"A
crise provocada pelas finanças roubou-nos o futuro. Ela literalmente
sepultou-o debaixo dos medos do presente. Cabe a nós retomá-lo". Assim
fala Marc Augé, um dos antropólogos mais célebres do mundo, em seu último livro, Futuro (Ed. Bollati Boringhieri).
O autor de Não-lugares
mede cuidadosamente as palavras. Ele não tem a veemência nem a
impetuosidade do tribuno, mas, por trás da sua reflexão pacata,
percebe-se o rigor inflexível do iluminista. Que deixa ao mundo uma
esperança: a de ser salvo pelas mulheres.
Eis a entrevista.
Por que para a maior parte das pessoas o futuro se tornou um pesadelo mais do que uma esperança?
Eis a entrevista.
Por que para a maior parte das pessoas o futuro se tornou um pesadelo mais do que uma esperança?
As
causas são muitas, mas duas me parecem decisivas. A aceleração impressa
às nossas existências pelas novas tecnologias e a crise das finanças.
Uma mistura explosiva que mudou a experiência individual e coletiva de
tempo. Fazendo com que a incerteza se difunda, tornando epidêmico o
temor daquilo que nos espera.
Transformando o futuro em um fruto envenenado.Intoxicado por uma incerteza que une a todos. Os jovens temem não encontrar um trabalho, não poder projetar o seu futuro, e se sentem bloqueados em um eterno presente feito de precariedade. Seus pais, ao contrário, têm medo de perder a aposentadoria, a assistência social, de acabar na miséria.
O resultado é que a vida parece encurralada por um imobilismo sem saída. Sem progresso.
Transformando o futuro em um fruto envenenado.Intoxicado por uma incerteza que une a todos. Os jovens temem não encontrar um trabalho, não poder projetar o seu futuro, e se sentem bloqueados em um eterno presente feito de precariedade. Seus pais, ao contrário, têm medo de perder a aposentadoria, a assistência social, de acabar na miséria.
O resultado é que a vida parece encurralada por um imobilismo sem saída. Sem progresso.
Sem
mais nenhuma esperança de mobilidade social. Essa é a diferença com o
passado. Meu avô não pôde estudar, mas era um homem inteligente e
investiu na educação dos seus filhos. Meu pai era funcionário público e
quis que eu me tornasse um intelectual, realizando em mim os seus
sonhos. Isso foi possível graças à escola pública e à educação em massa.
Hoje, não é mais assim.
Até porque agora a escola reproduz as desigualdades, as confirma, não visa mais a preenchê-las, a diluí-las.
Até porque agora a escola reproduz as desigualdades, as confirma, não visa mais a preenchê-las, a diluí-las.
Isso
é verdade para a escola, assim como para todos os outros dispositivos
de educação pública. Esse é o caso da abolição do serviço militar, que
reduziu as oportunidades de encontro, de mistura e de nivelamento das
diversas classes, filiações, culturas, camadas. Assim, o corpo social
está cada vez mais imóvel, cada um trancado em seus próprios bairros, em
suas próprias escolas, em suas próprias famílias, com uma tendência
quase de castas, pré-moderna.
Típica de uma civilização que aboliu os ritos de passagem, as etapas de iniciação da vida, dificultando a construção de um futuro. Assim, de fato, todos estacionamos em um perpétuo hic et nunc.
Típica de uma civilização que aboliu os ritos de passagem, as etapas de iniciação da vida, dificultando a construção de um futuro. Assim, de fato, todos estacionamos em um perpétuo hic et nunc.
De
fato, vivemos em uma espécie de hipertrofia do presente. Que é
amplificada pelas mídias, velhas e novas. Em certo sentido, o nosso
tempo não é mais linear, mas sim circular. Como o das sociedades
primitivas, como o do mundo agrícola. Baseado na alternância das
estações. E, além disso, nós também vivemos de temporadas: esportivas,
escolares, políticas.
Uma existência reduzida a calendário. O oposto do tempo histórico, do progresso, do sol do futuro.
É
o contrário do que se pensa comumente sobre a civilização tecnológica
que estaria perenemente inclinada à inovação. Ao contrário, somos
prisioneiros de uma espécie de eterno retorno, pontuado não mais pelo
dobrar de sinos, mas pelos comerciais de TV e pelos ritmos das finanças
globais. Vivemos mais, mas começamos a viver mais tarde. Pense-se na
Revolução Francesa. Foi feita por pessoas que tinham pouco mais de 20
anos. Eram jovens, mas mudaram o curso da história. Paradoxalmente, a
vida mais curta obrigava todos a amadurecer mais rapidamente.
Portanto, a globalização também globalizou o tempo?É isso mesmo. Hoje, o tempo se tornou a unidade de medida de tudo, até mesmo do espaço. Não falamos mais em termos de distância quilométrica, mas sim de tempo de viagem. Três horas de voo. Duas de trem. Quatro de carro. E as nossas referências são globais, não mais nacionais. Cidades, e não países. Fala-se de Nova York, Mumbai, São Paulo, Paris. O conjunto forma uma nova geografia, uma inédita territorialidade virtual. Nesse sentido, a tecnologia e a economia são mais velozes e mais poderosas do que a política. E a colocam no canto, a encurralam.
Dos não lugares aos não tempos. É o capitalismo financeiro global que reescreve as coordenadas da realidade.
Portanto, a globalização também globalizou o tempo?É isso mesmo. Hoje, o tempo se tornou a unidade de medida de tudo, até mesmo do espaço. Não falamos mais em termos de distância quilométrica, mas sim de tempo de viagem. Três horas de voo. Duas de trem. Quatro de carro. E as nossas referências são globais, não mais nacionais. Cidades, e não países. Fala-se de Nova York, Mumbai, São Paulo, Paris. O conjunto forma uma nova geografia, uma inédita territorialidade virtual. Nesse sentido, a tecnologia e a economia são mais velozes e mais poderosas do que a política. E a colocam no canto, a encurralam.
Dos não lugares aos não tempos. É o capitalismo financeiro global que reescreve as coordenadas da realidade.
O
capitalismo financeiro, de fato, realizou, a seu modo, o ideal
universalista do proletariado de antigamente, o chamado
internacionalismo socialista.
Como se dissesse "proprietários do mundo, uni-vos".
Como se dissesse "proprietários do mundo, uni-vos".
Obviamente,
as finanças transformaram o universalismo em globalismo, em economia
multinacional. É por isso que as desigualdades aumentaram, apesar do
ingresso de novos protagonistas no palco da história.
É também por isso que a política está quase reduzida a governance, a simples gestão de consumos e serviços?
É também por isso que a política está quase reduzida a governance, a simples gestão de consumos e serviços?
Sim,
e, além disso, trata-se de má gestão. É uma ideia da política do fim da
história. Com um certo modelo de livre mercado e de democracia que se
mundializam e se tornam pensamento único, só resta assegurar o bom
funcionamento do mercado. Assim, o mundo é reduzido a uma única e imensa
província. É o último ato daquele declínio das grandes narrativas,
filosóficas, políticas, nacionais, em que Jean-François Lyotard identifica o espírito da pós-modernidade.
Mas então tudo está perdido ou podemos fazer alguma coisa para retornar o futuro?
Mas então tudo está perdido ou podemos fazer alguma coisa para retornar o futuro?
Apesar
das aparências, nem tudo está perdido. Enquanto isso, a ciência e a
tecnologia estão lhe abrindo portas importantíssimas, passo a passo.
Estamos acostumados a pensar que, para criar um mundo novo, é preciso
primeiro imaginá-lo. Ao contrário, as grandes invenções que estão
revolucionando as nossas vidas, da pílula à Internet, não nasceram de
uma imaginação política ou de sabe-se lá qual utopia. Não de uma grande
narrativa, enfim, mas simplesmente das implicações concretas das
descobertas científicas. Talvez estejamos aprendendo a mudar o mundo
antes de imaginá-lo. Estamos nos tornando existencialistas pragmáticos. E
disso pode nascer o novo desafio para o futuro.
Portanto, graças à ciência e à tecnologia, já estamos vivendo o futuro sem saber?Sim, mas resta darmos o passo essencial para nos tornarmos titulares do nosso futuro.
Qual?
Portanto, graças à ciência e à tecnologia, já estamos vivendo o futuro sem saber?Sim, mas resta darmos o passo essencial para nos tornarmos titulares do nosso futuro.
Qual?
Acolher
até o fim o desafio do conhecimento. Só o saber poder nos descerrar as
portas de um amanhã melhor. Talvez o segredo da felicidade dos
indivíduos e das sociedades esteja no coração das ambições mais
vertiginosos da ciência. E, para realizá-las, as duas prioridades
absolutas são a potencialização imediata da educação pública e a
obtenção efetiva da igualdade entre os sexos. Dito em outras palavras: a
escola e a mulher.
É por isso que você faz o elogio do pecado original?
É por isso que você faz o elogio do pecado original?
Sim, e não é só um paradoxo. Foi graças a Eva que
o homem comeu o fruto da árvore do conhecimento e se tornou homem.
Assim começou a nossa história, e, se quisermos que haja um futuro,
devemos continuar comendo esse fruto. Dividindo a maçã em partes iguais.
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A entrevista foi conduzida pelo antropólogo da contemporaneidade italiano Marino Miola, publicada no jornal La Repubblica, 19-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 22/03/2012
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