quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O JURO É O FURA BOLO

Delfim Netto diz que tese de “crescer para repartir”
não faz sentido e que doença do Brasil é a Selic nas alturas.

Aos 83 anos, sorridente e bem disposto, Delfim Netto compõe um análise acurada de nossos principais desafios econômicos atuais.

(...)
O senhor não vê um risco de descontrole inflacionário?
Não tem o menor risco. Pelo contrário, eu acho que a economia está murchando.

O déficit público é um problema?
O equilíbrio fiscal é o ponto central de tudo. É preciso ter um sistema não só que honre a dívida como faça com que a relação entre ela e o PIB vá caindo e, simultaneamente, no caso brasileiro, você tem que ir reduzindo a taxa de juro real, que é a coisa mais escandalosa do mundo. Como eu brinco, o Brasil continua sendo o último peru com farofa disponível no mercado financeiro internacional fora do Dia de Ação de Graças.

O perfil da nossa dívida vai nos ajudar a ter juros menores? Quando isso vai acontecer?
Você tem um terço da dívida praticamente ainda hoje ligada à Selic. Uma coisa fundamental é reduzir isso, que existe porque lá no passado o governo não tinha nenhuma credibilidade. Isso é uma vaca leiteira holandesa, está certo? Essa é a grande doença holandesa do Brasil, que, na verdade, amamenta os rentistas, e que neste ano vai dar R$180 bilhões, ou seja, dez veze a Bolsa Família.

Na avaliação do senhor, o que seria uma taxa de juros razoável?
Nós não temos nenhum defeito genético que nos obrigue a ter taxa real de juros que é quatro vezes maior do que a do segundo colocado. O Brasil saiu da crise muito melhor do que o resto do mundo, a despeito desta tragédia. Estamos consumindo 5% do PIB, quando poderíamos consumir 2% ou 3%. São os 3% que faltam de poupança para o setor público cumprir o seu papel nos investimentos. Mas há agora uma coisa importante: 80% da dívida financiada pela Selic vence no período da Dilma Rousseff, ou seja, é visível que se abriu uma janela. É preciso dar estímulos ao setor financeiro para mudar esse financiamento, ir reduzindo a oferta desses papéis. Ele jamais fará isso por conta própria, porque essa é a coisa mais lucrativa que existe.

Na avaliação do senhor, em que nível a taxa de juros tornaria a bolsa brasileira atrativa?
Por que a remuneração do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço é 3%? Porque quando ele foi criado, nos anos 60, nós acreditávamos que a taxa de juro real do Brasil era 3%. É isso. Hoje você tem a remuneração da poupança em 6%. Quer dizer, ela constitui hoje o limite inferior de queda. Logo, a primeira coisa que é preciso fazer é acabar com esse mecanismo. Aliás, provavelmente ligar a remuneração da caderneta de poupança à taxa básica de juros. Uma proporção, de tal jeito que ela também caminhe quando as coisas seguirem para o equilíbrio, para 3%, 2,5% que deve ser a nossa taxa de juro real. No fundo, a taxa de juro rela é igual à produtividade da economia, não pode ser muito diferente. Se não, de onde vêm os recursos para pagar isso?

O senhor falou em juro real de 2,5% e 3%. Quando vamos chegar a isso e fazendo o quê?
Exatamente substituindo esse tipo de financiamento. Porque é um problema institucional, não tem nada a ver com o DNA da economia brasileira. Porque o grande drama dessa coisa é que o Brasil recebeu uma maldição de Deus e precisa ser o país com a taxa de juro real mais elevada do mundo. Não tem teoria nenhuma aqui, aqui tem religião. Religião altamente proveitosa.

E quando é que a gente vai chegar lá?
Vai demorar, talvez dois ou três anos, mas vamos chegar lá. Uma política econômica e fiscal correta, uma política monetária inteligente e a ação da Secretaria do Tesouro Nacional.

(...)
Essa nova classe média brasileira vai aprender a poupar? O consumo vai continuar dando o tom do comportamento?
Isso depende muito dos estímulos que você der. Na verdade, é o seguinte: o Brasil hoje tem realmente um desejo hiperbólico de consumo. Vou te dar um exemplo. Trabalhava comigo um senhor, um sujeito sério, que fazia a horta lá na minha casa em Cotia e estava comprando uma geladeira à prestação. E eu fui dar uma aula de economia para ele. Eu disse: “ô seu Zé, não faz isso, põe esse dinheiro na poupança, no fim do ano você vai comprar a geladeira por metade do preço”. Ele disse: “é professor, você tem razão. Só que eu vou ter que assistir o meu Coringão tomando cerveja quente durante um ano”. Esse desejo é natural. Só os economistas é que acham que isso é um pecado. Ele está lá para viver e sabe que é uma vida só. A outra não existe, ou existe – eu espero que exista talvez, não sei. Então, o que acontece? Na formação da poupança, na verdade, o governo é que falhou.

(...)

FHC, Dilma ou Lula?
Os três, cada um a seu modo. O Fernando foi um bom presidente, altamente injustiçado pelo seu partido. No Brasil, a pior coisa do mundo é ter sucesso. O Lula fez uma revolução no Brasil, não adianta ter ilusão. É de uma intuição formidável. Foi um instante importante de substituição de um tipo de governo por outro que, aparentemente, seria o oposto. Ele aperfeiçoou o governo que recebeu e adicionou uma coisa fundamental, que está na Constituição, que é essa de construir uma sociedade razoavelmente mais justa. E a Dilma é a continuação desse processo, com uma correção, uma melhoria dramática da gestão pública, se o Congresso deixar. Quando você vê o que está acontecendo e os mecanismos de funcionamento do Congresso, você tem preocupação. Eu vivi no Congresso 24 anos e sei que lá o pior instrumento de convencimento é a lógica.

"O principal desafio é dar emprego
de boa qualidade para 145 milhões de brasileiros
que vão ter entre 15 e 65 anos
em 2030."

Em algum momento o senhor acreditou ou defendeu aquele famoso aumento do bolo para depois repartir. Aquilo, naquele momento, fazia sentido?
É uma relação muito interessante com o Fernando Henrique. As pessoas imaginam que nós domos adversários, mas na verdade nós temos ligações há 60 anos. Nós dois fomos representantes dos assistentes, eu como suplente dele, no conselho universitário. Acho que em 1962, por aí. Essa ideia de fazer o bolo crescer para depois distribuir, eu acho que é uma invenção do Fernando Henrique quando ele pensava que era socialista. E era um processo político, porque ela implica uma estupidez enorme. Como é que um Estado que usa o mercado pode na verdade produzir um crescimento sem consumo? Só um Estado centralizado. O Estado brasileiro foi politicamente centralizado, mas nunca foi economicamente centralizado. Pelo contrário. Esse é um slogan para combate político que tem em si uma coisa que é impossível de ser feita. A não ser na cabeça de socialistas.

Qual é a agenda do país para os próximos anos? Quais os principais desafios?
O principal desafio é dar emprego de boa qualidade para 145 milhões de brasileiros que vão ter entre 15 e 65 anos em 2030.

Isso viria da educação?
A educação é fundamental, mas não é um problema econômico. Eu fico um pouco enojado quando vejo esse problema de educação ser ligado ao problema econômico. É claro que ela ajuda no desenvolvimento, mas é mais do que isso. Na verdade, é uma concepção de como você vai construir uma sociedade.

Como é que a gente vai fazer isso, professor?
Vamos fazer isso criando, desenvolvendo, aproveitando as oportunidades do enorme mercado interno que nós temos. O Brasil tem hoje um mercado interno igual aos que os Estados Unidos tinham em 1970. O setor externo é um complemento do mercado interno, que o torna mais eficiente, mas não pode ser o objetivo do país. Por isso que eu espero que o Brasil nunca seja um grande exportador de petróleo.

(...)

Na avaliação do senhor, qual a taxa de crescimento que o país poderia ter sem grandes perturbações?
Cinco por cento. Com a população crescendo 1%, dá 4% de renda per capita por ano. Ou seja, você dobra a renda em 20 anos. O Brasil tem condições de fazer isso, eu duvido que a China e a Índia tenham. Porque nós temos os recursos naturais, e o maior crime é um Estado soberano entregar os seus recursos naturais para outro. A China, para dobrar a renda per capita em 20 anos, tem que comprar outro mundo. A Índia também. O Brasil não precisa fazer nada.

O senhor algum dia pensou em ver o Brasil assim tão na moda como está hoje?
O Brasil está na moda porque realmente tem algumas condições. O que nós não devemos é confundir isso. Nós temos que construir esse país. Construir esse país não é simplesmente desenvolver bolsa, desenvolver taxa de juros, significa pensar esse Brasil 20 anos na frente. Ou seja, o que é que eu vou fazer dessa rapaziada que vem aí, que vai ser mais educada, vai ter mais saúde, vai ter muito mais ambição, muito mais necessidade, vai ser muito mais esperta. O que nós vamos fazer com eles daqui a 20 anos? É para essa gente que nós temos de pensar. Porque nós já fomos.

(...)
Delfim diz que não ficou rico, assim como a maioria dos colegas de academia na Universidade de São Paulo, em razão da “mais pura incompetência”. E reforça que, além da biblioteca, não existem outros luxos. O que chama de “excessos”, diz gastar em livros, em revistas. Planos para o futuro? “Viver”. (FL).
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Reportagem por FLÁVIA LIMA
Reportagem completa vc encontra na  Revista VALORINVESTE impressa - Agosto 2011, nº53, págs. 58-61

Um comentário:

  1. a diferença entre antonio ermirio, delfim neto e josé serra é que o primeiro só parou de reclamar dos juros (não tem uma matério do ae na gazeta mercantil onde não reclamasse dos juros) quando abriu seu próprio banco. depois de vende-lo (às pressas) ao bb (com lucro) não encontrei matéria com ae reclamando de juros.
    todo brasileiro é técnico. falta ser banqueiro. talvez por isso combatam com tanta insistencia os agiotas e, agora, o crowdfunding.
    no entanto, nenhum dos tres sugeriu commoditização dos juros. globais. -10 ou + 10% aa fariam alguma diferença...

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