segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Líderes precisam ser socialmente responsáveis

John Wells*
"O jeito com que se alcança bons resultados
tem um profundo efeito na saúde de
longo prazo das empresas"
A liderança responsável é
um conceito que ganhou força depois da crise
e se tornou fundamental para o sucesso
dos negócios no longo prazo.
Isso significa que apenas apresentar
bons resultados já não é mais suficiente.
É preciso saber de que forma eles foram conseguidos.

Em recente passagem pelo país, ele conversou com o Valor. Confira a seguir os principais trechos:

Valor: O senhor assumiu há pouco mais de um ano o cargo de presidente do IMD. Como tem sido estar a frente de uma das mais reconhecidas escolas de negócios do mundo em um cenário de crise, turbulências e desconfiança como o que vivemos desde 2008?
John Wells: Este período tem sido muito excitante. Obtivemos um ótimo desempenho e fomos classificados como o melhor MBA do mundo pela revista "The Economist" e vice-líder mundial pelo "Financial Times" nos cursos de educação executiva. Nós somos uma pequena escola de negócios baseada em Lausanne, Suíça, mas muito internacional. A cada ano atendemos mais de mil empresas e instituições de mais de cem países para desenvolver conhecimentos e habilidades de executivos de elevado potencial. Nossos clientes de primeira ordem são parceiros de aprendizado, ou seja, 200 das maiores corporações globais enfrentando crescentes desafios na liderança de empreendimentos internacionais. Nós atuamos com eles em seus assuntos mais críticos, o que nos posiciona na vanguarda, e eles nos ajudam a subsidiar nossas pesquisas que focam os temas mais atuais. Estar a frente do IMD tem sido também muito desafiador, pois a crise afetou materialmente grande parte desses parceiros de aprendizado. A pressão sobre eles acaba recaindo também sobre nós.

Valor: A crise mudou a maneira de pensar e de ensinar das escolas de negócios?
Wells: Mais da metade do nosso tempo envolve responder a necessidades específicas de parceiros de aprendizado, o que nos permite nos ajustar rapidamente as suas necessidades. Além disso, aprendemos muito com esse tipo de atividade e incorporamos o conhecimento em nossos programas abertos e de parceria. Isto significa que nós nos mantemos relevantes. Tão logo a crise se instalou, passamos a atuar com equipes de altos executivos da maioria de nossos parceiros no desenvolvimento de planos de ação. Como resultado da crise, nosso mix de negócios mudou drasticamente. Passamos a lidar mais com programas de reestruturação e desenvolvimento de novos modelos de negócios. Gestão de risco também é um tópico importante. Enquanto respondíamos às necessidades do mercado no curto prazo, a magnitude da crise e suas causas mais importantes nos levaram a refletir sobre nosso papel no desenvolvimento de executivos a longo prazo.

Valor: Como uma crise afeta a procura por educação executiva?
Wells: A procura por programas de MBA tipicamente aumenta em uma crise, já que os indivíduos usam essa oportunidade para reavaliar suas carreiras e desenvolver suas habilidades. Já a procura das companhias por programas de desenvolvimento de executivos varia dependendo de quanto o setor onde elas atuam foi afetado. O tipo de trabalho que fazemos com as empresas também muda. Há mais ênfase na reengenharia da redução de custos do que na expansão dos negócios. Não prevemos um grande restabelecimento em 2009, embora as atividades permaneçam fortes no Oriente Médio, China e comecem a melhorar nos EUA. Suspeitamos que vamos precisar esperar pelo segundo semestre de 2010 até que o processo de recuperação esteja verdadeiramente em marcha.
Valor: O que se pode fazer para que a crise não se repita?
Wells: Estar comprometido com o conceito de liderança responsável. Os programas de MBA são realizados sempre com um coaching, de modo que os alunos possam entender seus reais valores, estar mais atentos aos seus comportamentos e administrar suas equipes com mais responsabilidade. Neste ano, os alunos de MBA tiveram que trabalhar com pequenas empresas sul-africanas e melhorar sua produtividade. Isso encoraja os participantes a desenvolver um senso mais forte de responsabilidade em relação à sociedade. Realizamos também conferências para debater com líderes de negócios e com os responsáveis pelas regras de governança o que pode ser feito.

Valor: Quando o senhor fala de liderança responsável, o que quer dizer exatamente?
Wells: Liderança responsável é não apenas entregar resultados bons, mas também fazê-los do jeito certo. O objetivo de qualquer empresa é ter uma performance sustentável superior. Mesmo assim, muitas empresas falham por não conseguirem se adaptar a um mundo em constante mudança. A inércia é uma doença fatal. Liderança responsável demanda estratégias e estruturas ágeis. O jeito com que se alcança um bom resultado tem um profundo efeito na saúde de longo prazo das empresas. Neste sentido, é sempre útil apelar para os simples princípios de honestidade e de clareza.

Valor: O senhor pode nos dar um exemplo?
Wells: Pegue o caso de um gerente industrial que é promovido por ter gerado maior rentabilidade simplesmente por ter postergado manutenção. Isto é o equivalente a "roubar" da base física de ativos. As empresas devem estar certas de que seus ativos seguem nas mesmas condições do início. O mesmo é válido para os ativos humanos. Alguns gerentes constroem carreiras bem sucedidas explorando membros de suas equipes e atuando pouco para desenvolvê-los. Isto é um "roubo" da base de ativos. Também é simples "roubar" ativos à medida que não se fornece aos clientes a promessa embutida na marca. Veja o exemplo de companhias de seguros que melhoram sua lucratividade não pagando os acidentes. Finalmente, há "roubo" no balanço financeiro. CFOs que escondem lucros nos balanços de anos bons para turbinar anos ruins. O desafio para as empresas é criar sistemas que desencorajem essas práticas.

Valor: Em sua opinião, o que os líderes das companhias podem aprender com esta crise?
Wells: Talvez o mais óbvio seja que crises acontecem. Em toda minha vida profissional presenciei muitas crises financeiras e ainda me surpreendo com o fato de que poucas empresas estão preparadas para elas. Todos sabem que elas vão acontecer, o desafio é prever quando. Algumas pessoas alegam que os líderes não têm tempo para pensar em estratégias durante a gestão de uma crise e devem focar na sobrevivência. Porém, é fundamental continuar investindo nos objetivos de longo prazo. A crise não deve ser desperdiçada e pode, inclusive, acelerar a execução de determinadas estratégias. A regra que normalmente uso é que só se obtém recursos quando não se precisa deles.

Valor: É preciso adotar uma nova postura para liderar?
Wells: Os tempos mudaram e as empresas também devem mudar. Esperança não pode ser uma estratégia. O problema não desaparecerá somente porque o ignoramos. Líderes devem promover rápidos e corajosos ajustes para enfrentar as novas condições de mercado e evitar seguidas pequenas correções. Devem agir agressivamente, mas também com humanidade. Mais frequentemente do que se imagina, empresas enfrentam crises não porque houve algum evento econômico externo, mas porque elas simplesmente falharam em ajustar suas estratégias a tempo. Crises são uma boa oportunidade para se tentar novas soluções. Os clientes estão abertos a novas ideias e é mais fácil mudar internamente. Também é útil envolver suas equipes não somente na geração de ideias, mas também no encaminhamento das soluções. Este tipo de atitude melhora o moral, diminui a ansiedade e oferece maior capacidade para mudanças. É fundamental para o líder se comunicar de forma mais efetiva dentro da empresa e buscar maneiras para motivar os colaboradores.

Valor: Quais serão os maiores desafios dos líderes quando a crise for totalmente superada?
Wells: O mundo nunca precisou tanto de liderança. Os desafios econômicos, sociais e ambientais são complexos, cada vez mais globais e vai ser necessária uma grande liderança para enfrentá-los. Apesar disso, a confiança em nossos líderes e instituições está desabando. A confiança nos políticos está em um dos piores níveis e uma recente pesquisa com investidores nos EUA indicou que a maioria deles não acredita no que o CEO fala. Indivíduos em posições de liderança devem trabalhar para reconquistar essa confiança.
*John Wells, presidente da escola de negócios suíça IMD, uma das mais importantes do mundo
Reportagem de RAFAEL SIGOLLO, de São Paulo, para VALOR ECONÔMICO, 14/09/2009, pg.D8

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