Turma da Rede de Educação e Visibilidade Assexual (Aven, na sigla em inglês)
na última parada gay de São Francisco
na última parada gay de São Francisco
Minoria em fase de afirmação, o grupo de assexuados sente pouca ou
nenhuma atração por outras pessoas. Há vários tipos de 'assexuais', como
preferem ser chamados. Há os que se masturbam, os que se casam e até os
que transam
Para o jornalista Millôr Fernandes, de todas as taras sexuais não existe
nenhuma mais estranha do que a abstinência. A pedagoga Elisabete
Oliveira, que escreve sua tese de doutorado sobre assexualidade, não
poderia estar mais de acordo: "As pessoas têm mais facilidade para
entender as variações do desejo do que a falta dele".
A área de estudo de Oliveira é particularmente nova: "Até hoje foram
escritos menos de 30 artigos sobre assexualidade que não enxergam o
assunto como transtorno".
Os próprios assexuais contribuíram para transferir seu comportamento do
campo da patologia para o das escolhas. A partir dos anos 2000, eles
passaram a se organizar em comunidades virtuais e a tentar se definir.
Aos trancos e barrancos, chegaram à definição atual do que vem a ser um
assexual: "É uma pessoa que sente pouco ou nenhum desejo por outras
pessoas", explica a estudante colombiana Johanna Villamil, 23,
representante da Aven (Asexual Visibility and Education Network) na
América Latina.
Dentro da definição há espaço para quem sente repulsa ao sexo, namora
sem transar, pratica masturbação e até transa sem interesse, no intuito
de agradar o parceiro.
Com 40 mil membros, 12 mil na América Latina, a Aven é a maior
organização do gênero e acha que poderia ser maior: "Pouca gente se
identifica como assexual, o termo é desconhecido e parece pejorativo.
Nossa intenção é sair do armário para que outros se reconciliem com a
opção de não transar", diz Villamil.
No DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), catálogo
de doenças mentais da associação americana de psiquiatria,
assexualidade tem nome e sobrenome: é síndrome do desejo sexual
hipoativo, considerada um desvio.
"Para o DSM ninguém é normal", relativiza Carmita Abdo, coordenadora do
projeto de sexualidade do Hospital das Clínicas. A psiquiatra lembra que
há mais diversidade entre quatro paredes do que fazem supor as revistas
femininas: "Por vivermos numa sociedade hipersexualizada, não transar
parece problema grave, mas ninguém deve ser medicado por não ter desejo,
a não ser que isso gere sofrimento".
Deficiência hormonal, depressão, vaginismo, problemas de tireoide ou de
ereção, menopausa, hipertensão e diabetes são alguns fatores que podem
minar a vontade de sexo. É comum, no entanto, que pessoas saudáveis
percam o desejo por um tempo: "Sexualidade não é uma linha eternamente
ascendente. Para se considerar assexuada a pessoa precisa estar numa
fase longa de falta de desejo sem motivo de saúde, acima de seis meses",
diz Abdo.
A fase prolongada de F. Michele, 30, tem durado sua vida inteira. A
funcionária pública baiana já tentou relacionamentos com homens e
mulheres só para ter certeza de sua indiferença ao sexo: "Não me faz
falta. Mantive relacionamentos quando me senti exigida, mas hoje sei que
é contra minha natureza", diz.
Até os 28, Michele conta que levantava suspeitas ao pular Carnaval e
frequentar shows e nunca ficar com alguém: "Beijei alguns homens, tive
relacionamentos rápidos, sem sexo, mas ainda assim era estranho nunca me
verem com alguém".
Quando se submeteu a uma cirurgia de redução de estômago, há cinco anos,
a pressão para que namorasse cresceu: "Se você não sai com ninguém
porque é gorda, tudo bem, mas ser magra e só é inaceitável", diz.
Para atender à demanda da família, a moça namorou um rapaz por seis
meses. Não deu certo. Tentou um caso homossexual, fracassou: "Não gosto
da sensação de ser tocada e o suor durante o sexo me incomodava muito,
sentia nojo".
Hoje, Michele se diz apaziguada com sua opção: "Duas das minhas irmãs
sabem que sou assexuada, falei. Para os outros, não preciso me expor
tanto, mas não chego a esconder. Se alguém vem com conversa sobre
namoro, deixo claro: não me interessa".
Para a psicóloga Blenda de Oliveira, todo mundo tem libido e é preciso
investigar as causas antes de aceitar a assexualidade como saudável: "Há
quem tenha baixa libido ou prefira canalizar essa energia para outras
coisas. Mas é raro alguém que não tenha problemas com sua falta de
desejo".
8,2% das brasileiras não têm desejo
A completa falta de desejo sexual afeta quatro vezes mais mulheres do que homens (2,1%)
Fonte: Pesquisa do Projeto Sexualidade (ProSex) do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas realizada em 2003 com 7.103
brasileiros das cinco regiões do país
5% dos jovens entre 18 e 24 anos não veem graça no sexo
Fonte: Pesquisa do Datafolha realizada em 2009 com 1.888 pessoas entre 18 e 60 anos em 125 municípios do país
23% das pessoas passam mais de oito meses sem transar
Esse foi o número encontrado pelo Datafolha ao perguntar há quanto tempo
os entrevistados não transavam. A maior parte dos "sem sexo" tinha
entre 35 e 60 anos e 23% eram casados
Fonte: Pesquisa do Datafolha realizada em 2009 com 1.888 pessoas entre 18 e 60 anos em 125 municípios do país
Pistas possíveis de assexuadalidade
- A pessoa não sente atração sexual por outras
- Não sente falta de relações sexuais
- Não se identifica com nenhuma classificação vigente (nem homo nem hetero)
- Não acha ninguém atraente o suficiente para se relacionar
- Não compreende por que os outros se interessam por algo tão sem graça quanto sexo
- Alimenta fantasias com celebridades ou pessoas impossíveis para evitar se relacionar com alguém de verdade
- Tem nojo de contato mais próximo. A ideia de um beijo na boca lhe parece asquerosa
- Se decide fazer sexo, não consegue ter prazer na experiência. Culpa a falta de habilidade do parceiro ou pensa que não achou a pessoa certa
- Separa amor e sexo: acredita que pode ter uma relação amorosa sem contato físico
'Assexuados são os novos gays'
O novo movimento dos sem desejo é fruto das conquistas de outras minorias, diz Elizabeth Abbott, especialista em celibato da Universidade de Toronto, no Canadá.
"Esse é o tema do momento. Os assexuados são os novos gays. A exemplo dos homossexuais na década de 1970, eles são vistos como doentes e sofrem punições sociais por suas escolhas", diz.
Se os celibatários se reprimem em nome de uma causa, assexuados não têm impulso sexual: "Celibato é uma atitude 'santa' de controle dos instintos. Já assexualidade é vista como ausência de instintos, como se a pessoa não fosse um ser humano pleno", compara a historiadora.
Grupos de apoio a assexuados podem soar tão sem sentido quanto grupos dos que não curtem chocolate: não há violência contra assexuados nem barreiras para que façam o que querem -uma vez que eles não querem fazer nada.
Mas a categoria vê motivos para se unir: "Vivemos em uma sociedade que enaltece ideias românticas e vende sexo o tempo inteiro. A gente quer ser respeitado e não ser constrangido por não ter as mesmas motivações dos outros", diz o estudante Ricardo Oliveira, 21, do Paraná.
Alguns buscam as redes para lidar bem com o assédio de família e amigos, que tentam empurrar pretendentes.
Já os românticos procuram parceiros que aceitem uma relação sem sexo. Como o engenheiro gaúcho Ricardo, 25. Ele conta que, quando deu o primeiro beijo, aos 14, não sentiu nada: "Estava apaixonado, tinha expectativas altas, mas nada aconteceu".
Hoje, assexual assumido para alguns amigos e familiares, Ricardo tem problemas para arrumar companhia. "Como acha que sua namorada ficaria se você falasse para ela: 'Gosto muito de ti, mas não sinto vontade alguma de sexo', estranho, não?"
Os militantes acham que assumir sua assexualidade fará outros se sentirem melhor com a falta de libido.
No Brasil, o site assexualidade.com.br, com um fórum anônimo e sala de bate-papo, atrai 70 visitas diárias. É mantido pelo estudante Júlio Neto, 21. "Assexualidade é algo ainda estranho para o brasileiro, por conta da nossa cultura, muito sensual", diz.
Dono de uma loja de informática em Pernambuco, ele diz não ter medo do julgamento social: "Sou o que sou, mas entendo quem não se expõe, é difícil ser apontado como esquisito".
Julio eventualmente beija garotas: "Não posso chamar o que faço de 'ficar'. É mais complicado, e a menina nunca entende como 'ficar'".
20% das mulheres acima dos 60 não querem saber de sexo
Quanto aos homens, 2% perdem o desejo até os 60 anos e 5% depois dessa idade
Fonte: Pesquisa do Projeto Sexualidade (ProSex) do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas realizada em 2003 com 7.103
brasileiros das cinco regiões do país.
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Reportagem por Juliana Cunha Colaboração para a Folha | - Fonte: Folha on line, 27/03/2012 |
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