sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A ecologia integral

A ecologia vai além do ambiental. É também política e social. Mental e integral. E urgente, em tempos de uma cultura em crise de civilização, defende Leonardo Boff em seu A opção Terra (Record). Com reflexões sobre a degradação e a necessidade de revolucionar o pensamento e o olhar sobre o planeta, o filósofo pensa a humanidade como parte de uma teia de relações. O escritor, que se desvenciliou de suas atividades religiosas em 1992, está também com parte de sua obra nas áreas de teologia e espiritualidade reeditada pela editora Vozes. E mais: estará na Bienal do Livro do Rio de Janeiro em debate sobre a ética no mundo contemporâneo. Nesta entrevista, Boff solta suas reflexões: cultura, ecologia, pensamento, relações humanas, ética e até um apoio à senadora Marina Silva como candidata à Presidência da República.

Você afirma em A opção Terra que “quando uma cultura entra em crise, como a nossa, faz suscitar mitos de fim do mundo”. Como se dá a crise na nossa cultura?
Toda a cultura moderna está montada sobre os meios sem definir os fins. Para que agilizar tantos meios para produzir riqueza à custa da exploração ilimitada da natureza e da criação de desigualdades sociais? Isso não nos fez mais felizes. Ao contrário, gerou uma incomensurável injustiça planetária e uma devastação da natureza que provocou uma série de crises (energética, alimentaria, financeira, ética), culminando com a crise maior do aquecimento global. Todas estas crises remetem à crise de civilização. Quer dizer, os valores e princípios hoje globalizados. que deram sentido às sociedades ocidentais, não conseguem formular saídas que incluam a todos. Ou mudamos ou vamos ao encontro de uma tragédia ecológica e humanitária. O mundo não acaba, mas acabará este tipo de mundo para dar lugar a um outro. Quem sabe, com maior capacidade de integrar melhor vida-humanidade-Terra.

No livro, você escreve que “conhecer um ser é conhecer seu ecossistema e a teia de suas relações”. Acha que falta às pessoas a clareza de que são partes de um todo e não apenas vidas individuais?
É o grande problema de nosso modelo de conhecimento. É analítico ao extremo e parcamente sintético. Com isso se torna irreal, porque se constrói em contradição com a realidade na qual todas as coisa coexistem umas com as outras e se encontram permanentemente inter-retro-conectadas. Para conhecer cada ser precisa-se conhecer o conjunto das relações que o constituem. Caso contrario, conhecemos cada vez mais sobre cada vez menos, perdemos a visão integradora e acabamos cheios de unilateralismos. Conhecemos bem os olhos, o coração, os pulmões, e esquecemos o ser humano total que é mais que cada uma de suas partes isoladas.

Durante a Bienal do rio, o senhor estará na mesa Ética e responsabilidade no mundo contemporâneo. Em seu livro, você também menciona a “ética ecológica”. Como enxerga o lugar da ética no mundo contemporâneo? Até que ponto a ética deve reger a ação humana?
Não existe sociedade humana que não projete valores, normas, consensos, aprovações e punições sem o que ela perderia coesão e viveria em permanentes conflitos de interesse. A ética engloba aquele conjunto de valores e convicções que regem os comportamentos das pessoas e da sociedade. Hoje a ética não pode ser simplesmente individual ou de determinada cultura. Há de visar o global, pois nos damos conta de que vivemos todos numa única casa comum, o planeta Terra, e com um destino comum. Curiosamente, ethos em grego significa a morada humana, e ética é a forma de organizar bem esta casa para que se torne habitável. Ocorre que hoje a morada é a Terra inteira. Como vamos preserva-la e tratá-la de tal forma que nos acolha a nós e a toda a comunidade de vida? Este é o desafio ético fundamental nos cenários de crise generalizada.

Como surgiu o interesse pelo tema ecologia, já abordado também em outros livros seus?
O tema da ecologia sempre esteve presente em minha vida pela formação franciscana que tive. Na esteira de São Francisco, me habituei a ver todos os seres como irmãos e irmãs. A ecologia não pode se restringir ao meio ambiente. Não existe meio ambiente, mas sempre o ambiente inteiro, que é a comunidade biótica e cósmica. Todos os seres se encontram dentro de um todo de energias, de ecossistemas e de relações. Então importa considerar o entorno natural (ecologia ambiental), as relações sociais e a maneira como se produz o que precisamos (ecologia social), que ideias e visões de mundo orientam ou desorientam as pessoas e as comunidades (ecologia mental) e, por fim, perceber que estamos dentro de um processo cosmogênico que está em curso há 13,7 bilhões de anos e que produziu o que hoje somos (ecologia integral).

O que precisa ser feito para entrarmos no caminho para um mundo mais humano, como o senhor propõe no livro?
Como nunca antes na história, devemos tomar a palavra revolução ao pé da letra. Temos que revolucionar nossas mentes e corações, nosso modo de olhar a Terra como mãe e menos como um meio de produção, descobrir nosso lugar e missão no conjunto dos seres e assumir uma responsabilidade universal e um cuidado essencial, caso quisermos continuar sobre esse planeta. Temo a vingança de Gaia, como fala James Loverlock, o formular da teoria da Terra como Gaia, um superorganismo vivo. Se não cuidarmos de nossa mãe terra, ela poderá nos fazer sair do cenário da história para que as outras espécies por nós ameaçadas possam continuar a viver. Se não tentarmos o impossível – diziam os jovens rebeldes de 1968 – seremos confrontados com o inconcebível.

Quais são as principais ameaças à Terra e quais devem ser as preocupações centrais para o nosso planeta? Você acha que é possível a extinção da espécie humana em um futuro não muito distante?
Normalmente desaparecem anualmente, por via natural, cerca de 300 espécies de seres vivos. Dada a agressividade humana estão desaparecendo cerca de 5 mil espécies. Isso equivale a uma devastação. Criamos uma máquina de morte com armas nucleares, químicas e biológicas capazes de aniquilar toda a espécie humana. Acresce ainda o aquecimento global que se chegar, segundo os últimos dados do MIT, a 9º no final do século, tornará impossível a vida como a conhecemos atualmente, inclusive a vida humana. E há ainda a grave crise da água potável que poderá representar uma sacrificação de milhões e milhões de pessoas.

O senhor acha que o tom de seu livro pode soar fatalista demais?
Alguns me dizem que sou pessimista. Respondo como José Saramago: eu sou realista, mas a realidade é que está péssima. Estimo que a falta de informação e de consciência pode fazer-nos chegar atrasados quando a crise se mostrar com toda a sua virulência.

Qual sua opinião o uso de animais em experimentos científicos?
Não tenho uma reposta amadurecida para esta questão. O ideal seria não sacrificar nenhum ser vivo, pois cada um merece existir e viver. No estágio atual de nossa ciência, se não podemos evitar os experimentos em animais, podemos entretanto diminuir-lhes ao máximo o sofrimento.

O que a candidatura da senadora Marina Silva poderia trazer de mudanças ao país não concretizadas no governo Lula?
A importância de Marina não reside propriamente em sua eventual candidatura à Presidência, mas sim na problematização que faz ao PAC e às políticas de crescimento (pouco se fala de desenvolvimento) do governo Lula que estressam demasiadamente os ecossistemas e favorecem o aquecimento global. A maioria do PT não tem sensibilidade para essas questões, o que os coloca contra a vida e numa atitude de traição à Terra. Marina poderá mobilizar a consciência nacional para o problema ecológico, que é global. Mas, caso se candidatar, vou apóia-la por representar a melhor causa, seja para o Brasil, seja para a humanidade. Sua plataforma está à altura da nova consciência e responde aos desafios globais.
Reportagem de CAROLINA LEAL , Jornal do Brasil, 11/09/2009

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