FRANCISCO MARSHALL*
Em 27 de dezembro de 1968, no início da vigência do AI-5 (de 13/12/1968), Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos pela ditadura militar, acusados de desrespeito aos símbolos nacionais - logo eles, dois dos melhores símbolos desta pátria. Tiveram seus cabelos raspados e só foram soltos em 19 de fevereiro de 1969, para viver confinados até sua partida para o exílio na Inglaterra, ao final de julho de 1969. Caetano e Gil estavam então com 26 e 27 anos e o tropicalismo, lançado em 1967, sacudia a cultura brasileira. Ao sair do quartel em que tratou de seu exílio, Gil ouviu dos soldados o brado gentil de "aquele abraço", que se tornaria título de um de seus melhores sucessos, lançado já no exílio; em Londres, novamente cabeludo, Caetano Veloso gravou em 1970 o LP com seu nome, lançado em 1971, com a linda canção London, London. Violados pela violência de falsos patriotas, esses artistas responderam com mais arte e muita brasilidade, enquanto sonhavam com sua volta ao Brasil que tanto amam, o que ocorreria em janeiro de 1972.
Na nova era, quando vencermos a recente onda de falso patriotismo e arquivarmos a asquerosa barbárie, devemos ao mundo pedidos de desculpas e mensagens que assegurem que o Brasil digno segue vivo. Seria lindo enviarmos a Londres, com sopro amoroso de uma pátria que sabe ser bela, Caetano, Gil e muitos artistas, incluindo o nobre bardo de nossa Londrina, Arrigo Barnabé, para limpar a barra da nação, após os insultos recentes e esses pesados anos de muita e justificada vergonha internacional. É com arte que podemos reagir e reencontrar o que há de valioso nesta terra e promover o que importa, com inteligência e beleza. Que partam muitas caravanas de arte brasileira, pelo país e pelo mundo!
Sempre sincero e inteligente, Caetano acaba de declarar que admira o candidato cearense filo-parisiense mas que votará mesmo é no pernambucano. Todos os brasileiros sensatos sabem que é hora de bradar salve a democracia!, impondo veemente derrota ao agressor da República já no primeiro turno, fazendo boa música nas urnas eletrônicas, a 2/10. A nação está esgotada e precisa dar um basta a tanta vileza, e começar a reconstrução do que ainda era pouco antes de virar ruína. Arte, ciência, cultura e educação serão os faróis dos novos tempos, em que precisamos também desarmar corações iludidos e raptados para a seita macabra do extremismo ignorante. Será preciso muito amor e sabedoria, mas nem sabemos direito como começar essa conversa, diante de interlocutores agressivos e tomados por transe pavoroso, como os que ora vimos em Londres, insultando o luto da nação amiga com grosserias dignas do líder mórbido e vil que os compele.
Terão que ser muitos recomeços simultaneamente. Revogar com perícia as centenas de erros que desmontaram instituições democráticas, retomar o caminho do desenvolvimento social e econômico, saciar a fome de milhões de famintos, reconquistar a graça legítima de sermos brasileiros e quem sabe até lavar a camisa e limpar as cores da nação, ora usurpadas e vilipendiadas. E será, como quer Caetano, um grande sim, bem brasileiro!
* Historiador. Pianista, professor, helenista, tradutor, escritor, arqueólogo e promotor cultural brasileiro
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=35df5c354713cf3653c763bae130b7b3 24/09/2022
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