Entropia.
A maior parte das pessoas pensa que se associa a um grau de desordem. E
até poderia ser uma verdade absoluta. Mas, dizia John von Neumann, — «como ninguém sabe muito bem o que se entende por entropia, numa discussão, todos estão em vantagem.» —
Ou, talvez a vantagem seja a da abertura a pensar esta palavra com
sentidos mais positivos que abrem novos horizontes. Foi isso que me
apercebi recentemente quando li algo sobre a origem da palavra entropia. Sabem quem inventou essa palavra?
Rudolf
Clausius, um físico e matemático alemão, estava a trabalhar em
conceitos novos na termodinâmica e sentiu a necessidade de dar um nome
àquela relação entre calor e temperatura. Como conhecedor da filologia
grega e latina, sabia como conjugar línguas diferentes para gerar
palavras com novos significados. Assim, escreveu — «eu proponho chamar à magnitude S, a entropia de um corpo» — Por que razão? Ao conjugar ”en-“ do significado inglês para “interior” com "tropē”,
palavra grega para “transformação”, sentiu que essa conjugação
expressava algo de novo e profundo. Entropia seria um todo maior do que a
soma das suas partes e, por isso, penso que seja já evidente que
significa “transformação interior”. Curioso. De onde vem, então, a ideia da desordem?
Sabendo
que ninguém sabe bem o que se entende por entropia, mais extraordinário
se torna o feito de um outro físico — Ludwig Boltzmann. Esse conseguiu
encontrar uma forma matemática para calcular a entropia ao nível
microscópico. Na versão de Boltzmann, a entropia depende do logaritmo do
número máximo de configurações possíveis das partículas de um sistema.
Ou seja, imaginem esferas a representar moléculas de um gás a andar
“desordenadamente” de um lado para o outro, chocando entre si e com as
paredes, como se fossem miúdos de um infantário cheio de energia e com o
pequeno-almoço tomado. Parece-me ser uma imagem que dá para entender
como se começou a associar a palavra entropia ao grau de desordem. Mas, e
se mudássemos de perspectiva como no vaso de Rubin?
No vaso de
Rubin podemos ver duas caras, frente-a-frente, ou o cálice no espaço
entre as caras. Uma perspectiva não anula a outra, mas são,
simplesmente, diferentes. Logo, e se em vez de desordem, focássemos a
atenção no “número máximo de configurações possíveis”, expressão
presente na ideia de Boltzmann? Nesta perspectiva, a entropia seria uma transformação interior proporcional ao espaço de possibilidades com que esse interior pode configurar-se.
Quanto maior a entropia, maior é o espaço de possibilidades de nos
ordenarmos de uma certa maneira. É como se pudéssemos experimentar uma
maior liberdade de nos estruturarmos e sermos transformados
interiormente. Parece-me ser diferente de uma ideia de desordem.
Por
outro lado, através das ideias que Claude Shannon partilhou em 1948
sobre o modo de quantificarmos a quantidade mínima de informação que
permite compreender uma mensagem apesar do ruído existente no canal de
comunicação, surgiu mais uma característica para a entropia: é uma
medida do grau de surpresa. Ou seja, quanto maior for o número
de possibilidades das coisas se configurarem entre si, maior será a
surpresa que temos ao saber qual a configuração que ficou impressa na
fotografia sabendo que existiriam tantas outras possibilidade. Por isso,
as coisas realmente “entrópicas” não cessam de nos surpreender. Não vos
parece ser uma perspectiva diferente de desordem? Porém, o modo como
cada pessoa encarna esta palavra pode ser expressão do seu estado de
alma do momento.
Se ter muitas opções (possibilidades) gera um
impasse e indecisão, podemos congelar, cristalizar, e recusar ser
transformados interiormente. Não gera confusão, mas também não gera
evolução. Depois, há quem receie quaisquer digressões filosóficas em
torno de conceitos científicos por se perder o rigor daquilo que
“realmente” expressam, ou estarmos a estender o seu significado para
além daquilo que “realmente” significam. Contudo, não será isso o fruto
de uma mente fechada à imaginação que pode intensificar o significado
das coisas sem comprometer o seu rigor?
Na medida em que o nosso
corpo se transforma fisicamente interiormente, a entropia impele-nos de
experimentar o tempo e a evoluir.
Na medida em que o nosso
conhecimento se transforma cognitivamente interiormente, a entropia
mantém a nossa mente aberta a novas possibilidades.
Na medida em que
o nosso espírito se transforma transcendentemente interiormente, a
entropia abre-nos ao infinito porque, no universo, a entropia parece
estar sempre a aumentar.
*Professor na Universidade de Coimbra e Doutorado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Superior Técnico. Membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado em self-publishing intitula-se KeepUp - Organização do Tempo de Estudo à venda na Amazon. Em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica. Blogues: Saber Aprender e Ciência e Fé.
Fonte: https://www.imissio.net/artigos/49/4827/transformacao-interior/
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