quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A beleza do corpo. O que sobrou?

Padre Wilson Denadai*
Hoje a indústria da beleza promove uma campanha para que tenhamos um físico que obedece a estereótipos fabricados. E parece tudo ter começado há 40 anos, pouco mais ou menos. Maio de 1968 provocou uma revolução no comportamento. Sob as cores da revolução política, erguiam-se as barricadas do desejo mais do que um projeto concreto: “sejam realistas, exijam o impossível!” escreviam os estudantes nos muros da Sorbonne. Enquanto isso, os operários agrupados em seus sindicatos rejeitavam as pretensões e alianças estudantis.
Como uma espécie de mundo à parte, os hippies — Youth International Party — buscavam uma identificação com a natureza, e nas roupas exóticas, na meditação hindu, no amor livre e na expressão artística artesanal expressavam a recusa ao mundo do consumo e do trabalho produtivo alienado. Woodstock foi sua forma maior de expressão. E acabou sendo mesmo sem ter essa intenção. O fato mais significativo do festival talvez tenha sido o rompimento das cercas. Um festival preparado para 85 mil pessoas recebendo 500 mil põe a perder todos os esquemas de controle, sobretudo do pagamento de entradas. E as cercas de arame acabaram por ser algo simbólico. Eram as barreiras que impediam uma convivência mais alegre e carregada de vida que estavam sendo rompidas. Os jovens, que daí a pouco poderiam estar lutando nas selvas do Vietnã, sem saber a razão, queimavam seus cartões de convocação e punham no rock and roll a expressão de uma liberação de energias que, de outra forma, seriam utilizadas pelo aparato militar americano.
A liberação corporal e a expressividade espontânea das roupas procuravam ser o contraponto dos jovens que, em envoltórios negros, eram descarregados dos aviões para, mortos, serem entregues às suas famílias. Muitas vezes condecorados como heróis! Woodstock, a seu modo, encarnava, sem muita ideologia, o que Marcuse, inspirado em Freud, chamava de rebelião biológica. Eram as forças da vida contra as forças da morte. No ritual físico, se expressava a verdadeira natureza da revolução juvenil. Nada de conceitos! Ritos e danças. Com certa antecedência os estudantes já tinham se rebelado nas universidades. Os negros incendiavam quarteirões e sua música alcançava o topo das vendas. Tudo era movimento, tudo sacudido por um desejo inabalável de paz. Havia, claro, na memória de todos, o assassinato de Martin Luther King, a luta fracassada do senador Eugene McCarthy, atropelado nas primárias por Robert Kennedy, ele também assassinado.
Pensando em termos metafóricos, a luta entre o bem e o mal se dava entre realismo e utopia. Entre o mundo dos conceitos e dos rituais e danças. Venceu o primeiro? Historicamente, com mudança acelerada ou não, sempre é bom esperar que a história diga a última palavra. E é bom lembrar que, no Brasil, vivíamos sob a ditadura do Ato Institucional 5 e ressoava em nós — não sem uma visão conspirativa de história — uma espécie de júbilo pelos fracassos que o governo americano enfrentava nas frentes de sua guerra imperialista.
Repito a pergunta: quem venceu? O que sobrou? As profissões (trabalho) não definem mais identidades. O corpo expressivo, ritual, cedeu lugar à sua fragmentação e à difícil convivência com a própria corporeidade. Como diz Jean Baudrillard: tornamo-nos próteses de nós mesmo, moldados pela indústria da beleza, que fabrica imagens.
*Padre Wilson Denadai é reitor da PUC-Campinas
http://cpopular.cosmo.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1652803&area=2190&authent=10252A9B29C88228B71209115ABABA - Correio Popular, 17/09/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário