Sérgio Augusto*
Sai no Brasil ‘O Mito do Fascismo – De Freud a Borges’, de Finchelstein
03 de setembro de 2022 |
Existem mais de 5 mil títulos com a palavra fascismo disponíveis na Amazon. Isso diz muito do mundo dominado pela truculência, pela mendacidade e pela picaretagem religiosa em que despencamos nos últimos anos. Só o argentino Federico Finchelstein já publicou meia dúzia de livros sobre o tema.
Professor de História da mesma New School for Social Research de Nova York em que Hannah Arendt se consagrou como a mais notória hermeneuta do pensamento autoritário, Finchelstein investigou como o fascismo deformou o populismo, contaminou as sanguinárias ditaduras militares na América Latina e facilitou a ascensão política de Trump, Orban, Bolsonaro e demais ogros da extrema direita mundial.
Sua Breve História das Mentiras Fascistas saiu aqui, em 2020, pela editora Vestígios, e algumas de suas reflexões sobre o negacionismo e a necropolítica bolsonaristas já ganharam espaço nas revistas Serrote e 451. Chegou a vez de lermos suas conclusões sobre “as mitologias fascistas”: O Mito do Fascismo – De Freud a Borges.
A edição em inglês, da Columbia University Press, também disponível em formato eletrônico, inclui no subtítulo uma palavra-chave (“unreason”, irracionalidade) e acrescenta a Freud e Borges a figura-chave de Carl Schmitt.
Grande jurista e ideólogo conservador cooptado pelo nazismo, Schmitt exerceu basilar influência sobre os intelectuais de direita alemães, aqui fez a cabeça de Plínio Salgado e seus acólitos integralistas, e foi um dos insumos teóricos da Constituição imposta ao Chile pelo ditador Pinochet, em 1980.
Embora os gritos de “Mito! Mito!” com que os bolsominions costumam saudar seu líder visem equipará-lo a deuses de olimpos remotíssimos, o anauê bolsominion (essa palhaçada diminuiu bastante ou é só impressão minha?) teria origem assaz plebeia e pitoresca: é uma corruptela de “palmito”, apelido a que Jair Messias fez jus, na caserna, não por feitos em batalhas que nem ele nem seus pares lutaram, mas por ter as pernas muito brancas, da cor do palmito.
“Mito era tudo para os fascistas”, vai logo dizendo Finchelstein em seu ensaio, “a chave para explicar o mundo e, o mais importante, sua motivação para mudá-lo”. Para Mussolini, o fascismo criou seu próprio mito. Criou mesmo. Era uma fé, uma paixão, uma realidade paralela, “mais real do que a realidade”, com noções próprias de liderança, nação, poder e violência fincadas no imaginário mítico e no falacioso anseio de transcender a História. Finchelstein combina engenhosamente a obra literária e crítica de Borges com os escritos psicanalíticos de Freud e a teologia política de Schmitt para melhor enquadrar o fascismo como uma forma de mitificação & mistificação política.
Os mitos modernos não são apenas crendices de uma sociedade, como nos tempos de Aquiles e Ulisses, mas fabricações contemporâneas cuja natureza fabulosa é convertida à ordem do real e manipulada como material de propaganda. Isso também explica as motociatas e outras narcísicas ostentações de superioridade física de Mussolini e Bolsolini, seu patético êmulo tabajara.
O apelo a mitos, sejam eles reencarnados em pessoas ou ideias, configura “uma falsa memória do passado”, a troca do real pela pura ficção. A redução do golpe de 64 a um “movimento” democratizante, por exemplo. Freud e Borges alertaram para esse embuste. Idem Wilhelm Reich, ao analisar a psicologia de massa do fascismo, e também Gramsci, Ernst Cassirer, Adorno e o peruano José Carlos Mariátegui. Finchelstein amplia a discussão
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