Tim Harford*
Vou fazer uma coisa temerária, que é discordar de Lucy Kellaway.** Mas na semana passada, a destemida observadora dos desatinos do mundo dos negócios foi longe demais e disse que o PowerPoint deveria ser banido. O argumento é simples: muitas apresentações em PowerPoint são ruins demais. Isso é verdade, mas de maneira nenhuma é motivo para sua proibição.
Ferramentas úteis podem produzir resultados terríveis em mãos erradas, como qualquer pessoa que já me viu montar uma prateleira pode atestar. Proibir a chave de fenda não é a solução.
O mesmo vale para o PowerPoint. Trata-se de um equipamento nada romântico, mas prático. Frequentemente é mal usado. Não é a ferramenta mais elegante, mas a culpa dos trabalhos entediantes deve ser atribuída a quem os fez. Muitas das apresentações ruins que as pessoas fazem com a ajuda do PowerPoint seriam ruins de qualquer maneira.
É preferível ouvir as divagações improvisadas de um palestrante nervoso em um desastre cognitivo total? Ou assistir a um filme produzido de maneira profissional, mas irrelevante, no escuro? Muitos leitores vão se lembrar da vida corporativa antes do PowerPoint. Não era o Jardim do Éden.
O PowerPoint não é o mais maravilhoso software do planeta. Os modelos embutidos são feios, o clip-art é cafona e as animações risíveis. Ele insere tópicos no texto sem muito estímulo. É mais difícil do que seria simplesmente alinhar todas as letras. (Ainda estou usando o PowerPoint 2003. Isso certamente transforma essa coluna num discurso descontrolado de um cúmplice corporativo.)
Mas, apesar de todas as suas falhas, o PowerPoint realiza duas tarefas bastante úteis. Ele permite escrever rapidamente notas de uma apresentação e criar a exibição de slides de imagens e gráficos. O problema começa quando as pessoas confundem as duas tarefas.
Não há nada errado em anotar pontos de uma apresentação como auxílio à memória. O PowerPoint é uma boa maneira de se fazer isso, especialmente se você tiver uma caligrafia como a minha. Para a ampla maioria dos palestrantes, essas anotações são preferíveis às alternativas, que incluem a memorização, o improviso ou escrever uma apresentação inteira e recitá-la de maneira monótona.
O problema é que, por alguma razão misteriosa, muitos palestrantes decidem projetar suas anotações em uma parede em vez de imprimí-las no tamanho de um cartão postal. Sempre esboço minhas apresentações com a ajuda do PowerPoint. Só que prefiro manter os slides comigo.
O segundo uso do PowerPoint é projetar auxílios visuais em uma tela. Isso ele faz com perfeição - e o clip-art clichê do passado está quase extinto. Hoje em dia, as pessoas tomam "emprestados" cartoons de Dilbert ou pegam fotografias da internet. O efeito é sempre agradável. Melhor seria se as pessoas aprendessem um pouco sobre tipos de letras, e melhor ainda se elas aprendessem que ao pressionar "B" elas podem deixar a tela temporariamente em branco. Mas não se pode ter tudo.
Lucy menciona uma condenação famosa do PowerPoint pelo brilhante designer de informação Edward Tufte. O professor Tufte critica o software em parte por sua "sequencialidade rígida, um maldito slide após o outro" e em parte pela relação assimétrica entre o palestrante e os "seguidores".
Isso é estranho porque Tufte não admite que está, na verdade, investindo contra a ideia da própria oratória. O que poderia ser uma sequencialidade mais rígida que uma apresentação? Uma maldita palavra após a outra. Se você odeia a ideia de falar em público, tudo bem. Mas reconheça isso. Seria preciso pouca coisa para melhorar muito a qualidade das apresentações em PowerPoint da maioria das pessoas - muito menos do que seria preciso para melhorar a qualidade do discurso oficial corporativo.
Então, porque pedir uma proibição? O verdadeiro problema é bem mais incômodo. É que em um ambiente corporativo, somos solicitados a ler coisas escritas por pessoas que não sabem escrever e assistir apresentações feitas por pessoas sem talento ou sem treinamento para isso. Por alguma razão, esses amadores são mais bem pagos que a maioria das pessoas que sabem escrever e fazer uma apresentação. Há algo de deprimente nisso tudo, mas não se deve apontar o PowerPoint como culpado.
Não posso terminar sem confrontar o maior pecado em minha versão do PowerPoint: a função "AutoContent", que delineia uma apresentação se você não conseguir fazer isso sozinho. O AutoContent, segundo publicou certa vez o "The New Yorker", foi classificado de piada, "uma gozação aberta aos clientes". A própria ideia da função é perniciosa, mas o verdadeiro horror é que ela foi criada para atender a demanda. Felizmente, a função AutoContent foi eliminada do programa em 2007.
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* Tim Harford é colunista do "Financial Times" e, excepcionalmente hoje, escreveu no lugar de Lucy Kellaway
Fonte: Valor Econômico on line, 01/08/2011
** Ver texto de Lucy Kellaway no blog: http://zelmar.blogspot.com/2011/07/o-mundo-todo-deveria-se-unir-contra-o.html
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