segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Por que o tempo voa quando você está viajando, mas se arrasta quando você está à esper

 Por Tim Harford, Financial Times

Fila de passageiros no Aeroporto Internacional de Salt Lake City, nos Estados Unidos  — Foto: Rick Bowmer/AP

Fila de passageiros no Aeroporto Internacional de Salt Lake City, nos Estados Unidos — Foto: Rick Bowmer/AP

Medidas simples adotadas por companhias aéreas e de trens trariam alívio

Comecei a imaginar esta coluna três horas e meia antes de digitar estas palavras, enquanto estava com minha mulher e filhos em uma fila insuportavelmente longa do Eurostar, que se estendia por toda a Gare du Nord em um calor de 35 graus. O problema não era a demora, mas o desconforto, a ansiedade e a incerteza. Era impossível ler ou mesmo pensar porque a fila se movia e as pessoas se aglomeravam; ela era bloqueada e redirecionada em pontos imprevisíveis por razões desconhecidas. Quase aconteceu um acidente desagradável quando uma escada rolante jogou as pessoas em um espaço já lotado.

Não foi o maior atraso que já sofri, nem de longe. Uma vez, graças a um vulcão islandês de nome impronunciável, cheguei cinco dias atrasado para o aniversário de minha mulher. Mas a experiência do Eurostar de alguma forma comprimiu uma temporada inteira de estresse em poucas horas.

Foi um desfecho apropriado para uma tentativa nada tranquila de fazer um tour de trem pelos pontos turísticos da Europa. Nosso trem de Garmisch-Partenkirchen para Innsbruck foi substituído por duas viagens de ônibus. O trem de Innsbruck para Verona atrasou e, apesar de termos feito as reservas havia meses, não recebemos os assentos reservados. Perdemos uma hora em uma sala de espera em Verona, em um calor de 40 graus, vendo como nosso trem para Milão era adiado repetidamente. Apenas mais 15 minutos, o quadro de embarque prometia de novo e de novo e de novo. E uma conexão cancelada pôs em risco a viagem de Milão a Paris e nos deu algumas horas de aflição, sem saber se teríamos autorização para embarcar em um trem que partiria mais tarde. Adoro a ideia de viajar de trem, mas a realidade às vezes decepciona.

O curioso é que, quando estávamos de fato viajando, tudo era um prazer. Mesmo a substituição por um ônibus não é tão ruim quando você está no meio dos Alpes. Embora tenhamos gasto um tempo absurdo em tentativas fracassadas de confirmar reservas de assentos, raramente tivemos problemas para consegui-los.

O problema, em essência, não era a viagem; eram as filas e a espera e, mais do que tudo, a angústia de nunca saber o que acontecia. Isso não se aplica apenas a viagens de férias, mas também ao “le train-train quotidien” (até mesmo “rotina diária” soa legal em francês). Um famoso estudo de Daniel Kahneman e do falecido Alan Krueger concluiu que uma das partes menos agradáveis do dia de  qualquer pessoa era o trajeto da manhã até o trabalho, com a volta à noite não muito atrás. O motivo pode ser que a viagem para ir ou voltar do trabalho não é só desagradável, mas tensa o suficiente para que ninguém consiga se acostumar com ela. Os viajantes não podem se dar ao luxo de serem complacentes; eles precisam ficar sempre atentos às dificuldades de sua jornada para que ela não se torne ainda mais penosa.

Nada disso seria novidade para Pete Dyson e Rory Sutherland, os autores de um livro delicioso, chamado “Transport for Humans” (Transporte para seres humanos; sem edição em português). Eles citam vários estudos para respaldar algumas ideias óbvias, mas menosprezadas.

Por exemplo, o tempo voa quando você está viajando, mas se arrasta quando você está à espera (subjetivamente, um minuto de espera parece durar o mesmo que três minutos de viagem). Um estudo holandês verificou que viagens em trens limpos parecem cerca de 20% mais curtas. Não tenho nada contra trens mais rápidos, mas operar trens limpos é mais barato e podemos começar a fazê-lo amanhã.

Dyson e Sutherland argumentam que os provedores de transporte precisam tratar da tarefa negligenciada de explicar o que acontece e tranquilizar as pessoas. Quão longa é a fila? Quanto o trem está atrasado? Se eu perder este trem, o que acontece?

Se o Eurostar tivesse dito “desculpe, você terá de fazer fila por algumas horas e chegará a Londres com duas ou três horas de atraso, mas prometemos colocá-lo em um trem hoje à noite”, o tempo perdido na fila teria sido mais fácil de suportar. Em vez disso, nos explicaram por que a interrupção aconteceu, mas não falaram nada sobre as implicações dela para nós como viajantes e, portanto, não tínhamos ideia do que esperar ou do que fazer.

Pedi uma entrevista ao Eurostar para discutir por que parecia tão difícil para os provedores de transporte fornecerem informações aos passageiros, mas ninguém pôde ser disponibilizado para responder às minhas perguntas. Pelo menos eles são consistentes.

Viajantes acham úteis as explicações mesmo quando não há atrasos. É fácil eliminar alguns “achismos” nas viagens com relógios grandes, painéis de embarque que mostram contagens regressivas ou simplesmente com informações sobre de que direção vem o trem.

Também existe a questão do que fornecer aos passageiros enquanto esperam na estação. Assentos limpos, mesas, talvez até uma tomada: algumas poucas coisas desse tipo podem fazer muita diferença. Sem dúvida o espaço nas estações mais antigas é escasso e caro, mas seria benéfico se uma pequena fração do orçamento e da atenção dedicados às conexões ferroviárias de alta velocidade fosse redirecionada para salas de espera relaxantes e produtivas.

Enquanto escrevo esta conclusão já se passaram quatro horas desde que chegamos à Gare du Nord e duas horas e meia do horário em que devíamos ter saído. Ainda estou à espera, mas estou em um trem parado. Tenho ar-condicionado (esporadicamente), um assento confortável, eletricidade e uma mesa para meu laptop. Como resultado, meu humor melhorou muitíssimo. Parece que há muito mais na arte de viajar do que simplesmente se mover. (Tradução de Lilian Carmona)

Fonte: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2022/08/29/por-que-o-tempo-voa-quando-voce-esta-viajando-mas-se-arrasta-quando-voce-esta-a-espera.ghtml

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