto. Estava com tanta raiva
dele que escreveu em uma carta: “Ele não é o que se chamaria de homem.”
Suas vicissitudes eram tão espantosamente atemporais quanto os contos de
fadas de que tanto gostava. Décadas mais tarde, o enxadrista Bobby
Fischer seria abandonado pela mãe aos 17 anos, e embora isso não possa
ser responsabilizado por sua famosa excentricidade, o fato dificilmente o
ajudou. Tampouco ajudou o fato de a mãe ter permitido que ele
abandonasse a escola aos 16 anos.
E o que dizer do promissor prodígio da matemática, Zerah Colburn? Depois
de viajar à Europa para ser exibido pelo pai, o menino não voltou por
doze anos – seu paiestava morto no exterior e o próprio Zerah quase
falido, com seu talento desperdiçado. Dificuldades financeiras podem
tê-lo levado a publicar, em 1833, Memórias de Zerah Colburn, Escritas por Ele Mesmo.
Hoje desconhecido, é o primeiro livro de memórias de uma
criança-celebridade. Colburn estava tão alienado de sua existência que
escreveu na terceira pessoa, como se, também ele, estivesse embasbacado
com o fenômeno chamado Zerah.
Artista fracassado aos 19 anos, ele voltou a Vermont e bateu à porta de
sua antiga casa. “Perguntou a uma mulher idosa que estava na porta se
ela sabia onde morava a viúva Colburn. Ela respondeu que era ela. Sua
própria mãe não reconheceu a criança que havia amamentado e cuidado até
os 6 anos, como se nunca o tivesse visto antes.”
ick
Rogers esperou duas semanas para ir à polícia, e outros quatro meses
para solicitar um boletim de pessoa desaparecida: alegou que estava
esperando pela volta de Barbara. Ninguém no necrotério de Boston se
parecia com ela, e o boletim, emitido com seu nome de casada, passou
despercebido pela imprensa:
Brookline. 139 4-22-40 15h38 MacCracken. Desaparecida de Brookline
desde 7 de dezembro de 1939, Barbara Rogers, casada, 26 anos, 5-7, 125,
pele clara, sobrancelhas pretas, olhos castanhos, cabelo castanho-escuro
longo, ombro esquerdo ligeiramente superior ao direito. Ocasionalmente
usa óculos de tartaruga.
A imprensa só percebeu que Barbara estava desaparecida em 1966, quando
Helen Follett foi coautora de um curto ensaio acadêmico sobre sua filha.
Nesse meio tempo, Wilson Follett escreveu, em maio 1941, um ensaio anônimo peculiar para The Atlantic
– “Para uma filha, um ano perdido” –, que expressava culpa e espanto
silenciosos: “Será que Helen Hayes poderia ficar perdida por dez dias
sem deixar vestígios? Poderia Thomas Mann? Poderia Churchill? E agora
está chegando perto de quarenta vezes dez dias...”
Helen, ao descobrir tardiamente que Nick Rogers havia se mexido pouco
para localizar Barbara, passou o ano de 1952 instando a polícia a
procurar pela filha que desaparecera havia treze anos. “Há sempre um
jogo sujo a ser considerado”, ela sugeriu ao chefe de polícia de
Brookline. Para Nick, ela foi mais direta: “Todo esse silêncio de sua
parte dá a impressão de que você teve algo a esconder em relação ao
desaparecimento de Barbara. Não pense que vou ficar sentada e não fazer
todos os esforços possíveis para descobrir se Barbara está viva ou
morta, se, talvez, ela esteja em alguma instituição sofrendo de amnésia
ou colapso nervoso.”
Barbara nunca foi encontrada.
Essa menina, que deveria ter sido a próxima grande mulher da literatura
dos Estados Unidos, foi abandonada pelos dois homens em quem confiava, e
sua fama foi esquecida por um público no qual ela nunca confiou. Seus
escritos, fora de catálogo por muitas décadas, só existem hoje em seis
caixas de arquivo da biblioteca da Universidade de Columbia. Juntos,
eles constituem a leitura mais triste de toda a literatura americana.
Seu trabalho sempre foi sobre fuga. E seu misterioso desaparecimento faz eco às palavras finais de A Casa sem Janelas, quando a solitária Eepersip finalmente desaparece para sempre no bosque:
Ela seria invisível para sempre a todos os mortais, exceto aqueles
poucos que têm mentes para acreditar, olhos para ver. Para esses, ela
está sempre presente, o espírito da Natureza – um duende do campo, uma
náiade de lagos, uma ninfa dos bosques.
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Fonte: ttp://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-66/questoes-infantoliterarias/ninfa-dos-bosques
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