"A Igreja, hoje, não é mais a única referência da cultura: bispos, padres, catequistas não são mais os únicos a ter palavras convincentes sobre os significados últimos e as perguntas de sentido do cidadão ocidental médio, nem estão entre os sujeitos mais ouvidos. E as consequências dessa nova condição do cristianismo, no ocaso da cristandade, são evidentes. Estou pensando, em particular, no ateísmo crescente das novas gerações", escreve Armando Matteo, professor de Teologia Fundamental da Pontifícia Universidade Urbaniana e subsecretário adjunto da Congregação para Doutrina da Fé, em artigo publicado na sua coluna "Opção Francisco", na revista Vita Pastorale, edição julho-agosto de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Um dos elementos mais esclarecedores e libertadores da Opção Francisco diz respeito à leitura da situação da Igreja na mudança de época, que tentamos delinear nas intervenções anteriores. Também neste caso as palavras de Francisco são mais eficazes do que nunca:
“Viemos de uma pastoral secular, na qual a Igreja era o único referente de cultura. É verdade, é a nossa herança. Como autêntica Mestra, sentiu a responsabilidade de delinear e impor, não apenas as formas culturais, mas também os valores, e mais profundamente traçar o imaginário pessoal e coletivo, ou seja, as histórias, as pedras angulares a que as pessoas se apoiam para encontrar os significados últimos e as respostas às suas questões vitais. Mas não estamos mais naquela época. Já passou. Não estamos mais na cristandade, não mais. Hoje não somos mais os únicos que produzem cultura, nem os primeiros, nem os mais ouvidos”.
A expressão "cristandade" indica, com efeito, o tempo de uma feliz - embora não desprovida de ambiguidade - associação entre as instâncias do viver e do crer: o tempo em que, alicerçando-se fortemente no horizonte filosófico grego e na perspectiva institucional e jurídica romana, a Igreja conseguiu se impor consideravelmente na definição e manutenção dos imaginários pessoais e coletivos do contexto ocidental. Foi um grande feito, foi uma grande temporada!
O anúncio do Evangelho pôde assim encontrar uma resposta quase imediata na vida dos indivíduos e acompanhá-los na busca dos significados últimos e das perguntas sobre o sentido da existência. Mais particularmente daqueles significados últimos e daquelas perguntas de sentido ligadas àquela condição do humano anterior ao advento da mudança de época, que poderíamos resumir na imagem de homens e mulheres obrigados a viver num vale de lágrimas.
É preciso um cristianismo diferente
Bem, com a mudança de época, a cristandade acaba. Os novos imaginários que orientam as existências dos indivíduos e da coletividade encontram sua inspiração fundamental naquela transformação da condição humana que atende pelo nome de bem-estar, liberdade, prazer, gozo e que está cada vez mais sob a tutela do poderoso magistério do sistema econômico-financeiro.
A Igreja, hoje, não é mais a única referência da cultura: bispos, padres, catequistas não são mais os únicos a ter palavras convincentes sobre os significados últimos e as perguntas de sentido do cidadão ocidental médio, nem estão entre os sujeitos mais ouvidos. E as consequências dessa nova condição do cristianismo, no ocaso da cristandade, são evidentes. Estou pensando, em particular, no ateísmo crescente das novas gerações.
No entanto, deve-se lembrar que justamente é próprio da postura do Papa Francisco - e consequentemente da Opção Francisco - uma rejeição decisiva de qualquer atitude depressiva e derrotista. O fim da cristandade não é o fim do cristianismo. Longe disso. O cristianismo ainda é necessário. Mas é preciso um cristianismo diferente, outro daquele que tomou forma ao longo do tempo da condição humana em um vale de lágrimas.
Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/622026-o-fim-da-cristandade
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