domingo, 18 de março de 2012

Franklin Zimring: "Leve o tráfico para dentro das casas"

INVESTIGADOR Franklin Zimring,  de 69 anos, em foto recente. Há quatro décadas pesquisando  o combate ao crime, o professor de Berkeley afirma que o êxito de Nova York é inédito  (Foto: Divulgação)

O autor do mais elaborado estudo feito sobre a queda da violência em Nova York diz que o importante não é acabar com a venda de drogas, e sim tirá-la das ruas

Em 2002, Nova York registrou menos assassinatos do que em qualquer ano desde 1900. A insegurança na maior cidade dos Estados Unidos, que já inspirou filmes como O poderoso chefão, Taxi driver e Duro de matar, agora está restrita à ficção. Entre 1990 e 2009, o índice de homicídios na capital caiu 82%, o de roubos 80% e o de roubo a carros 94%. “É a maior queda documentada nos índices de criminalidade de uma grande cidade no século XX”, diz Franklin Zimring, no livro The city that became safe (algo como A cidade que se tornou segura, sem previsão de lançamento no Brasil). Professor de criminologia na Universidade da Califórnia em Berkeley, Zimring fecha os ouvidos para máximas consagradas de defesa pública e dá voz aos números. O que eles dizem é cristalino: Nova York foi pacificada com iniciativas simples, baratas – e polêmicas –, que podem ser aplicadas nas cidades brasileiras. 

ÉPOCA – Como Nova York ficou mais segura?
Franklin Zimring
– Foram dois movimentos. Entre 1990 e 2000, Nova York teve uma queda de 40% em seus índices de violência, seguindo uma tendência nacional dos Estados Unidos. Graças ao envelhecimento da população ou a um êxito da política antidrogas, não se sabe o motivo, a criminalidade caiu em todo o país. Nova York é especial, porque seus índices continuaram caindo de 2000 a 2009, quando as outras capitais americanas se mantiveram estáveis. Caíram de forma inédita e sem razão aparente. A cidade não prendeu mais pessoas do que já prendia nem fez mudanças na economia local. Dizem que você precisa de grandes planos para combater o crime, mas o exemplo de Nova York contraria essa tese. O que se percebe na análise são pequenas mudanças na natureza da cidade e grandes mudanças na natureza do crime.

ÉPOCA – Quais são as mudanças na natureza do crime?
Zimring
– A polícia contratou mais guardas, resolveu ir aos lugares onde a ocorrência de crimes era frequente, chamados “pontos quentes”, e os ocupou por mais tempo. Os criminosos mudaram para outro lugar, mas não fizeram isso indefinidamente. Uma hora, deixaram as ruas. Os pontos de venda de cocaína a céu aberto foram desfeitos, o que não significou terminar com a venda e o consumo. Esses, aliás, pouco se alteraram. Ao ocupar a rua, a polícia forçou a ida do comércio de drogas para dentro das casas.

ÉPOCA – A polícia de São Paulo atacou o principal ponto de venda de drogas da cidade, conhecido como Cracolândia, e o comércio migrou para apartamentos da região. É isso que o senhor propõe?
Zimring
– Exato. É curioso, eu sei, mas isso muda o jogo. Se passo a vender drogas em meu apartamento e você no seu, não vamos mais brigar pela posse da melhor esquina.

ÉPOCA – O senhor está dizendo que o tráfico de drogas reproduz nas metrópoles de hoje o cenário de disputa territorial permanente que havia em cidades medievais?
Zimring
– Sim, agora com armas semiautomáticas, mais perigosas. Os mercados ao ar livre de entorpecentes tornam-se áreas de conflito, pontos quentes de violência. Tirar o comércio do tráfico das ruas fez o índice de assassinatos relacionados a drogas cair mais de 90%. 

ÉPOCA – João Goulão, presidente do departamento antidrogas da Europa e de Portugal, afirmou a ÉPOCA em janeiro que a cidade de Lisboa diminuiu o consumo de drogas sem dispersar os pontos de venda a céu aberto. Pelo contrário, aproveitou a concentração de viciados para oferecer assistência médica e social.
Zimring
– Os nova-iorquinos adotaram uma estratégia diferente e tinham um problema diferente. E, pelo que ouvi, Rio de Janeiro e São Paulo se parecem mais com a velha Nova York que com Lisboa. A primeira pergunta a fazer não é quanto consumo de drogas existe, e sim qual é o maior problema causado por ele. Em Nova York, o maior problema era a violência. Ao minimizar a briga pelos pontos de venda, a quantidade de assassinatos ligados a drogas caiu, a ponto de se tornar menor que a de mortes por overdose, que mantém-se estável desde 1988.

ÉPOCA – Se os assassinatos ligados a drogas caíram mais de 90% e o número de viciados praticamente se manteve, podemos dizer que eles não são um grupo violento?
Zimring
– Os viciados não produzem o nível epidêmico de violência que se costuma associar a eles. Jovens negros ou hispânicos também não fazem jus ao preconceito: a taxa de envio deles para as prisões caiu 47%, entre 1990 e 2009, mesmo com seu aumento de participação na população.

"Prender mais gente não tornou Nova York mais segura. 
Pelo contrário, a queda na violência coincidiu com a diminuição de prisões "
 
ÉPOCA – Nunca nenhuma forma de governo, em qualquer época, prendeu mais gente que os Estados Unidos hoje. Isso não ajuda a explicar o sucesso da experiência de Nova York?
Zimring
– Prender mais gente não tornou Nova York mais segura. Pelo contrário, foram movimentos em direções opostas. As prisões de jovens aumentaram dramaticamente nos anos 1980, enquanto a cidade vivia seu auge de violência. Nos anos em que a criminalidade caiu, desde 1990, o índice de prisões de menores de 18 anos por assassinato, estupro e roubo de carros diminuiu à metade.

ÉPOCA – A prisão é uma escola do crime?
Zimring
– Não. Nos últimos 20 anos, esses detentos estão deixando a cadeia sem voltar a cometer crimes. Se algum ambiente determina esse comportamento, é o das ruas.

ÉPOCA – Medidas de combate à pobreza reduziram a violência?
Zimring
– Não. O distrito de Manhattan ficou 21% mais rico em 20 anos, mas no Queens e no Bronx a renda média até diminuiu. Tirando lugares realmente pobres, o crime não é uma boa alternativa ao emprego. Na média, paga mal. É mais fácil acreditar que jovens roubam para se divertir ou impressionar os amigos. A queda nos índices de roubo em Nova York se deu num cenário de economia estável, sem abertura de postos de trabalho.

ÉPOCA – A política de tolerância zero, com punição exemplar a delitos leves, desestimulou delitos mais graves?
Zimring
– Foi um mito criado por políticos de ocasião. O mesmo vale para a “teoria das janelas quebradas” (surgida nos anos 1980, ela diz que irregularidades diversas, como sinais de vandalismo, mostram aos criminosos que a ordem está ausente e que eles podem agir). Independentemente de essas ideias darem certo ou não, o número de policiais dedicados a enfrentar delitos leves era e continuou pequeno dentro do Departamento de Polícia de Nova York. Nunca foi a prioridade deles.

ÉPOCA – Seu livro mostra uma disparada no número de detenções por porte de maconha: passou de menos de 5 mil, em 1993, para mais de 50 mil, em 1999. Em Nova York, portar pequenas quantidades de maconha dentro de casa nem é crime. Isso não é um exemplo de tolerância zero?
Zimring
– É fruto muito mais da estratégia de fazer revistas e recolher impressões digitais de suspeitos. Prova disso é que o consumo de maconha nos Estados Unidos é equilibrado entre homens e mulheres, mas eles foram pegos para averiguação dez vezes mais. Isso porque os homens se envolvem em crimes muito mais que elas. O número de prisões de prostitutas caiu à metade, entre 2000 e 2009, o que também contraria a tese da tolerância zero e fortalece a de que deixam de fisgar peixinhos para dar atenção aos tubarões.

ÉPOCA – O senhor afirma que, além de grandes mudanças na nartureza do crime, houve pequenas mudanças na natureza da cidade. Quais foram?
Zimring
– Foram mudanças culturais. Ruas tomadas por prostituição e pornografia deram espaço a teatros com musicais dedicados à família. Quem busca a pornografia são homens a fim de beber e com dinheiro no bolso. Eles se metem em brigas e atraem a cobiça de ladrões.
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Reportagem por  MARCELO MOURA
Fonte: Revista ÉPOCA on line, 16/03/2012 

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